XIV - Como Fogo
Liam estava muito nervoso. É claro que eu sabia o porquê e provavelmente também devesse estar, mas ele era tão fofo que era difícil me manter séria.
― Respire fundo, Liam ― demandei tentando não rir. ― Você vai desmaiar.
― Fácil para você falar, não é você que vai conhecer a família da namorada ― respondeu fazendo bico.
― Ei, mocinho, será que você está se esquecendo de quando eu conheci sua família inteira por Skype?
Ele me olhou feio como se não quisesse ouvir nenhum argumento coerente:
― É diferente ― tentou.
― Se você diz.
Abri a porta devagar, respirando fundo e não deixando o nervoso me dominar.
Eu havia feito o jantar sabendo que Carol não trabalharia naquela noite e havia saído para buscar Liam deliberadamente sem avisá-la de nada. Aquilo era sim uma emboscada e apesar de provavelmente dever, eu não tinha vergonha. Era como cara e coroa. Se ela aceitasse, era uma oferta de paz pela minha aceitação em uma faculdade que não era da Ivy League, mas se ela não aceitasse, azar o dela.
Era um presente para ele também, visto que ele queria tanto conhecer a piada patética do que restava da minha família e eu tinha feito papel de boba quando ele me deu a oportunidade de apresentá-los anteriormente.
― Fique calmo ― pedi suavemente quando entramos. ― Eu te protejo do grande lobo mau.
― Chloe, o que há com os três pratos ― minha tia parou no umbral que separava a sala da cozinha ― na mesa? ― completou antes de piscar ao engolir a visão de Liam. ― Olá, quem é você?
Liam se adiantou até ela:
― Boa noite, sra. Carol, eu sou Liam, sou ― ele engoliu em seco ― amigo de Chloe ― terminou sem jeito.
― Namorado. Ele é meu namorado ― corrigi.
Ela me deu um olhar em chamas e o ignorou completamente:
― Foi por esse garoto que você jogou seu futuro fora, então?
― Eu não joguei meu futuro fora, tia ― respondi quietamente.
― Você é igualzinha à sua mãe, jogando tudo fora por um homem branco ― ela fez uma careta de desgosto. ― Eu perdi a fome, jantem os dois pombinhos se quiserem, mas depois disso não quero nem sonhar em vê-lo novamente em minha casa.
Ela passou por Liam e depois por mim antes de subir as escadas e ouvirmos o som final da porta de seu quarto batendo como se ela fosse uma adolescente. Cara, então.
― Bem, ― comecei ― poderia ser muito pior.
Ele me deu um olhar cético:
― Não vejo como ― respondeu baixinho.
― Pelo menos ela nos deixou jantar. Agora venha ― chamei o levando para a cozinha ― a comida já esfriou demais.
Ele me seguiu e eu esquentei os nossos pratos antes de sentar-me ao lado dele a mesa.
― Eu não sei o que fiz de errado ― sussurrou ele olhando para as escadas por onde ela havia subido.
― Você não fez nada de errado, querido, o problema dela é comigo e minha aceitação em uma faculdade que não é do agrado dela ― completei esperando que aquilo sanasse sua preocupação.
― Você estava falando sério? ― pediu baixinho.
― Quando? ― questionei confusa.
― Quando disse que eu sou seu namorado?
Engoli o sorriso junto com a comida:
― O que você acha, Liam? ― devolvi.
― Eu gostaria que fosse ― disse simplesmente.
― Bem, que bom que estamos na mesma página, então. ― Os olhos dele brilharam, mas ele não disse nada e eu me senti mal por ele sentir como se não pudesse me mostrar a verdadeira reação esfuziante que eu sabia que ele estava tendo por dentro. ― Só isso? Nenhuma resposta?
― Não sei se você está preparada para ouvir o que eu gostaria de dizer ― comentou experimentando finalmente o prato que eu havia lhe entregado.
― Isso é um desafio? ― inquiri de brincadeira.
Ele pegou minha mão, sua pele clara contrastando com a minha mais escura.
― Espero que tenha certeza da sua decisão, querida, não sei se vou ser capaz de te deixar ir.
Olhei bem no fundo de seus olhos verdes cristalinos:
― Que bom então, porque eu nunca tive tanta certeza de nada em minha vida.
Na quarta-feira, eu acordei coberta de suor. Me lembrava vagamente de me afogar em sangue, mas a sensação ruim que permaneceu comigo parecia advinda de outra fonte e meu coração acelerado não se acalmou até que recebi uma mensagem de Liam.
Estava chovendo e o ar estava frio, precisei de uma jaqueta apenas para conseguir respirar sem que meu tórax estremecesse. Não vi o moreno na escola, como já era normal, mas naquele dia sentiu-se errado. Carol havia deixado um bilhete avisando que não almoçaríamos juntas e eu não deixaria a culpa me dominar, eu tinha direito de viver minha vida, quer fosse como ela gostasse, quer não.
