I - Sobre Sonhos e Acidentes
Eu não costumava lembrar dos meus sonhos, antes.
Todos nós sonhávamos, eu sabia, apenas haviam pessoas incapazes de se lembrar.
Para ser sincera, houve apenas um sonho que houvera sido tão impactante a ponto de eu me lembrar.
No sonho, minha avó materna me encontrava na porta de casa e me levava em um passeio através de um bosque e me contava como sua nova vida era feliz. No final da mata, havia uma clareira e lá, um anjo. Seu halo de luz era tão resplandecente que me cegou, sua pele era tão clara quanto a luz e suas penas douradas eram tão belas quanto o sol.
Eu tinha treze anos quando aconteceu. Acordei com os berros histéricos da minha mãe. Minha avó havia morrido em seu sono.
O fluxo interminável de sonhos, foi apenas um bônus do acidente, que já havia destruído minha vida.
Não havia livro que os explicasse, nem tampouco algo que os afastasse. Não importava o que eu fizesse, não importava o quão exausta eu estivesse, eles sempre vinham.
Após a morte de meus pais, eu fui dividida, rasgada, dilacerada em um tribunal. Minha tia materna e minha avó paterna batalharam por meses e no fim, a irmã de minha mãe venceu, pois assim eu não precisaria mudar de cidade.
Toda a guerra vencida por Carol por mim, no entanto, nunca me fez sentido já que ela sempre achou que a minha existência foi um acidente cometido por dois jovens irresponsáveis.
Um acidente, dizia ela, assim como o que os havia matado.
Dois jovens que haviam acabado de entrar na faculdade se esbarraram na biblioteca, em três meses ela estava grávida. Eles se casaram, mas só havia dinheiro suficiente para um deles continuar os estudos. Não foi a minha mãe. Entretanto, ela nunca se ressentiu, ficava feliz em casa comigo.
Mas tia Carol parecia se ressentir. Ela nunca gostou do meu pai e nunca demonstrou sentimentos por mim. Eu mal a via por causa do seu trabalho como enfermeira e ela exigia muito pouco de mim, desde que eu almoçasse com ela uma vez por semana e não levasse meninos para casa, ela me deixava em paz.
A regra sobre meninos não foi um problema. Segundo o juiz, um dos motivos pelos quais eu fiquei com tia Carol foi não precisar me afastar dos meus amigos. Todavia, não precisei me mudar para perde-los, não era a mesma pessoa, não tinha os mesmos amigos. Não tinha amigo nenhum, na verdade, não me importava.
A dor que não era física e sim psicológica, nunca me abandonou, nunca me deixou ir, agarrava-se a mim como um monstro de dentes afiados e eu a deixei vencer.
A escola me oferecia tratamento terapêutico uma vez por semana, mas nunca me esforcei o suficiente para melhorar, não queria seguir em frente, não ligava para o progresso. A verdade era que, três anos depois, eu poderia abandonar o acompanhamento, mas eu gostava de Bella e acho que as consultas haviam se tornado uma espécie de muleta emocional para mim. A apatia ainda dominava meus passos e cada uma das minhas inspirações.
Acidentes não sonham, tampouco tem pesadelos, mas eu sim.
***
Destrutiva.
Novamente sentada na sala da psicóloga ouvindo a mesma ladainha de sempre.
Eu sou destrutiva, meus atos são inconscientemente para me machucar.
Destruição. Destruição. Destruição.
Eu estava tão cansada desse papo.
Não estava fazendo mal a ninguém. Só não queria... viver.
Mas não queria morrer também.
Como eles poderiam esperar que eu tivesse uma vida normal depois do que aconteceu? Como poderiam esperar que eu convivesse com o fato de que eu havia sobrevivido e meus pais ― as melhores pessoas do mundo ― não? Como poderiam esperar que eu vivesse com aqueles sonhos?
Ultimamente, eu me sentia mais viva nos sonhos do que quando estava acordada.
Para ser sincera, durante metade do dia eu nem ao menos tinha certeza se estava mesmo viva.
Talvez aquele pesadelo sem dor que minha vida havia se tornado fosse um prelúdio para a morte.
Talvez eu ainda estivesse presa naquele carro gritando a plenos pulmões.
