VIII - Metamorfose
No sábado, o movimento no Popsicle Dreams era sempre agitado e acabei saindo um pouco mais tarde que o habitual. Percebi tardiamente que não havia marcado um horário com o moreno e não possuía seu número para chamá-lo. Então, assim que cheguei, tomei banho e passei um tempo na frente do armário pensando no que vestir. Aquele não era meu feitio, mas aquilo era um encontro, não era? Eu deveria estar melhor do que normalmente. Acabei optando por uma blusa vermelha de manga cumprida, mas acima do umbigo e um macacão preto. Sentei-me no sofá da sala com o livro de química no colo, disposta a aprender pelo menos um pouco da matéria, enquanto esperava.
As três da tarde em ponto, Liam tocou a campainha com um sorriso gigantesco no rosto. Ele me deu um abraço de urso e puxou meus cachos.
― Eu gosto do seu cabelo ― declarou como uma criança.
― Se você soubesse o trabalho que dá ― brinquei. Ele se virou e murmurou algo, mas eu só entendi "filhotes" e "cabelo" e decidi deixar para lá.
― Já que você escolheu onde vamos ― contemplou passando a mão pelos cabelos castanhos ― e eu não faço a mínima ideia de onde é, pensei que poderíamos ir em sua moto.
O encarei com a boca aberta em surpresa.
― É sério? ― perguntei maravilhada. ― Você tem certeza?
― Chloe, você está me deixando com medo das suas habilidades de piloto ― riu.
― É só que é uma responsabilidade muito grande, nunca carreguei alguém na minha garupa antes.
― Bem, ― ele sorriu. ― Não me incomodo com a ideia de ser o primeiro e depois de tudo, confio em você para manter-nos seguros.
― Então, vamos ― declarei fechando a porta de casa. Bati palmas como se tivesse oito anos e abri a garagem. Entreguei-lhe um capacete extra preto e simples e ele o colocou.
― É uma moto muito bonita ― elogiou.
Acenei porque sabia que Prizie era linda.
― Ela não é muito potente, mas seria meu presente de dezesseis anos.
Meu pai a escolheu porque queria que eu ficasse segura, pensei, mas não disse e senti uma risadinha irônica brotar no meu peito, estranhamente ela não era amarga.
― Sério? Sinto que tem uma história por trás disso. ― Dei de ombros e arrastei a moto para fora, fechei a garagem e subi. Ele montou atrás de mim e colocou as mãos em minha cintura. ― Nunca andei de moto antes ― comentou.
Eu sorri porque ele era a pessoa mais fofa que existia.
― Não me incomodo com a ideia de ser a primeira a te levar ― Repeti o que ele disse anteriormente, de brincadeira. ― Eu vou devagar ― garanti e então dei partida.
Não levou muito tempo para que chegássemos a pequena livraria/café azul. Quando descemos, Liam inspirou profundamente e fez um som de apreciação.
― Esse lugar tem um cheiro bom ― comentou.
― É café sendo moído ― afirmei enquanto entravamos.
Nos sentamos em um sofá verde claro, ao lado de uma prateleira de romances, meu tipo favorito de leitura. Pedi um cappuccino e ele, chá.
Ele me deu um sorriso de desculpas, levantando a xícara fumegante.
― Já tenho mais energia que o normal, café me deixa hiperativo.
Escondi o sorriso tomando um gole e o encarei de soslaio.
― Qual é seu nome completo? ― indaguei.
― Liam Rian Willahelm ― respondeu imediatamente e sem hesitar. Ele fazia muitas coisas sem hesitar, percebi.
― Sou Chloe Teresa Rivers ― devolvi, esticando a mão para ele apertar.
― Teresa? ― ele franziu o nariz de forma bonitinha enquanto envolvia minha mão na sua.
― Era o nome da minha bisavó ― expliquei tentando não sorrir quando ele corou.
― Minha família é irlandesa, todos temos nomes estranhos. Eu só fui mais sortudo.
― Prove ― desafiei.
― Meus irmãos são ― ele levantou um dedo pronto para enumerar ― Gael, Kaiden, Cassian, Ronan e ― pigarreou dramaticamente antes de prosseguir: ― Aeary.
― Aeary! ― exclamei tentando não rir alto.
― Acho que já estavam sem ideias depois do quarto. Sou o terceiro, a propósito.
― Você não tem sotaque ― acusei.
