35
Assim que chego ao convés, a brisa gelada e úmida atinge meu rosto. Os cabelos esvoaçam, e eu abraço meu próprio corpo, deslizando as palmas das mãos pelos braços expostos.
Debruço-me sobre o parapeito, admirando a escuridão infinita ao nosso redor. Assim, no meio do absoluto nada, as estrelas brilham como milhões de pingentes luminosos no céu.
No silêncio pacífico da solidão, os meus pensamentos fazem barulho. Eu não queria estar me mordendo de ciúme do Pedro, mas não consigo evitar. Ele é como a maçã do jardim do éden: tão proibido, quanto tentador. E, por mais que eu tente, não consigo parar de pensar nele.
Quando acho que estou a ponto de conseguir, ouço o ecoar dos passos seguindo as minhas pegadas na escada. Viro para olhar, e claro que seria o próprio Senhor Eu-Beijaria-A-Sarah.
— O que você quer? — pergunto seca.
— Vim ver se você está bem — diz, se aproximando. — E eu precisava fumar um cigarro também.
Pedro saca o maço do bolso do jeans, e enfia um na boca. Em seguida estende o maço como uma oferta. Faço que não com a cabeça, então ele volta a guardá-lo, e se apoia ao meu lado, acendendo o isqueiro.
Em silêncio, observo a fumaça branca escapar por entre os lábios convidativos, sendo trazida em minha direção pela brisa, como um presente. Daria qualquer coisa para não sentir vontade alguma de degustar o sabor do cigarro diretamente da boca dele, porque eu sei que é um erro.
— Tem certeza que não quer um trago?
— Absoluta.
— Então por que tá olhando tanto? — Levanta uma sobrancelha.
— Tô pensando que isso ainda vai te matar — minto.
Se bem que facilitaria muito as coisas para mim se Pedro acabasse deformado e sem dentes, como o cara na foto do maço, mas, atualmente, ele é lindo, e fica ainda mais bonito com esse cigarro preso entre os lábios, então, é melhor pra nós dois se ele não fumar.
— Então agora você se importa se eu morrer? — Ele ri, afastando o cigarro da boca. — Porque você já desejou a minha morte umas três vezes nos últimos dias.
Ele fica incrivelmente lindo quando ri. Ainda mais bonito do que fica fumando um cigarro. Pedro fica lindo de qualquer jeito, mas ele é o tipo de cara lindo que você nunca vai dizer na cara dele o quanto é lindo, porque ele também é ridicularmente convencido e eu me recuso a inflar o seu ego de superestrela ainda mais.
— Se você morrer, eu não vou poder fazer da sua vida um inferno.
— Sério? — Ele gargalha alto. — Você quer mesmo continuar brincando de inimigos mortais? Porque fiquei com a impressão de que eu tô vencendo nessa nossa guerrinha particular.
—Não é uma brincadeira! — Minha voz vem carregada de raiva. Como é que Pedro consegue inflamar as minhas veias de fúria desse jeito? — É só que... nossa... como odeio você!
Pedro sacode a cabeça e fuma um trago longo antes de voltar a me encarar. A profundidade nos olhos verdes parece capaz de me ver até mesmo por dentro.
— Você não me odeia, Julie. — Ele é seguro e convicto. — Você quer me odiar, é diferente. E você quer me odiar porque tem medo de que, se não odiar, vai acabar descobrindo que ainda gosta de mim.
Ele está errado. Do começo ao final. Cada sílaba da sua teoria está errada. Porque sim, eu o odeio, e odeio muito, e eu o odeio justamente porque já descobri que não consigo evitar: ainda gosto um pouco dele.
Talvez por não saber lidar com esse sentimento, eu apenas debocho, engrossando a voz para imitar a maneira pretenciosa com a qual meu ex-namorado fala.
— Eu sou o Pedro, sou uma celebridade, sou rico e bonito e todas as pessoas do mundo gostam de mim.
Ele ri e amassa o cigarro no cinzeiro.
— Eu vou considerar isso como um elogio — diz. E devia considerar mesmo, já que as melhores ofensas que eu consegui pensar são, na verdade, suas próprias qualidades ditas de uma maneira sarcástica. — Vem vamos beber alguma coisa.
Não deveria, mas eu o sigo até o bar, como se seu corpo fosse um campo eletromagnético potente, e eu, um pedaço de metal qualquer, incapaz de resistir à força da atração que ele exerce.
— Então... vai querer vodka em nome dos velhos tempos ou prefere um lance mais sofisticado, tipo... espumante salton brut rosé. — Ele lê o rótulo da garrafa requintada.
— Dá um tempo, Pedro! — Reviro os olhos. — Não fui eu quem ficou milionária. Eu ainda tomo cerveja ilegal.
— Por que é que eu sinto que o meu dinheiro te incomoda tanto, hein?
— O dinheiro não me incomoda — rebato. — O que incomoda é a maneira que você fica se exibindo com seu barco chique... suas bebidas caras e suas pessoas compradas.
Rir parece ser a única coisa que ele consegue fazer com tudo o que eu falo.
— É. Eu morei numa casa de dois cômodos caindo aos pedaços pela maior parte da vida. Isso sem contar a época em que eu só não dormi na rua porque tinha a porra de um ônibus pra passar as noites, então se o meu "barco chique" te incomoda, não vou me desculpar. Eu vim das ruas de Los Angeles, acho que tenho todo o direito do mundo de curtir as merdas que eu conquistei com o meu trabalho.
— Não foi o que eu quis dizer... — Solto um suspiro, me desarmando.
Eu sei que ele não veio da família mais estável. Eu estava lá quando ele morava num ônibus de turnê e tomava vodka barata no café da manhã, e acho que ele me poupava de boa parte das merdas com as quais tinha que lidar na época, mas tenho certeza de que não foi um período fácil.
— Não me orgulho de tudo que fiz na vida —prossegue. — Quando você me conheceu, eu estava na minha fase mais baixa. Ainda não sei o que você viu em mim naquela época, mas só tô tentando retribuir e ser legal contigo.
Eu sei, penso. Ainda lembro exatamente o que vi nele. Talvez a mesma coisa que o mundo inteiro enxerga agora: uma luz que é só dele, escondida entre as tatuagens e uma personalidade áspera. Uma força que sempre me fez querer chegar mais perto. Ainda faz, por mais que eu tente lutar contra.
— O que me diz? — Pedro empurra o copo de bebida em minha direção. Vodka e bandeira branca, a mesma coisa. — Podemos assinar um tratado de paz?
Eu sorrio e beberico um gole, pensando a respeito. É uma oferta tentadora demais para recusar. Tentadora demais para aceitar. Sabe quando os gregos conquistaram Tróia com uma falsa oferta de paz? Uma parte de mim precisa acreditar que é isso que Pedro está tentando fazer agora: abaixando minha guarda, preparando o ataque. É uma emboscada.
O sorriso que ele lança é perigoso. Ceder a essa altura é um caminho sem volta. Seguro o seu queixo com a ponta dos dedos e o faço encarar profundamente em meus olhos, antes de dizer com um sorriso de vitória:
— Nada feito.
Então abandono a bebida ali e escapo em direção às escadas antes que eu mude de ideia ou me arrependa.
-💖-
PLMDDS será que sai beijo desses dois ou não sai?????! 🤯
💖 Esse foi o último capítulo da semana, votem e comentem bastante que eu volto na segunda-feira com mais 💖
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