CAPÍTULO 6: To apaixonado, me ajudem, ou não me ajudem, até que é bom

Os dias ao lado de Âmbar eram mais claros, mais cheios de vida. Ela fazia eu me sentir tão bem que eu cheguei a esquecer por um tempo sobre Lilith, o que não agradou Miguel. Mas eu ia continuar enrolando sim, por que pela primeira vez na vida eu não estava sendo diminuído por alguém. Ela me olhava como se eu fosse a pessoa mais incrível do mundo.
Depois de algumas semanas juntos, ela veio me visitar durante a tarde, eu me surpreendi, mas a convidei para entrar.
Layla estava no colégio e Sarah estava no hospital, então era bem estranho estarmos a sós.
Nos sentamos num pequeno colchão no chão e ela não olhava diretamente pro meu rosto. Estávamos a bastante tempo andando juntos, mas nada demais havia acontecido, mas não importava, por que eu estava feliz só de tá perto dela.

— Você tá bem? — Perguntei.

— Sim. E tu? — Ela perguntou finalmente me olhando.

— Eu to bem também — me virei e comecei a mexer no cabelo dela. Tinha se tornado uma mania minha.

— Eu amo seu cabelo.

— Minha peruca, né — ela retrucou enquanto mexia no cabelo.

— Sua peruca é bem realista.

— To pensando em cortar — ela disse.

— Corta. Você fica linda de qualquer jeito.

Eu estava muito próximo a ela, próximo o bastante para sentir o hálito dela que sempre tinha cheiro de hortelã, pois ela sempre tava com um chiclete na boca.

Ela me olhou nos olhos de um jeito que eu tive de me segurar muito pra não beijar ela.

— Meio difícil ficar perto de você assim e não poder te beijar — eu falei.

O rosto dela ficou vermelho antes que ela pudesse responder. Ela cobriu o rosto com as mãos e falou.

— É?!

— É — falei sorrindo. — Talvez você tenha que me beijar, sei lá.

— Eu posso? — Perguntou ainda com as mãos no rosto.

— Sempre.

Ela puxou meu rosto para um beijo quente e lento, aproveitando cada segundo com um desejo que foi guardado por muito tempo. Nossos corpos foram se enlaçando aos poucos e quando me dei conta já estávamos os dois deitados, eu por cima dela e toda vez que eu parava para olhar, ela desviava o olhar com o rosto vermelho.

— Não olha assim pra mim — ela disse.

— Por que?

— Por que eu fico com vergonha.

Eu ri da vergonha dela por que achei fofa.

— Eu acho que to apaixonado por você.

Ela me encarou por alguns segundos e sorriu.

— E eu por você.

E voltamos as trocas de beijos e carícias, aos poucos nos encaixando, nos tornando em um, cobertos por suspiros e malícia.
Depois de tanto nos beijar, paramos e nos deitamos um de frente ao outro, naquele pequeno colchonete azul, que mal cabia um de nós. E eu finalmente fui capaz de ver o rosto dela por completo. E quando meus olhos pousaram em sua bochecha do lado esquerdo, ela levou a mão ao rosto e o cobriu.

— O que foi? — Perguntei.

— Não olha.

— Tudo bem, mas o que foi?

— Não gosto desse lado do meu rosto.

— Por que?

— É feio. Tem uma cicatriz.

— Deixa eu ver?

Ela tirou a mão aos poucos e apertou os olhos, como se me deixar olhar aquilo fosse doloroso para ela. Eram três cicatrizes em forma de arco que cobriam sua bochecha. Indo das maçãs do rosto até o fim da mandíbula. Eram grandes, pareciam ter sido causadas por feridas profundas.

— Quer me contar a história?

Ela parou antes de falar. Tentando lembrar o que aconteceu.

— Meu antigo cachorro, o Rock. Quando eu era criança, no carnaval, eu e uma menina que minha mãe cuidava fomos no quintal. Aí meu cachorro tava amarrado e ele começou a latir com a gente. Acho que por que eu tava usando uma máscara. E eu tentei acalmar ele. Foi quando ele avançou e tentou morder a menina que tava comigo. Eu afasteia menina e ele atacou meu rosto. Não lembro se foi mordida ou a pata dele, por que logo em seguida eu não sentia nada, mas lembro do desespero da minha mãe e a raiva do meu pai. Eu só queria acalmar o Rock e ganhei isso — ela forçou uma risada curta. — Meu pai quase matou ele, mas o Rock não teve culpa. Ele tava assustado.

— Nossa...

— Aí fui pro hospital, fizeram os pontos, e até hoje eu tento esconder.

— Por isso a franja.

— É — ela puxou a franja e cobriu o olho por inteiro. — Eu sou um pirata.

— Ta parecendo mais um emo.

Ela riu.

Me aproximei do rosto dela e dei um beijo na cicatriz que ela tanto odiava.

— Você é perfeita.

Ela me beijou novamente. Depois voltamos a nos encarar, sem dizer uma única palavra, meus olhos vascilaram até o tórax dela e vi uma grande cicatriz no centro de seu peito. Ao perceber meu olhar, seus olhos se arregalaram e ela me abraçou.