― Chloe, você está me ouvindo? ― Perguntou a morena. ― Deveríamos estar tendo uma conversa séria aqui. Você fez a planilha com planos para o futuro próximo que eu te pedi?
Levantei as sobrancelhas para ela.
― É claro ― respondi com voz monótona. Peguei o papel levemente amassado por ter sido tratado com desprezo de dentro da bolsa e estiquei a mão.
Ela segurou o papel e me encarou. Eu podia dizer pelo seu olhar que ela estava surpresa por eu sequer ter me dado ao trabalho. Realmente, aquele não era o meu habitual.
― Me formar ― leu tentando impedir que as sobrancelhas subissem. Ela não estava fazendo um bom trabalho nesse quesito. ― Bem, ― ela dobrou o papel novamente ― pelo menos já temos um ponto inicial. Estou muito feliz que você tenha feito isso, Chloe, mas que tal pensamos no passo seguinte? ― Perguntou animada colocando os óculos. ― O que você gostaria de fazer?
Puxei um fio solto do meu agasalho de Valerian High. Meu pai o havia comprado para mim no meu primeiro ano ali e as mangas já estavam puindo. Eu só o usava nos dias que encontrava Bella e fingia ainda ter algum espirito escolar dentro de mim. Vai, Ravens!
― Nunca pensei sobre isso ― comentei. ― Não depois.
― E antes? ― Indagou de maneira interessada.
― Minha tia é enfermeira e minha mãe também seria se não tivesse ficado grávida no primeiro ano do curso. ― Dei de ombros. ― Acho que é um ideal de família.
Finalmente a olhei e vi que seus olhos castanhos me encaravam arregalados.
Me arrependi instantaneamente pela minha boca grande. Eu nunca tinha falado tanto, nunca havia me exposto dessa maneira. Eu me sentia... Vulnerável. Além disso, era meio triste dar esperanças a ela, visto que não havia jeito de que eu fosse aceita em pre-med com meu boletim mediano.
― Isso é ótimo, Chloe! ― Exclamou exaltada. ― Agora você só precisa fazer isso se tornar realidade ― ela começou a vasculhar a infinidade de papéis espalhados pela mesa velha como uma maníaca. ― Aqui, encontrei ― ela leu silenciosamente, suas sobrancelhas franzindo e sua expressão desmoronando. ― Pelo que vejo aqui as suas notas não estão muito boas, Chloe, principalmente em química. E você vai precisar de química se realmente quiser transformar esse sonho em realidade. ― Ela pareceu procurar uma solução. ― Eu te proponho um combinado: você passa em química e eu escrevo uma carta de recomendação que vai fazer você entrar em qualquer universidade que deseje ir.
Aquilo chamou minha atenção e eu me projetei para a frente na poltrona desgastada.
― Você está falando sério? ― Perguntei incrédula.
― Sério como um ataque cardíaco ― prometeu. ― Mas Chloe, não tome isso como garantido. Suas notas nas outras matérias também não estão muito boas. Você vai ter que se esforçar, faltam pouco mais de dois meses para o fim do ano letivo. Você entende que nenhuma gloria vem sem esforço, não é?
― Sim ― respondi voltando ao meu ato de robô, deixando meu corpo amolecer novamente.
― Então, corra atrás do que quer, garota! ― Pronunciou sorrindo. ― Para a semana que vem eu quero que você adicione mais um item à lista ― pediu devolvendo-me a folha amassada. ― Não precisa ser nada tão absurdo, algo que possa acontecer ainda esse ano. Vamos deixar para nos preocupar com a faculdade mais tarde.
Guardei a folha na bolsa e aproveitando a deixa, levantei-me.
― Muito obrigada, senhorita Havoc, até a próxima sessão.
Dei-lhe as costas e comecei a ir até a porta, porém, ela me chamou.
― Chloe.
― Sim? ― Questionei mal me virando.
― Você precisa saber que está autorizada a ter sonhos e tem todo o poder de realizá-los.
Acenei, mas foi um gesto involuntário já que eu discordava completamente.
Eu não tinha sonhos, tinha pesadelos.
E preferia morrer a transformá-los em realidade.
+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++
Sejam bem-vindos a Nightmare, espero que gostem dessa aventura tanto quanto eu.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top