― Eu nasci aqui ― garantiu. ― Minha mãe, Maura, nasceu na Irlanda, veio para cá quando criança e conheceu meu pai, Paul, no ensino médio, não demorou muito para terem Gael. A família dela é muito grande e eles tiveram muita ajuda ― ele passou a mão pelos cabelos e sorriu. ― Acho que por causa disso viemos um após o outro. Minha mãe teve algumas complicações no parto de Aeary e o médico aconselhou que eles parassem no quinto ― os cantos da sua boca subiram ligeiramente.
― Eles parecem apaixonados ― comentei com a voz fraca.
― Eles eram. Sinceramente, eu acho que se meu pai não tivesse tido um ataque cardíaco ― ele sorriu com os olhos marejados ― teríamos mais um irmãozinho a essa altura.
Eu apertei sua mão tentando lhe passar conforto:
― Perdi meus pais também ― sussurrei. Ele arregalou os olhos e engoliu as minhas mãos nas enormes dele, virando seu corpo de lado para poder me olhar de frente. ― Moro com a minha tia.
― Como? ― inquiriu me olhando nos olhos.
― Acidente de carro ― decidida a compartilhar algo que havia mostrado a poucas pessoas antes, tirei a pulseira de couro que havia herdado do meu pai e lhe mostrei a cicatriz irregular que eu tinha no lado do pulso. ― Essa foi a pior. Os médicos disseram que talvez eu tivesse dificuldade com o movimento dos dedos, mas tirando a tremedeira ela ficou igual a outra. Tudo que restou foi a cicatriz. Tenho algumas nas pernas também.
Ele apenas me encarou por alguns segundos antes de beijar o corte cicatrizado. Não havia nada de sensual no ato, pelo contrário, parecia quase uma reverência.
― Sinto muito por sua perda ― falou baixinho, ― mas estou feliz que você tenha sobrevivido, assim eu pude te encontrar ― ele abaixou as nossas mãos, mas não me soltou. ― Agora que você me contou uma parte tão importante de você, sinto que lhe devo uma parte de mim também ― ele me chamou com a mão delicadamente. ― Venha aqui, Chloe ― me aproximei dele e ele encostou a boca no meu ouvido. ― Eu sou um lobo.
― O que? ― Exclamei olhando em seus olhos esverdeados. Nossos rostos estavam próximos demais. ― Não brinque comigo, Liam ― pedi, minha pele arrepiada pelo frio ou talvez pela sua proximidade.
― Eu posso provar ― ofereceu, os lábios ainda colados a minha orelha.
Engoli em seco antes de prosseguir:
― Como?
― Você vai ver ― garantiu. ― Eu arranjei um emprego ― continuou, mudando de assunto. Fiquei confusa, o encarando e ele sorriu, colocando a mão em minha bochecha. ― É sério, foi acidental, na verdade. No caminho para sua casa encontrei uma oficina e, bem, Joe está velho demais para cuidar dos negócios sozinho depois que o filho foi para faculdade. Vou fazer algo que eu gosto e que sou bom ― ele me puxou para dentro de um abraço. ― Agora só falta uma coisa para ficar perfeito.
― O que? ― questionei baixinho.
― Você.
***
Sentei-me na cama puxando a pulseira de couro entre os dentes, um hábito que eu havia adquirido em troca de parar de roer as unhas.
Como Liam ia provar aquele absurdo que ele afirmava?
É claro que ele não provaria nada porque aquilo era um absurdo. Ele provavelmente estaria rindo de mim nesse exato momento.
Quando o levei para o seu hotel, ele me abraçou e pediu que eu esperasse por sua prova acordada. Não era um pedido difícil, visto que além de odiar dormir, aquela história não me deixaria nem se eu quisesse.
Não sei como não causei um acidente na volta para casa, mas mal me lembrava de tomar banho e vestir um pijama mais decente que o de nosso encontro anterior.
O meu nervosismo estava deixando o ar primaveril cada vez mais abafado e eu escancarei a janela com as mãos tremulas de sempre e joguei-me na cama novamente, puxando meus cachos para o tempo passar mais rápido.
Uma pedrinha voadora caiu ao lado da cama e eu corri para o parapeito para ver Liam lá embaixo. Fiz sinal para ele esperar e disparei escadas abaixo para destrancar a porta.
― Minha tia não está ― garanti quando ele me abraçou.
― Então por que estamos sussurrando? ― riu e eu dei de ombros.
― Vamos subir ― falei já o arrastando para as escadas. Chegando no meu quarto, tranquei a porta só por garantia. ― Pronto ― o encarei sentando-me na cama. ― Prove.
Ele arrancou a camisa e eu tapei os olhos não querendo invadir sua privacidade.
Senti um focinho gelado no meu joelho e quase cai da cama.
Pelo menos dessa vez eu estava de shorts.
