XI - A Névoa que Esconde a Verdade

― Para qual faculdade você quer ir? ― perguntou Liam antes de comer a cereja do seu milk-shake.

― Para onde você vai? ― devolvi limpando o balcão.

Era quarta e surpreendentemente ele estava de folga, o que significava que ficaria meu turno inteiro comigo. Não que eu desgostasse daquilo, já que adorava sua companhia, mas desde que estávamos ignorando toda aquela história de companheiros, as coisas se tornavam um pouco cinza as vezes, comigo ainda não sentindo nada e ele fingindo não estar dolorido. De fato, o relacionamento dos sonhos.

― Eu vou para onde você for, baby ― riu.

― Isso é muito vago, Liam. A nota da prova de química sai amanhã e eu preciso disso para Bella fazer uma carta de recomendação que, segundo ela, vai fazer todas as escolas da Grande Liga me quererem ― comentei chacoalhando as sobrancelhas como uma idiota.

― Para onde você gostaria de ir, Chloe, você sabe, se tivesse que escolher por si mesma? Não é possível que você só vá mandar aplicações a esmo ― ele me encarou com aqueles olhos claros e lindos e eu suspirei.

― Eu gosto da UCLA ― pronunciei pausadamente.

― Mas...? ― inquiriu puxando o "s".

― Não é da Grande Liga e isso faria Carol realmente furiosa ― expliquei.

― Chloe ― chamou puxando minhas mãos. ― Não é ela que tem que escolher, anjo, é você. E se você quer ir para a terra do sol ― ele piscou. ― Eu adoro a praia.

Eu sorri tentando fingir que eu não amava cada frase atrevida que saia da sua boca:

― Depois da prova eu fiquei com uma dúvida estúpida ― comecei mudando de assunto. Eu não estava pronta para tomar essa decisão ainda.

― Pode falar.

― Cadeias aromáticas têm esse nome por que seus elementos têm cheiro?

Ele franziu o nariz claramente querendo rir:

― Hmmm, acho que não exatamente.

Eu suspirei me sentindo boba:

― Eu não entendo por que preciso saber de nada disso, não vai ser importante quando eu estiver atendendo um homem baleado em um PS.

― Claro que não, mas é importante para que você passe nessa prova e nas provas da faculdade para, aí então, conseguir trabalhar em um PS.

Eu sabia que ele estava certo, mas ainda não conseguia dar o braço a torcer:

― Quer dizer, metade das coisas que aprendemos na escola não tem aplicação real em nossas vidas. Gato de Schroedinger, sério?

Ele fez um gesto de descarte com a mão.

― O gato é uma metáfora, assim como o salto da fé de Kierkegaard. Como você vai saber se o gato está vivo ou não se não abrir a caixa? É preciso tentar.

Levantei uma sobrancelha:

― Filosofia também? Existe algo em que você não seja bom?

― Se houvesse, ― ele pegou minha mão em um gesto lisonjeiro ― essa coisa certamente seria ficar longe de você.

Ao terminar do meu turno, seguimos para um parque deserto e nos sentamos nos balanços como se fossemos crianças, rindo e brincando, antes de Liam dizer:

― Hoje fiz algo que deveria ter feito há muito tempo.

― O que? ― questionei curiosa pela sua escolha de palavras.

― Me apresentei para o líder da matilha de Nova York. Ele não ficou muito feliz pela minha hesitação, mas quando eu cheguei tinham ― ele desviou o olhar ― outras coisas em minha mente. Acabei passando a primeira lua cheia sozinho ― ele coçou a nuca. ― Não é uma experiencia muito agradável.

― E qual a diferença? Se transformar sozinho ou com a matilha?

― Se transformar é a experiencia mais gloriosa que existe, mas pode ser muito solitária. Lobos precisam de matilhas, precisam correr com outros lobos e uivar para a lua.

De repente, eu me senti um pouco roubada por não poder compartilhar com ele a experiencia a qual ele se referia:

― E lobos não deveriam se juntar com outros lobos, para que pudessem aproveitar essa experiencia magnifica juntos?

Ele riu baixinho:

― Você está com ciúmes, Chloe?

Franzi o nariz:

― Estou fazendo uma pergunta séria aqui ― retruquei.

Ele sorriu novamente, segurando meu queixo:

― Creio que a única experiencia mais perfeita que a de passar uma lua cheia junto de uma matilha seja a de encontrar sua companheira.

E eu devolvi seu sorriso, pois ele tinha esse efeito em mim.

A minha excitação ao receber minha nota da prova no dia seguinte foi estratosférica. O A+ vermelho estava praticamente gritando para mim e com aquela marca eu não precisaria da próxima prova. Eu havia passado em química e agora era hora de Bella cumprir sua parte do acordo.

Cabulei a segunda aula e fui correndo a sala dela, mas quando bati, ela não respondeu e quando abri a porta, ela não estava lá. Aquilo era estranho, pois em todos aqueles anos fazendo sessões com ela, eu simplesmente não me lembrava dela tirando folga, faltando ou até mesmo ficando doente. Eu não sabia muito sobre Bella, no entanto, por tudo que me diz respeito, ela poderia ser uma órfã sem irmãos como eu.

Jussie estava na virada do corredor como um lobo mal. Ele me puxou pelo braço quando eu passei e me arrastou para uma sala vazia.

― Hey, Jussie. Parece que faz meses que eu não te vejo ― fiz bico. ― Como vai sua relação com o Brad-Rato-de-Biblioteca?

― Os óculos dele são muito bonitos, mas não foi por isso que eu te trouxe aqui ― falou em uma corrida sentando-se em uma mesa, os braços cruzados e seus ombros tensos, refutando o que era para parecer uma postura relaxada.

