XII - Anjos Voam... E Caem
Ela foi enterrada no sábado, o cemitério lotado de alunos em lágrimas. Eu não podia deixar de me perguntar que direito eles tinham de sofrer. Ela era um membro de nossa escola, é claro, mas quantos deles haviam feito acompanhamento com ela? Três, talvez. Eu tinha certeza de que minhas ex-amigas, Bethany Parker, Olivia Newton e Emilly Sparks não faziam parte desse pequeno número.
Fomos informados que ela foi morta em um assalto. Aquilo não era incomum. Ela entregou a bolsa, mas seu pescoço foi cortado mesmo assim. Eu vomitei ao ouvir essas palavras e, dessa forma, o meu último frasco de Lavoutin, aquele que eu prometi jogar fora, foi utilizado apenas para que eu conseguisse ir ao velório, algo que eu não fazia desde a morte dos meus pais.
O funeral respondeu a minha pergunta a respeito da família dela. Ela era tão sozinha quanto eu e, morbidamente, aquilo me consolou. Todas as pessoas que vão chorar no meu velório não me amarão de verdade.
Liam estava ao meu lado e segurava minha mão com delicadeza. Ele não conhecia Bella e o gesto era mais de consolo que de dor própria, já que ele sabia o quanto ela significava para mim. Liam choraria sinceramente quando eu morresse.
Mikhail não apareceu, mas Jussie sim, e ele me abraçou como se eu fosse a pessoa que mais estava sofrendo ali. Provavelmente eu era.
Não derramei uma lágrima. Não chorava desde o carro e não fraquejaria agora. O vestido preto estava ligeiramente curto e me causava arrepios, visto que eu havia crescido desde o enterro dos meus progenitores, mas aquele era o único vestido de luto que eu tinha, então não me restaram outras opções.
Não tivemos aula na segunda-feira e Liam e eu enviamos nossas aplicações para a faculdade. Eu sabia que ele estava preocupado comigo, mas eu estava bem, apenas não queria pensar que aquela seria minha primeira terça-feira escolar sem vê-la. Não a veria nunca mais, de qualquer forma, ela estava morta.
O dia seguinte não me decepcionou. Soube que havia sido um erro assim que cheguei. Não havia uma psicóloga substituta ainda e eu duvidava que arranjassem uma, já que estávamos no final do ano letivo e como não havia mais desculpas, eu tive que permanecer na aula de inglês.
Minha mente estava tão enevoada, que eu esqueci que teria que me sentar ao lado do diabo loiro na aula de trigonometria. Felizmente, ele não dirigiu uma palavra sequer a mim, mas tive a impressão de que ele me encarava sempre que eu estava distraída.
Não tive tanta sorte na hora da saída, no entanto. Quando ultrapassei os portões de ferro, notei que ele estava parado do lado de Prizie.
― O que você quer? ― perguntei montando na moto e focando toda a minha atenção no capacete em minhas mãos.
― Eu queria me desculpar ― pronunciou em voz baixa.
― Pelo que? ― incitei ainda sem olhá-lo.
Ele passou a mão no cabelo prateado, o movimento difícil de perder com o canto do olho.
― Eu apareci bêbado na sua casa e te assustei, então, por isso, te peço desculpas ― concluiu com cuidado.
Finalmente o olhei. Ele estava com as mãos no bolso do casaco, mesmo que estivesse tão calor que eu pudesse sentir um filete de suor escorrendo pelas costas.
― Desculpas aceitas ― professei me preparando para colocar o capacete. ― Podemos seguir em frente.
Ele se movimentou tão rápido que eu mal pude perceber sua mão se mexendo antes de sentir ele puxar meus ombros com força. A ação foi tão repentina que eu quase cai da moto.
― Essa sua atitude por acaso tem a ver com aquele cachorro? ― sussurrou próximo ao meu ouvido.
Levei alguns segundos para perceber que ele se referia a Liam e congelei. Ele sabia? Como ele poderia saber?
― Não vejo como isso pode ser da sua conta ― enfrentei. ― Cuide da sua vida e eu cuido da minha sem que seja necessário que nos esbarremos.
― Você não tem ideia do que está falando, não é? ― sua voz doce como mel me dava calafrios, pois eu podia sentir que ele estava muito perto de um ataque de fúria. ― Não tem ideia do que se amarrar a um cachorro significa.
