Nick & Valerie - Nas Curvas do Passado

Oh, você não vai aparecer?
Pare de me fazer de tolo
Por que você não aparece, Valerie?
Valerie - Amy Winehouse

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A noite de sexta-feira estava movimentada naquele bar um tanto quanto escondido nas ruas do Brooklyn, mas Nicholas reconheceu Valerie do outro lado do salão, sentada sozinha no banco estofado e encarando o nada, totalmente distraída de tudo ao seu redor enquanto sugava aquela bebida recheada de vodka pelo canudo – nada de diferente da Valerie de quase dez anos atrás, nem mesmo o gosto por bebidas fortes.

Ele poderia fingir que não a viu, mas isso não era de seu feitio. Sabia que ela não o ignoraria, por mais que não se falassem há pelo menos cinco anos – desde o dia do término recheado de lágrimas após uma discussão que hoje ele achava banal. No fim das contas, ambos estavam mais velhos e certamente mais maduros. Talvez fosse a hora de ao menos um "olá".


– Valerie, quanto tempo!


A mulher foi tirada de seus devaneios pela voz que não ouvia há tanto tempo. Ao olhar para cima, viu o sorriso torto sempre charmoso de Nicholas, com uma única covinha do lado esquerdo do rosto. Os cabelos pretos antes na altura dos ombros agora estavam raspados e uma falha em sua sobrancelha entregava que ou ele sofreu algum acidente ou se envolveu em alguma briga nos últimos cinco anos – e Valerie apostava na segunda opção.


– Nicholas, como você mudou! – ela abriu seu melhor sorriso.

– Por favor, me chame de Nick, como nos velhos tempos. Posso?


Apontou para o banco estofado em sua frente e Valerie assentiu, fazendo o rapaz se sentar sem desviar os olhos dela. Nicholas sempre achou Valerie linda – a namorada mais linda que já teve – e seria mentira se dissesse que sua beleza havia diminuído com o passar dos anos, apesar de estar totalmente diferente do que se lembrava.

Nicholas e Valerie se conheceram quando ambos tinham dezoito anos em uma festa de calouros da universidade. No momento em que colocou os olhos na menina de cabelos azuis e piercing no lábio com cara de tédio encostada em uma escada qualquer, sentiu algo diferente. O rapaz de jaqueta de couro e olhar ébrio não acreditava em amor, mas ficou disposto a experimentá-lo com aquela moça.


– Nunca pensei que te veria com o cabelo natural – ele apontou os fios loiros que caíam sobre os ombros.

– E eu nunca pensei que te veria sem cabelo – ela sorriu.

– Parece que ambos mudamos – deu de ombros.

– Dizem que a vida adulta é isso – também deu de ombros e deu mais um gole em sua bebida.

– Mas nem tudo mudou – indicou o copo – Deixa eu adivinhar, cerejas, suco de limão, cerveja e vodka?

– Bingo – sorriu – Mas como você não saberia, se foi você quem inventou isso?


Nicholas sorriu e se lembrou mais uma vez do dia em que se conheceram. Passou pelo menos meia hora encarando a menina de piercing no lábio até tomar a coragem necessária – ou os shots necessários – para se aproximar. "Você acredita em amor à primeira vista?" ele perguntou com a voz um tanto arrastada. O olhar de julgamento de Valerie o mediu de cima a baixo e um "não" seco saiu de sua garganta. "Então quantas vezes mais eu preciso passar aqui na sua frente?", ele sorriu aquele mesmo riso torto que era seu maior charme. E foi então que um mínimo sorriso surgiu na moça entediada.


– Eu lembro daquele dia. Você estava toda deslocada na festa, eu tentando interagir com você... Aí você me disse que não gostava tanto assim de cerveja e eu respondi que sabia um drink que deixava ela mais gostosa.

– Você só misturou as bebidas de alguns copos usados que encontrou e esmagou algumas cerejas...

– E ainda assim você continua pedindo isso nos bares dez anos depois. Você se lembra o nome que eu dei para ele?

– At First Sight¹... Como esquecer?


Valerie sorriu, o fazendo sorrir também. Ela desceu o olhar para o copo e Nicholas aproveitou para observar um pouco mais da ex-namorada. A mulher não se parecia em nada com aquela menina rebelde que conheceu. A maquiagem antes tão escura agora era sutil, já não destacava tanto o cinza tão raro de seus olhos, os lábios sempre vermelhos e que ficavam borrados com frequência – sempre que se encontravam e não se resistiam – agora exibiam apenas um brilho modesto, as jaquetas de couro e meias rasgadas deram lugar a um macacão preto e discreto e os coturnos se tornaram botas casuais. Se não fosse por aquela cereja tatuada em sua mão direita – a mesma tatuagem que ele tinha, mas na esquerda –, ele até poderia dizer que era outra pessoa.