― Pela sua expressão, sei que também não foi pelo prazer da minha doce companhia, então desembucha logo ― retruquei cruzando os braços como ele e me encostando na mesa do professor.

― Você viu Mikhail? ― cuspiu entredentes de uma vez só.

Um som estrangulado saiu da minha garganta e eu não tenho muita certeza de que aquilo era uma risada:

― Você realmente está perguntando isso para mim? ― zombei. ― Por que eu, de todas as pessoas, veria o Mikhail? Caso você não esteja lembrado, ele me detesta ― completei com as sobrancelhas em pé.

Jussie esfregou o cabelo e mechas pretas ficaram espalhadas por toda parte.

― Eu não o vejo desde ontem ― sussurrou ― e estou com medo de ele ter feito alguma besteira.

Aquilo chamou minha atenção e eu desencostei da mesa me aproximando dele.

― Alguma besteira tipo se matar? ― murmurei com tom grave.

Ele me encarou por alguns segundos e se recompôs antes de responder:

― Algo assim ― ele descruzou os braços e parou na minha frente. ― Não se preocupe com isso, gatinha, tenho certeza de que é só paranoia minha ― ele me abraçou e sem mais nenhuma palavra, saiu.

Ambos sabíamos que não era apenas paranoia.

Já que, apesar de estudarmos na mesma escola, não tínhamos as mesmas aulas e raramente nos esbarrávamos nos corredores, sacrifiquei o pouco tempo que eu tinha antes de ir para o trabalho para ir até a oficina e contar as boas novas para Liam. Nunca nos encontrávamos na saída, também, já que ele tinha que voar para conseguir comer e descer para a oficina na hora. O que eu não daria para trocar a aula que eu tinha com Mikhail por uma aula com o lobo...

Mikhail. No que ele tinha se metido?

Não importava, não de verdade. Eu tinha que seguir o conselho de Bella e me focar exclusivamente no meu futuro. Danem-se garotos russos de cabelo platinado.

Um Liam todo sujo de graxa parecia ter ganhado na loteria quando me viu:

― O que te traz aqui, bela Chloe? ― indagou limpando as mãos em um pano que já tinha visto dias melhores.

― Adivinha quem tirou A+ na prova de química?! ― exclamei tirando a prova de trás das costas. Ele arrancou a folha das minhas mãos e passou os olhos nela antes de me abraçar e me girar no ar enquanto riamos.

― Agora vamos poder finalmente enviar as nossas aplicações? ― perguntou ainda sorridente.

Franzi as sobrancelhas com a mente derivando de volta a Bella:

― É estanho, eu fui até a sala de Bella hoje para mostrar-lhe isso, mas ela não estava lá ― dei de ombros porque aquilo não poderia ser tão bizarro quanto parecia para mim. ― Eu vou tentar falar com ela amanhã, mas mesmo se eu não conseguir vamos precisar enviá-las na segunda, temos que nos apressar para que os resultados voltem logo ― balancei a cabeça. ― É um pouco triste, mas minhas notas melhoraram, isso não é mais essencial.

Quando a campainha tocou naquela noite, eu senti um arrepio subir a espinha. Liam não deveria estar ali. Não precisávamos mais estudar e minha tia estava de folga, então, quando abri a porta ficou obvio que não era o moreno do outro lado.

Era Mikhail.

― O que você está fazendo aqui? ― sussurrei fechando nós dois para fora.

― Eu precisava te ver ― rosnou, o sotaque tão pesado que precisei de um segundo para compreender.

― O que? ― questionei empurrando-o, e ele cambaleou para trás. ― Você está bêbado?

Ele me puxou pela cintura e sua boca encostou-se na junção entre meu pescoço e meu ombro. Coloquei minhas mãos em seus ombros, pronta para empurrá-lo, mas algo em sua postura predatória me impediu.

― Você está cheirando cachorro ― acusou. Minha mão se conectou ao seu rosto antes que eu soubesse o que estava fazendo e eu me livrei do seu abraço mortal.

― Não apareça mais aqui ― ordenei antes de bater à porta.

Eu estava na metade das escadas quando ouvi a voz dela:

― Quem era, Chloe?

A voz vinha da sala e era absurdo que eu não a tivesse visto quando abri a porta.

― Um vendedor ― menti. ― TV a cabo.

Ela não me olhou, seus olhos permaneceram fixos na televisão e isso me causou arrepios.

― Dá próxima vez, mande-o entrar ― estalou a língua, sua voz escorria escárnio. ― Adoraria ter uma palavrinha com ele.

Naquela noite eu sonhei com fogo, mas não fogo de verdade, mais como a sensação de ser sufocada pela fuligem que você sabe que está queimando em algum lugar.

Eventualmente a fumaça preta me atingiu e eu vaguei a esmo tentando respirar e enxergar o caminho a minha frente. Tropecei em algo e a fumaça subitamente se dissipou, permitindo que eu notasse em que meu pé tinha se enroscado.

Um corpo.

O despertador me salvou do meu tormento e eu passei a mão no rosto frustrada.

Na segunda iniciaríamos o último mês de aulas e eu precisava ajeitar minha vida antes disso, não podia esperar para falar com Bella, precisava ser hoje, mas assim que cheguei na escola percebi que havia algo de errado.

Havia pessoas chorando pelos cantos e até Bethany Parker, minha tão antiga melhor de amiga, me olhou com pena. Não demorou muito para que eu encontrasse Jussie e o moreno praticamente me acorrentou em um abraço de urso.

― Eu sinto muito, Chloe ― declarou no meu ouvido. ― Sinto muito mesmo, gatinha.

― Sente pelo que? ― sussurrei com os olhos arregalados.

Ele se afastou e parecia horrorizado vendo minha expressão confusa:

― Bella está morta.

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