XIII - Templos Destruídos
Após o último dia de provas, Jussie me acompanhou no Popsicle Dreams para tentar acalmar meus nervos, além do nervosismo por aguardar minhas notas, eu havia sonhado que era decapitada naquela noite e estava me sentindo um pouco inquieta. Conversamos amenidades a tarde toda, mas perto da hora de fechar, eu já estava ficando sem ideias para tópicos que não envolvessem nossas tragédias recentes.
― Eu vi um filme estranho noite passada ― não era verdade, a pergunta era totalmente motivada pelo meu sonho bizarro ― e eu criei um dilema moral.
― Pode mandar, gatinha ― respondeu sorrindo.
― Você acha que ― parei, me sentindo boba ― se existissem vampiros, existiriam igrejas vampíricas?
Ele levantou uma sobrancelha parecendo surpreso:
― Eu tenho certeza de que existem alguns cultos a Vlad, o Empalador por aí ― ele me olhou por sobre o milk-shake de morango no qual ele parecia viciado. ― Por que essa pergunta tão louca? De onde veio isso?
Dei de ombros, tímida:
― De acordo com as lendas, vampiros são seres demoníacos, sem alma, eu só fiquei pensando no que levaria um ser tão poderoso a se voltar para isso.
Ele ficou em silêncio por um momento e a sineta da porta tocou:
― Imagine uma vida milenar, Chloe, você também iria querer encontrar sentido nisso.
Abri a boca para responder, mas o cliente que havia entrado começou a causar um estardalhaço.
― Ei, garota! Você vai me atender ou está ocupada demais para isso? ― berrou.
― Já volto ― falei para Jussie antes de patinar até o Homem Irritado. ― Bem-vindo ao Popsicle Dreams, senhor, como posso ajudá-lo?
― Poderia começar realmente trabalhando ao invés de ficar tentando se prostituir atrás do balcão.
Minha boca se abriu e eu fiquei chocada demais pela sua atitude para responder imediatamente:
― Senhor, ele é um cliente, assim como...
― Ah, cale-se, vadia. Não quero ouvir mais nenhuma palavra ― ele se levantou com raiva. ― Chame o seu gerente, vou fazer você ser demitida para ver se aprende seu lugar.
― Se eu fosse o senhor não estaria tão certo disso ― disse uma voz atrás de mim.
Olhei para trás chocada ao ver Jussie.
― E quem é você? ― perguntou o Homem Irritado com desdém.
― Eu sou alguém que vai fazer você se arrepender por tratá-la assim ― devolveu Jussie com um tom ameaçador.
Ele deu um passo a minha frente e o homem endureceu antes de sair às pressas da loja como se fugisse do demônio em pessoa.
― Você está bem, Chloe? ― Perguntou o moreno se virando para mim.
― Estou ― murmurei apenas. Graças a deus, não havia mais clientes presentes naquele momento para assistir aquela humilhação.
― Isso acontece com frequência? ― insistiu.
― Não ― respondi imediatamente. ― As pessoas que vem aqui costumam ser mais educadas que isso, mas ― dei de ombros ― existem pessoas estúpidas em todos os lugares.
Ele sorriu, mas eu ainda podia ver preocupação em seus olhos:
― Palavras mais verdadeiras nunca foram ditas.
O resultado das provas saiu na semana seguinte as mesmas. Eu havia me focado em qualquer coisa capaz de gerar nota e não estava tão dependente do resultado das avaliações. A maioria das minhas notas nelas foram medianas e isso me bastou.
Liam não me beijou mais, mas eu sabia que ele estava aprontando alguma se eu tivesse que apostar pelas risadinhas que ele dava sempre que achava que eu não estava prestando atenção.
Naquela sexta-feira, Liam apareceu faltando cinco minutos para o fim do meu turno:
― Chloe ― disse com tom de finalidade. ― Minha mãe ligou, precisamos conversar.
― Ainda faltam alguns minutos ― barganhei. ― Não posso sair ainda.
Ele segurou meu rosto com delicadeza:
― Não há tempo, precisamos ir agora.
Chamei Anabelle para ficar no meu lugar, ela não pareceu muito feliz por ter que me cobrir durante alguns minutos, mas eu não tinha tempo para lidar com a sua mesquinhez e corri para me trocar antes que ela mudasse de ideia.