Destapei os olhos e vi a coisa mais bela que eu provavelmente veria pelo resto da minha vida.
O lobo de Liam era dourado como seus olhos e me passava uma confiança tão grande que eu me sentei no chão ao seu lado.
― Então é verdade? ― murmurei fazendo carinho atrás de suas orelhas e ouvindo seu ronronar. Ele deitou a cabeça no meu colo me encarando com seus olhos inteligentes. ― Como isso é possível? ― divaguei. ― É loucura.
Ele empurrou minhas mãos e se afastou. Fechei meus olhos novamente sabendo que ele iria mudar e me arrastei de volta para a cama.
O colchão afundou quando ele se sentou ao meu lado e eu abri os olhos. Ele ainda estava sem camisa e deslizou a ponta do dedo no meu braço parecendo maravilhado quando minha pele se arrepiou.
― Sua cor é tão linda ― declarou. Não o corrigi dizendo que ele havia acabado de virar um maldito lobo cor de ouro diante de mim. Ele suspirou e me olhou nos olhos. ― Dizem que nosso DNA é diferente e por isso temos maior imunidade e longevidade. Aos treze anos temos nosso apogeu, nossa primeira transformação. Dolorosa, fascinante e gloriosa.
― É possível que um ser humano se transforme? ― Perguntei curiosa. ― Ou só existem lobos por nascimento?
― Pode ser feito, com a aprovação do conselho, mas não é necessário e nem muito comum, se estamos sendo sinceros ― ele deu de ombros. ― Meu pai nunca quis.
O pai dele também havia morrido relativamente jovem, mas evitei mencionar isso. Ele pigarreou:
― Além disso, nós temos um mate e só a reconhecemos quando ela está em perigo de vida. Isso é arriscado, pois se a mate se perde, o lobisomem se perde também, só resta o lobo trancado em uma casca de sofrimento. É por isso que eu vim. Senti a dor, aprendi seu nome e vim te salvar ― ele tomou folego ― mas quando eu cheguei, você estava perfeitamente bem e eu não sei o que houve. Você deveria sentir o mesmo que eu, deveria saber essas coisas sem que eu precisasse dizer nada... ― ele parecia confuso e tão, tão perdido. ― Você não sente isso?
― O que eu deveria sentir?
Ele chacoalhou a cabeça.
― Esse fio magico nos conectando, nossas almas clamando uma pela outra.
Segurei suas mãos com cuidado não querendo magoá-lo, mas precisando ser sincera:
― Eu não sinto nada disso ― sussurrei.
Ele largou minhas mãos e inspirou com força, suas sobrancelhas se franziram e ele respirou novamente. Seus olhos encontraram os meus e dessa vez ele parecia quebrado e não confuso como anteriormente:
― Lavoutin ― murmurou. ― Você está dopada e por isso não sente ― ele arregalou os olhos e agarrou meu braço. ― Chloe, o que você fez?
Puxei meu braço de seu aperto assustada por seu desespero.
― Não sei do que você está falando ― atirei na defensiva.
― A culpa é toda minha, eu não cheguei aqui rápido o suficiente ― ele colocou as mãos nas minhas bochechas parecendo frenético. ― Eu sinto muito, Chloe. Eu vou resolver isso ― prometeu.
O empurrei, irritada pela declaração.
― Eu estou muito bem! Não preciso da sua ajuda! ― exclamei me levantando. ― Acho que você deve ir ― caminhei até a porta e sai sem olhar se ele estava me seguindo. Desci as escadas e o esperei com a porta aberta. Ele saiu e me encarou com aqueles olhos de cachorro sem dono que agora faziam sentido.
― Eu vou consertar isso. Prometo.
― Falo com você na segunda ― respondi fechando a porta
Estava perturbada demais para dormir e quando consegui desejei que não houvesse feito.
Estava toda de branco, como uma noiva fantasmagórica e etérea, sentada no chão. Tentei levantar e um círculo de fogo se formou ao meu redor me aprisionando e eu caí novamente sentada com o susto.
Foi estão que começaram os rosnados.
Eu não podia ver de onde eles vinham, nem que animal os produzia, os sons eram altos e amedrontadores e tapei os meus ouvidos, mas isso não foi suficiente para abafar os ruídos que pareciam vir da minha cabeça.
Gritei na tentativa de parar de sentir meu cérebro sendo arranhado.
Gritei tão alto quanto pude.
Clamei, implorei, chorei.
Acordei rouca.
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Não sei se ficou claro, mas mates podem ser do sexo masculino também (assim como o pai dele), o Liam se refere como feminino, pois a dele é mulher, okay?
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