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Eu não acho que "ciúme" seja a palavra correta para definir o incômodo que a súbita proximidade entre Lana e Sarah me causa, mas ainda acabo preferindo seguir Beatrice para os bastidores no fim da festa a ficar junto das duas.

Luke lhe cedeu um tipo de passe livre. E — de novo — não estou com "ciúme" porque Beatrice ganha esse benefício e eu não, mas talvez eu esteja sim um pouco obcecada pelos pequenos detalhes.

Trombamos com Kyle e Erick no corredor. Ambos estão suados, sujos de tinta e com aquele aspecto exausto pós-show, mas Kyle abre um de seus sorrisos grandes e gentis ao me ver. Ele é muito bonito, eu não deixo de notar, e claro que eu preciso interromper o caminho para cumprimentá-los pela performance. A banda entregou tudo essa noite.

— Eu vou só encontrar o Luke e já volto — Beatrice avisa.

— Da última vez que eu vi, ele estava atrás do palco — fala Erick. Minha amiga agradece e trata de correr atrás do namorado.

— Não é que nossa fangirl original resolveu fazer uma visita? — Kyle ri e me cumprimenta com um beijo na bochecha. Em seguida olha para o baterista. — Me deve cinquentinha.

Com uma lufada de ar, Erick arranca o dinheiro do bolso e entrega para o amigo.

— Não vai dizer que fizeram outra aposta sobre mim. — Eu estreito os olhos.

— Então não vou dizer. — O mais alto passa um zíper imaginário na boca. Eu sacudo a cabeça em desapontamento, mas também deixo um riso breve escapar. — Ele apostou que você não apareceria.

— Em minha defesa — Erick expõe. — Depois do show que o Pedro deu lá no palco, eu pensei que você não ia querer ver a cara dele tão logo.

— E eu não quero!

Ã-hã. — Kyle ri baixo. Não parece convencido, mas não insiste no assunto, o que eu aprecio, já que também não estou tão convencida assim. — E a Sarah? — Ele pergunta forçando desinteresse. — Veio com você?

Eu olho para trás, o caminho pelo qual chegamos aqui.

— Ela está no camarote bebendo com a Lana.

— Ótimo! A gente tava mesmo indo beber alguma coisa. Gastar esse lucro que eu acabei de ganhar. — Sacode a nota de cinquenta no ar e dá uma piscadela. — Quer vir junto?

— Acho melhor esperar pela Beatrice. — Aponto com a cabeça para o corredor extenso onde a minha amiga desapareceu.

— Claro... A gente se encontra depois então. — Ele faz menção de sair, mas então se lembra de uma coisa e volta. — Ah, Julie! O Pedro tá no camarim. Terceira porta à esquerda.

— Eu não... — Chego a abrir a boca para dizer que não quero vê-lo, mas acabo fechando sem dizer nada. Eles não vão acreditar de qualquer jeito, então qual seria o ponto de encenar descaso? — Obrigada.

Depois que os dois vão, eu sigo na direção mencionada. Uma pequena plaqueta ao lado porta anuncia "French 75". Hesito com a mão na maçaneta. Uma parte de mim insiste em fugir, mas não é como se eu pudesse fazer isso para sempre. O universo inteiro parece conspirar para fazer nossas órbitas colidirem, então, se vamos ter que colocar um ponto final que isso seja feito aqui e agora.

Empurro a porta. Para a minha sorte, está destrancada. Eu vasculho o ambiente com os olhos, reparando na decoração toda em preto. O cheiro de cigarro ainda está impregnado no ar, como se alguém houvesse fumado aqui dentro ainda agora, mas o cômodo está vazio. Ouço o som do chuveiro ligado e deduzo que Pedro esteja lá, completamente sem roupa, lavando o suor e a tinta em pó para fora do corpo.

Tenho que sacudir a cabeça para apagar essa imagem da mente.

O camarim é bem mais sofisticado que na lembrança, ou talvez tenha sido reformado. Eu checo minha imagem no espelho bem iluminado. Não estou tão suja de tinta quanto pensei que estaria, mas o meu cabelo está recoberto por camadas de rosa e azul e o vestido parece ter passado por um tingimento hippie.

O frigobar vermelho no canto chama minha atenção. Eu abro para descobrir o que tanto Pedro tem de beber ali dentro: Algumas garrafas de água importada, cerveja e... uísque, claro. Não que eu curta beber uísque, mas se essas são as opções, acho que não me resta escolha. Uma dose de de qualquer coisa forte cairia bem agora.

O chuveiro ainda está ligado, acho que eu posso beber algo enquanto espero. Sento no sofá preto, ajeitando-me entre as almofadas confortáveis. Viro um gole longo direto do gargalo e ele desce queimando a garganta. Faço uma careta. 