– Mas e então – ele falou ao perceber o silêncio que se aproximaria – O que você faz por aqui? Pensei que você estivesse morando no Queens.

– E estou, mas precisei experimentar um vestido aqui perto e decidi passar aqui para uma bebida ou duas. Mas e você?

– Estava voltando de um ensaio e também quis tomar algo.

– Então os Junkie Rats ainda existem? – perguntou surpresa.

– Sim... Quer dizer, não. Agora mudamos de nome, viramos banda de casamento. Sabe como é, o punk rock não tem muito espaço hoje em dia e Junkie Rats não era um nome que chamaria a atenção de pombinhos apaixonados e dispostos a pagar uma grana decente pra gente tocar Maroon 5 e essas músicas de hoje.


Valerie riu e por um momento tudo parecia como antes. Ela foi em mais shows do Junkie Rats do que poderia contar e por muito tempo ficou enjoada das músicas, por mais que adorasse ver a felicidade de Nicholas na guitarra. Só não adorava toda a atenção que ele recebia das mulheres que frequentavam aqueles bares estranhos em que a banda se apresentava. Um dos motivos do término foi o ciúme – da banda, das mulheres e do tempo em que ele passava em ensaios.


– Mas e você, o que faz da vida hoje? – Nicholas perguntou após pedir uma cerveja para o garçom.

– Sigo trabalhando com marketing – suspirou – Não tão empolgante quanto a sua vida.

– Não é nada empolgante ver pessoas se casando todos os dias e continuar solteiro...

– Pensei que você gostasse da sua vida de solteiro. Sabe como é, era isso que você queria...


O amargor surgiu na garganta de ambos. A mente dos dois viajou para aquela noite chuvosa do término, onde, na porta de um bar, gritavam sem se importar que ouvissem. Nicholas estava bêbado após um show, sorrindo ao encarar uma Valerie igualmente ébria, mas descontrolada. Ela ficava ainda mais linda quando arregalava os olhos cinzas daquela maneira raivosa e tudo o que ele queria era calar sua boca com um beijo – e foi o que tentou fazer antes de ser empurrado.

Valerie gritava que ele não se importava mais com os dois, que não se importava com nada, que a vida ia muito além de shows vazios em bares medíocres onde meia-dúzia de mulheres se intitulavam fãs apenas para terem uma pequena chance de transar com qualquer um dos membros da banda. Nicholas gritou de volta que talvez gostasse dessa vida, que talvez gostasse de saber que era desejado por alguém e que talvez eles tivessem começado a namorar cedo demais, pois quase não aproveitou sua vida de solteiro.

Foi quando os gritos cessaram e uma Valerie de maquiagem borrada pela chuva e pelas lágrimas sussurrou "então aproveite a sua vida de solteiro, porque acabou". Nicholas esperou que ela olhasse para trás, mas em passos duros ela seguiu. Ele não estava sóbrio o suficiente para ir atrás, então esperou algum tempo antes de voltar para casa, para finalmente poderem conversar como dois adultos que eram. Mas ao chegar, ela já não estava mais. Metade do guarda-roupa estava vazio e havia muito espaço livre na estante. Cinco anos de relacionamento haviam sido levados pela chuva daquela madrugada.


– Eu nunca quis a vida de solteiro. Eu queria você e tudo o que a gente tinha.

– Não foi o que você disse naquele dia.

– Eu estava bêbado, você sabe.

– E eu também.

– Eu pensei que você voltaria.

– E eu pensei que você iria atrás de mim.

– Eu pensei em ir, mas...

– Não importa mais, certo? – Valerie o interrompeu com certo nervosismo na voz – Nós seguimos. Nós amadurecemos. O tempo passou e... tudo aconteceu como deveria.

– É, como deveria.


Mais uma vez um breve silêncio se instalou. Valerie não achava que tudo aconteceu como deveria. Ainda sentia falta de Nicholas e todas as manias, piadas, massagens nos pés depois de um dia cansativo, gostos peculiares e até mesmo das músicas repetitivas dos Junkie Rats. Odiava ter que admitir que nos últimos cinco anos pensava em como teria sido sua vida se esperasse no apartamento em que moravam até que estivessem sóbrios, até que pudessem conversar civilizadamente. Se não tivesse jogado cinco anos de relacionamento no lixo por inseguranças bobas de uma moça de 23 anos em seu primeiro namoro sério.