O aperto dele nos meus ombros se intensificou e eu tentei não arfar de dor pela pressão de seus dedos quando eu disse:
― Felizmente, graças ao livre arbítrio, eu posso fazer minhas próprias escolhas ruins sem precisar da sua intervenção ou supervisão. Agora me solta, que ao contrário de você e suas festas russas, eu tenho uma ocupação real.
Ele me olhou com desdém antes de me soltar abruptamente. Se meus pés não estivessem firmemente colocados no chão, tenho certeza de que teria tombado.
― Quando for em frente e quebrar a cara lembre-se que eu te dei uma segunda chance.
Dirigi até minha casa surpresa por não ter causado nenhum acidente com o quão nervosa eu estava.
Do que aquele lunático estava falando?
Na quinta-feira minha tia tinha plantão e convidei Liam para assistirmos um filme apocalíptico que eu estava doida para ver.
Jantamos e nos deitamos confortavelmente na minha cama para vermos o longa. Eventualmente, minha cabeça encontrou a curva do seu pescoço e eu inalei profundamente me deliciando com o seu cheiro almiscarado. Ele se remexeu e eu repeti o ritual.
― Chloe ― sussurrou com a voz rouca. ― Pare de me provocar.
― O que eu estou fazendo? ― murmurei correndo o nariz por sua pele.
Ele olhou para baixo e sorriu:
― Você não está facilitando as coisas para mim.
Segui o seu olhar e não pude deixar de me engasgar com o que vi.
― Isso é por minha causa? ― perguntei ironicamente.
― Você é minha companheira, nenhuma outra se compara.
Olhei em seus olhos esverdeados e subitamente eu estava tão faminta por ele quanto ele estava por mim. Avancei em seus lábios e automaticamente fui tomada. Suas mãos se enredaram em meu cabelo, seu peito ressonando, sua garganta fez um som de rosnado e em poucos segundos eu estava embaixo de seu corpo rígido. Seus dentes rasparam no lado do meu pescoço e eu gemi com a sensação celestial. O som, no entanto, o fez parar.
― Não podemos fazer isso ― murmurou se afastando.
― O que? ― soltei confusa. Minha respiração estava acelerada e eu só queria mais um daqueles beijos embriagantes.
― Isso não é certo ― falou enquanto se sentava longe de mim como para se acalmar. ― Você é minha companheira e devemos fazer isso do jeito correto ― ele passou as mãos pelos cabelos em frustração. ― Eu nem conheci sua tia ainda.
E nem conheceria, se eu tivesse uma palavra a dar sobre isso.
― Liam ― comecei docemente tentando convencê-lo ― Isso não é importante, querido ― estiquei o braço para tocar seu rosto, mas ele se desviou me dando seus olhinhos de cachorro.
― É importante para mim ― ele suspirou e balançou os cabelos para o outro lado, equilibrando a bagunça que suas mãos tinham feito. ― Eu sempre soube que amaria um único alguém durante a minha vida. Tudo relacionado a minha companheira, ao meu único amor, é importante. Você não sentir o mesmo é importante. Você sequer entender a importância disso é importante. Tudo dentro de mim sabe que é você, implora por você, mas eu não posso fazer isso, Chloe, não desse jeito, não como se não significasse nada para mim porque significa. Significa tudo.
― Tudo bem ― tranquilizei colocando seu cabelo de volta no lugar. ― Temos todo o tempo do mundo.
Não tínhamos, mas também não sabíamos disso.
Naquela noite, sonhei com um culto de sangue. Dezenas de pessoas se banhavam em vermelho e rezavam em algo que soava como uma língua morta. Eu estava no centro de toda aquela cena macabra. Havia mortos por todos os lados, mas o que mais me assustava eram os vivos. Gotas de sangue começaram a pingar aos meus pés e em uma reação involuntária, eu olhei para o teto em busca da fonte daquilo, tudo o que eu ganhei, porém, foi a imagem da pintura bizarra no teto do que eu finalmente me dei conta ser uma capela.
Uma nova gota caiu e eu notei os vivos começarem a olhar em minha direção, subitamente interessados, uma olhada para baixo bastou para confirmar a suspeita de que o sangue vinha de mim. Uma daquelas figuras se aproximou de mim, dentes expostos, mais do que pronto para rasgar minha jugular.
Despertei.
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