Liam subiu na garoupa da moto e em poucos minutos estávamos estacionando em frente a mecânica/morada. O quartinho era pequeno, mas arrumado e extremamente limpo.
Nos sentamos na cama e ele começou a falar em uma corrida:
― A gente vai fazer uma chamada de vídeo com a minha mãe, okay? ― perguntou de forma que não houvesse espaço para "não".
― O que?! ― comecei a puxar meus cachos desordenados tentando deixá-los de forma apresentável. ― Você podia ter me avisado antes, eu teria me arrumado melhor para conhecer minha sogra.
Ele me encarou estático e eu revisei o que disse procurando o que havia de errado. Sogra. Sério, Chloe?
― Hmm ― murmurou desviando os olhos, parecendo envergonhado. ― Você está linda ― garantiu. ― Isso foi de última hora, de qualquer forma, não tem a menor chance dela não te achar adorável.
As palavras dele me acalmaram, mas ele estava errado. Se um de nós era adorável, esse alguém era ele. Devo ter parecido visivelmente relaxada, pois ele pegou o notebook e logou no Skype, chamando sua mãe.
Uma mulher morena de cabelos lisos e curtos sorriu ao nos encarar. Ela parecia ter trinta anos, muito nova para ser mãe de Liam. Um garoto bochechudo subiu no colo dela e subitamente a tela estava toda preenchida por garotos altos que se pareciam muito com o moreno ao meu lado. Ela olhou em volta e sorriu parecendo feliz com a sua família numerosa, mas seus olhos tinham um fundo de tristeza:
― Olá, eu sou Maura. ― Exclamou. Sua voz era doce e ela tinha um sotaque pesado e claramente irlandês. ― Esse diabinho é Aeary ― ela chacoalhou o garotinho em seu colo, que riu. ― Esses são Kaiden ― apontou para o mais alto. ― Gael ― o de cabelos mais escuros ― E Cassian ― o mais mirrado. ― Rian, meu jovenzinho está no treino de futebol e minha nora, Madeleine, está no trabalho.
O recinto que ela se encontrava se tornou uma cacofonia de saudações e meus olhos se encheram de lágrimas:
― Prazer, sou Chloe ― falei apesar do bolo na garganta.
― Eu sei ― ela sorriu ― O destino fez bem. Fico feliz que meu Liam tenha te encontrado mesmo que as circunstâncias não tenham sido as esperadas.
Liam ficou vermelho e limpou a garganta:
― O que você descobriu, Ma? ― perguntou tentando desesperadamente mudar de assunto.
― Pedi urgência justamente porque o assunto é sério e não temos tempo para enrolações ― ela remexeu alguns papeis na mesa e abriu um livro grosso de capa vermelha. ― Liam me contou que os seus sonhos começaram após o acidente de seus pais ― ela fez uma pausa ― Sinto muito sobre isso, a propósito. ― Acenei e ela continuou: ― Pesquisei com os membros mais velhos da nossa matilha e eles me enviaram até a Biblioteca da Lua, em parte, foi por isso que eu demorei para responder, ela fica em Massachusetts. Encontrei uma razão que é a que me parece mais lógica para esclarecer a razão dos seus pesadelos. Se chama psicometria por ressurreição.
Suspirei começando a me sentir mal do estômago:
― Ressurreição ― murmurei.
― A lenda fala a respeito da volta dos mortos quando indevida ― prosseguiu ela. ― O destino se encarrega de marcar outra data para que a linha da vida seja cortada e a ordem das coisas, restaurada. Os sonhos são prenúncios, avisos do que vai acontecer e de como.
― Eu nunca soube que tinha morrido naquele carro ― soltei e subitamente com frio, me abracei. Liam colocou a mão no meu ombro e encarou a mãe.
― O que podemos fazer, como podemos parar isso? ― indagou ele com urgência.
― Você foi enviado para ela em tempo de salvá-la, agora precisa cumprir a missão ― ela lhe deu um olhar significativo e ele ganiu como se estivessem conversando por telepatia.
Eu estava aterrorizada demais para tentar entender o que aquele olhar significava. Muda, assisti Liam se despedir de sua família e quando ele fechou o notebook, eu caí para trás me esparramando na cama.
― Eu não quero morrer, Liam ― pronunciei. Levou três anos, mas aquilo tinha se tornado verdade.