Minhas mãos passeiam pelo assento de couro. Encontro um pequeno caderno caído num vão estreito, a capa preta camuflando-se em meio ao couro. Não preciso ser muito inteligente para deduzir que se trata do caderno de composições do Pedro. Lê-lo é uma ideia tentadora.

Checo o teto, não tem nenhuma câmera à vista. Acho que folhear não pode me fazer nenhum mal, o Pedro não vai ter como descobrir que eu andei sondando suas poesias mesmo. Viro a primeira página. A caligrafia é um garrancho que parece combinar perfeitamente com a personalidade dele: feroz e indomável. Deslizo o indicador pelas palavras em tinta preta.

"I know she burst / then I get hurt / she say it's war / but I keep coming back for more./ Cross-fire, I'm caught / barbed-wire knot./Straigh from the past / this girl has ever been a blast. / She's like a fight / knew at first sight / felt in my skin/ this one was never mine to win. / She's throwing blame/ like it's a game/ as if I never felt the same. / I swear I did / she won't believe / this love has ever harmed me. / I swear it did... / She won't believe... she won't believe... she won't believe me.

[Eu sei que ela explode / aí eu me machuco / ela fala que é guerra / mas eu continuo voltando para mais. / Tiro cruzado, eu fui pego / nó de arame farpado. / Direto do passado / essa garota sempre foi uma explosão. / Ela é como uma briga / soube à primeira vista / senti na minha pele / que nunca foi minha para vencer. / Ela está jogando a culpa / como se fosse um jogo / como se eu nunca tivesse sentido o mesmo. / Eu juro que sim / ela não vai acreditar / que esse amor alguma vez me machucou. / Eu juro que sim ... / Ela não vai acreditar ... ela não vai acreditar ... ela não vai acreditar em mim.]

Observo a data no topo da página. Essa música foi escrita quando estávamos no iate dele. Faz lembrar uma conversa que tivemos lá. Eu acusei de partir meu coração, ele me acusou de fazer o mesmo, e eu não acreditei. Mas quando as palavras estão escritas em uma página que ninguém deveria ler, e não sendo cantadas num palco para milhares de pessoas, fica difícil me convencer que Pedro as colocou ali só para me provocar.

Continuo virando as páginas, preciso ver mais dessa vulnerabilidade que ele é tão bom em mascarar com sorrisos tortos e jaquetas de couro quando está por perto.

"This was once as good as rare/ now it's just a strikethrough verse" leio numa das páginas. [Isso um dia foi tão bom quanto raro/agora é só um verso rasurado]. Em outra, "Black holes don't cause as much damage as you do / on a dwarf planet who trembles at the sight of you". [Buracos negros não causam tantos danos quanto você/ em um planeta-anão que treme só de te ver].

Essa última me prende por um longo momento, lendo e relendo. Gosto da metáfora que Pedro criou para nós dois, e a maneira como parece ter construído toda a estética desse álbum em torno dela. Viro mais uma página.

"The gravity pull you to me / might tell it's war but / I still drive you out of orbit" [A gravidade te puxa para mim / pode dizer que é guerra mas / eu ainda te ponho fora de órbita].

"You taste my lip / I grab your hip / a spaceship kiss / will you regret the touch you miss?" [Você prova meu lábio / eu agarro seu quadril / um beijo de nave espacial / você vai se arrepender do toque que sente falta?]. "I taste your neck / you scratch my back / a spaceship sex / will you regret the morning next?" [ Eu provo seu pescoço / você arranha minhas costas / um sexo de nave especial / você vai se arrepender na manhã seguinte?].

Sinto um calafrio subir pela espinha. Ele descreveu nossos momentos juntos tão bem, que quase posso me ver emaranhada nos seus braços de novo, ainda que imersa de paixão, assombrada pela inquietude constante de não saber se estamos fazendo o certo ou se iria me arrepender amargamente.

E eu não sei se vou me arrepender do que quer que aconteça essa noite também.

https://youtu.be/7F37r50VUTQ

Eu estou sentado com os olhos abertos
E um pensamento preso na cabeça
Me perguntando se eu escapei de uma bala
Ou acabei de perder o amor da minha vida
IDWLF - ZAYN & TAYLOR SWIFT

***

E voltamos antes do previsto, porque, simmm, vocês fizeram isso, Loletes! Chegamos a 1 milhão de leituras no primeiro livro! Obrigada a todes! Postei um agradecimento no IG, então me sigam lá caso ainda não estejam fazendo isso!!! (@lolachambrett)


Beijos , não esqueçam de votar!!!

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