Ela ficou em silêncio por alguns instantes. A respiração parecia ofegante e senti que ela chorava.

— Eu sou toda remendada, Orebe. Nem meu coração é meu. Eu sou estranha, confusa e não faço ideia do que você vê em mim, mas esses últimos dias junta de você foram os melhores da minha vida.

A abracei com mais força e disse.

— Você é perfeita do jeito que é. E esses últimos dias foram os melhores de toda minha existência. Obrigado por aparecer na minha vida.

Mais alguns minutos de um silêncio aconchegante e nós dois já estávamos com nossa respiração em sintonia. Eu já havia decorado cada linha do seu corpo e cada traço. O mundo poderia acabar naquele exato momento, que eu estaria feliz.
Um sinal na clavícula dela me chamou a atenção.

— Belo sinal.

Ela tentou olhar, mas era impossível, ela fez uma careta tentando olhar, o que me fez rir da cara dela.

— Não dá pra tu olhar, mano.

— Tu é chato, viu — ela disse fingindo estar chateada.

— Mas sério, gosto de sinais. Esses são de nascença?

— Acho que sim. Não to lembrando. Não sei nem quantos sinais eu tenho.

— Esse parece uma marca de mordida. Dois pontos, iguais, e bem perto um do outro. Parece uma marca de bruxa.

— Eu sou uma bruxa — ela sussurrou como se dissesse um segredo, mas me assustei um pouco, pois lembrei do cão demônio e dos olhos dela completamente negros.

— Você não é mesmo.

— Meu pai me chama de bruxa. Direto. Até disse que é por isso que lá em casa é cheio de cruzes. Pra me controlar — ela falou rindo, mas fiquei preocupado.

Depois de mais silêncio ela fala.

— Orebe.

— Oi.

— Você tem medo da morte?

Pensei um pouco. Eu já havia experimentado muitas vezes, não sei se seria um medo, eu via mais como esperança de descansar.

— Não muito.

— Eu tenho. Eu quase morri a dois anos.

Me virei rapidamente pra olhar pra ela.

— De quê?

— Meu coração. Um dia, simplesmente pifou. Parou.

— Meu Deus...

— Eu tive sorte de ter um transplante rápido, mas eu sentia que iria morrer. Eu meio que fiquei morta por algum tempo, até chegar no hospital e fazerem o transplante. Desde então minha vida nunca mais foi normal.

— Acha que uma coisa tem a ver com a outra?

— Não sei. Meus pais me trataram por um tempo como se eu fosse de vidro. Agora eles me tratam como se eu fosse de merda.

— Como assim?

— Eu sinto que ninguém gosta de mim lá em casa — então se virou pra me encarar. — Você foi a primeira pessoa que eu senti que gostava de mim de verdade.

— E eu gosto mesmo. Não faz ideia.

— Do tamanho do céu? — Ela perguntou de uma forma tão inocente, que mexeu com meu coração.

— Muito maior do que isso.

Depois de algum tempo, fui deixá-la em casa, pelo menos até perto de lá. A desculpa que ela tinha dado era que ia resolver um negócio na escola e eu tava com ela. Nos despedimos com um abraço apertado e ela fui pra casa. Vi uma sombra acompanhando os passos dela por cima do telhado. Tentei encontrar com meus olhos e vi um gato cinza no segundo andar de uma casa. Segui ele até ele descer e agarrei ele. Carreguei até em casa tomando cuidado para que as pessoas não me vissem.
Já chegando em casa joguei ele dentro do meu quarto e ele correu pra baixo da minha cama.

—  Isso pode ser do jeito fácil ou do difícil.

O gato fazia um som irritante, daqueles de quando estão prestes a atacar alguém.

— Eu não tenho tempo a perder. Sei o que você é, só quero informações. Se você não me ajudar, eu vou expurgar você. Eu tenho capacidade de fazer isso.

— Tá legal, tá legal — disse ele saindo de debaixo da cama e subindo no meu colchão. — Você é um chato do caralho, meu parceiro.

O gato era um siamês, de aparência decrépita e um olho cego.

— A merda de um familiar.

— Não entendo seu ódio gratuito contra minha raça. Olha que te meto um processo, maluco.

— Boa sorte — falei me aproximando. — Só quero saber por que você tava seguindo a Âmbar.

— Ah, então esse é o nome dela. Eu to seguindo ela a anos, na real. Na esperança dela me adotar como familiar.

— Então ela é uma bruxa!?

— Magia emana dela como fumaça saindo de um celular colocado num micro-ondas, cara. Como tu me ameaça se tu nem sabe como é uma bruxa?!

— Eu sou do exército do Senhor. E o por quê eu me envolvo com ela não é problema seu.

— Anjos malditos. Vocês são um bando de otários empata do caramba. Só atrapalhando nossa vida. Perseguição o nome disso.

— Ah, por favor, não me aluga — fui até a porta e a abri. — E mais uma coisa: para de encher o saco dela. Ela não é uma bruxa.

— Continua repetindo isso pra si mesmo, talvez um dia tu acredite.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top