Apenas na saída do trabalho, percebi que havia esquecido meu livro de história, cujo eu precisava para uma última lição de casa, muito provavelmente na biblioteca, onde eu havia cabulado as últimas três aulas.
Eu nem havia tirado Prizie da garagem naquele dia, optando por andar de ônibus e quando cheguei na escola, dei de cara com Mikhail.
― O que está fazendo aqui? ― perguntou gélido. Ele tinha uma marca de batom no pescoço e eu revirei os olhos.
― Preciso pegar algo na biblioteca, se isso não está obvio ― tentei passar por ele, mas ele não saiu e eu parei, não estava mais disposta a agir feito uma criança perto dele.
― Meio tarde para se preocupar com os estudos agora, não acha? ― indagou com um sorriso mordaz. Dei de ombros, mas ele me impediu de passar novamente e puxou meu cabelo com delicadeza. ― Você seguiu o meu conselho? ― sussurrou no meu ouvido. Me mexi desconfortavelmente tentando fazer com que ele se afastasse. Não funcionou.
― Eu não lhe devo nada, Mikhail.
Sua outra mão se colocou em minha nuca e ele fez com que eu me inclinasse para trás.
― Eu poderia... ― ele desceu a cabeça ao meu pescoço e eu senti sua respiração pesada em minha pele escura. ― Logo ele? Logo o maior inimigo dos meus? ― sussurrou com pesar. Ele me soltou abruptamente e eu cambaleei, ainda sem reação as suas palavras incompreensíveis. ― Cuidado, Chloe Rivers ― avisou passando por mim. ― Quem brinca com fogo, acaba queimada.
Precisei de alguns momentos após sua partida para acalmar-me e quando finalmente entrei no prédio adjacente de Valerian High, já estava escuro.
Cumprimentei Helen, a bibliotecária, e comecei a procurar o livro por entre os corredores. O encontrei caído próximo a sessão de ficção onde eu havia entrado para fugir do diretor. Quando fechei os dedos ao redor da brochura, ouvi a porta bater.
― Helen? ― chamei. Sem resposta, me levantei e dei uma olhada ao redor. ― Olá? ― Helen não estava em sua bancada, então eu caminhei apressada até a porta e tentei abri-la. Estava trancada. Subi na ponta dos pés e bati no vidro. ― Tem alguém aí? Helen?
Ouvi o ruído de algo caindo e me virei assustada.
Tinha alguém ali comigo.
― Quem está aí? ― berrei com o livro agarrado no peito como um escudo. ― Não tem graça! Deixe-me sair!
Folhas e livros voaram de outra parte da biblioteca e eu gritei com o susto. Minhas narinas queimaram com o cheiro de fumaça e logo o crepitar familiar do fogo foi seguido por chamas laranjas.
― Não! Não! Não! ― berrei seguindo até as janelas. Elas estavam todas emperradas, o que não era muito surpreendente, já que eu nunca as tinha visto abertas. Bati em todas elas mesmo assim, com as mãos nuas e o livro estúpido.
Conforme o cheiro ficava mais insuportável, voltei para a porta e peguei o celular do bolso.
Sem sinal.
O mundo tinha que estar brincando comigo!
A fumaça estava ficando mais densa e eu usei a manga do casaco para tentar me impedir de respirar tanta fumaça. Voltando para a porta, eu bati e berrei tentando chamar a atenção. O fogo estava se aproximando, eu podia sentir a quentura em minhas costas e já começava a ter dificuldades para inspirar.
― Chloe?! ― veio do outro lado. A voz era familiar mesmo que meu cérebro estivesse começando a ficar leve.
― Liam ― bradei rouca. ― Liam!
― Se afasta da porta, querida, eu vou te tirar daí.
― A porta é muito pesada, você não vai conseguir ― funguei. ― Chame ajuda!
― Não é pesada demais para um lobisomem ― garantiu.
― E um vampiro ― completou o outro.
Jussie, minha mente clamou, Jussie estava ali.
― Se afaste, por favor, querida ― pediu uma última vez.
Me arrastei para longe já sem muita força e oxigênio no cérebro para me manter em pé.
Bastaram dois impulsos para que as gigantescas portas de madeira maciça viessem abaixo.
Liam estava ao lado de Jussie e parecia completamente fora de si. Ele me levou para fora daquele antro infernal em seus braços e eu agarrei sua camiseta com desespero.
― Não me deixe sozinha, por favor ― implorei.
― Nunca ― assegurou. ― Nunca.
Meus ombros cederam com a afirmação e eu fechei os olhos me deixando levar pela doce inconsciência.
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