Ele se deitou ao meu lado e me abraçou, naquele toque passou mais conforto do que eu havia sentido em anos.
― Vou ser eu a morrer antes de permitir que você sucumba ― prometeu no meu ouvido.
Ficamos parados naquela posição por um longo tempo antes que ele se sentasse:
― Está começando a escurecer ― informou se levantando e me esticando a mão. ― Eu vou te levar para casa.
Descemos as escadas e ele me entregou o capacete:
― Você sabe pilotar motos? ― perguntei enquanto atarraxava o fecho. Seus ombros caíram e eu soube que a minha quebra de silêncio o havia tranquilizado ao menos um pouco.
― Se eu conserto, posso dirigir ― exclamou sucintamente.
Ele nos levou em segurança e apenas quando guardamos a moto na garagem, eu percebi que ele não tinha com o que voltar para casa.
― Como você vai voltar? ― indaguei me sentindo culpada.
― A pé ― disse com um dar de ombros. Não era perto, nem seguro e ele deve ter percebido meu olhar, pois completou: ― Eu posso me cuidar, não precisa se preocupar.
Encostei no muro, já que sabia que ele deveria partir, mas depois do que havia descoberto, não queria ficar sozinha com os meus próprios pensamentos e simplesmente, não suportava vê-lo ir.
― Você quer entrar? ― deixei escapar sob a respiração.
Ele vacilou e seus olhos se encheram de tristeza:
― Eu ouço um coração batendo lá dentro ― suas palavras eram claras e uma porta aberta. Ali estava, eu podia deixá-lo entrar e ser corajosa o suficiente para apresentá-lo para Carol ou continuar sendo uma covarde e o guardar só para mim. Uma parte da minha alma se esvaiu quando ele correu a mão pelos cabelos e a escolha foi feita por mim. ― Eu estava planejando fazer isso de uma forma mais memorável, mas em vista dos acontecimentos, eu não quero deixar nada para depois...
― Liam, se você me pedir em casamento, eu juro...
― Você quer ir ao baile de formatura comigo?
― Ah.
A formatura era em duas semanas e eu nem tinha cogitado a possibilidade de que pudesse ser isso que ele estava planejando não tão secretamente.
― Minha família vai vir para a graduação e eu pensei...
― Tudo bem ― o cortei. ― Um bom baile para finalizar os melhores anos das nossas vidas ― eu nem conseguia forçar um sorriso nesse ponto. ― Acho que vou entrar ― lhe dei um beijo na bochecha. ― Tenha cuidado na volta para casa e me mande uma mensagem para eu saber que chegou bem.
A televisão estava ligada, mas Carol estava me olhando quando fechei a porta:
― Com quem você estava falando? Ouvi vozes ― perguntou com o seu tom ríspido de sempre.
― Um amigo da escola, estávamos pesquisando sobre algumas lendas juntos ― não era mentira, então saiu como uma verdade. Me sentei sobre os meus pés na outra ponta do sofá, fingindo apreciar sua companhia, quando, na verdade, eu queria subir as escadas como se estivesse pegando fogo e me trancar no quarto.
― Fico feliz que esteja aproveitando essas últimas semanas de aula. Parabéns, a propósito ― o veneno em sua voz era evidente e tive que respirar fundo para que a minha voz não tremesse.
― Parabéns pelo que?
Ela esticou um papel em minha direção e meus olhos se fixaram nas letras maiúsculas e na palavra "aprovada" em letras garrafais.
― Espero que esteja feliz por ter jogado fora um futuro seguro apenas para me afrontar ― cuspiu destilando sarcasmo.
Não. Não era para acontecer assim, minha mente gritava, mas era como se eu estivesse flutuando, minha boca fechada permanentemente, incapaz de conter os danos.
― Eu detestava seu pai, mas aquele escritório de advocacia asqueroso garantiu dinheiro suficiente para pagar essa faculdade estúpida, mas consiga um bom apartamento por lá, ― avisou ― pois você definitivamente não é bem-vinda para as férias de inverno.
Com suas últimas palavras cortantes, ela se levantou e subiu as escadas, o barulho da porta batendo ao fundo parecendo surdo, apesar disso, eu permaneci sentada segurando as lágrimas, agarrada ao papel que significava minha liberdade, mas ao mesmo tempo minha nova prisão.
Naquela noite, eu sonhei com fogo.
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