Nicholas era tão transparente que, se Valerie prestasse um pouco mais de atenção, perceberia que ele continuava louco por ela. Talvez esse sentimento estivesse adormecido, mas bastou vê-la para o coração errar as batidas como da primeira vez. Ela estava encarando o nada mais uma vez quando ele decidiu ao menos tentar.


– Você acredita em amor à primeira vista?

– Você sabe que não – ela esboçou um meio sorriso tímido.

– Eu já passei na sua frente umas duas mil vezes, mas tudo bem... Quantas vezes mais eu vou precisar passar?

– Essa cantada só funcionou quando eu tinha 18 anos – seu sorriso se abriu.

– Mas mesmo assim ela arranca um sorriso seu até hoje.


Valerie não deveria estar sorrindo daquela forma boba e adolescente para o ex-namorado. Aquele definitivamente não era um comportamento decente – mas decência nunca foi uma de suas virtudes. Nicholas pegou o copo de sua mão com a desculpa de que queria provar a bebida que inventou, mas foi apenas para poder tocá-la mais uma vez. Um arrepio subiu por sua espinha ao sentir aquele toque depois de tanto tempo e Valerie percebeu que, assim como ela, o rapaz também não removeu a tatuagem que fizeram juntos quando completaram quatro anos de namoro.


– Não tenho coragem de remover a lembrança da melhor época da minha vida – ele disse ao notar o olhar da mulher em sua mão.

– Eu cheguei a pagar as sessões de remoção, mas nunca fui. No fim das contas, ela faz parte de mim.

– De nós – ele sorriu e contornou a pequena cereja com a ponta do dedo.

– De nós – ela repetiu, retribuindo o sorriso.


O garçom se aproximou e ambos aproveitaram para pedir mais bebidas e para encerrar aquele pequeno toque que durou tempo demais. Valerie reclamou que por mais que aquele drink fosse seu favorito, nenhum lugar o fazia tão bem quanto o rapaz. Nicholas sorriu e pediu licença, voltando cinco minutos depois com o copo em sua mão.


– Bom, eu não faço esse drink há cinco anos, então provavelmente não está tão bom, mas eu sou o criador né? Tenho licença poética para errar.

– Você nunca mais tomou?

– Não tive coragem. Não sem você.


Valerie sorriu e sugou o líquido pelo canudo. Aquele sabor a conduziu para aquela mesma festa em que o conheceu. De alguma forma aquela cantada ridícula funcionou e os dois terminaram a noite no banheiro do lugar, com ela sentada na pia com Nicholas se movimentando entre suas pernas durante um beijo avassalador onde suas línguas tinham gosto de cerveja, vodka, limão e cereja. Mais uma vez foi difícil manter as lembranças, principalmente essas em que ela era capaz de senti-lo.


– Continua igual – ela sorriu com as bochechas rosadas, se envergonhando daquela lembrança como se ele pudesse ler a sua mente.

– Algo precisa continuar igual entre nós – ele deu de ombros.

– Uma pena que seja só isso.

– Eu acho que tem mais uma coisa que eu quero saber se continua igual.


Nicholas sorriu e debruçou sobre a mesa, segurando o queixo de Valerie até aproximá-la de sua boca. Quando saiu da loja de vestidos e decidiu parar no bar para repensar todas as suas escolhas acompanhada de um drink At First Sight, a última coisa que imaginou foi que terminaria mais uma vez sentindo o gosto de cerveja, vodka, limão e cereja em uma língua que não fosse a sua. Mas de repente os lábios de Nicholas estavam contra os seus e suas línguas tinham o mesmo sabor.


– Continua igual – ele sussurrou ainda com a boca próxima da dela.

– Eu não deveria estar aqui com você – ela sussurrou de volta com um meio sorriso no rosto. Um sorriso que com certeza não deveria existir.

– Mas ainda assim, aqui estamos nós... E parece que o tempo nem passou. De repente estou até te vendo de cabelos coloridos e sentindo um piercing invisível no seu lábio – roçou sua boca contra a dela mais uma vez.


Naquele momento Valerie de fato se sentiu a mesma jovem de cabelos coloridos que não resistia aos encantos do rapaz de jaqueta de couro que se aproximou para mais um beijo. Nicholas continuava com aquele sorriso torto, aquela única covinha perdida na bochecha, continuava com o mesmo perfume e o mesmo costume de segurar seu rosto entre as mãos quando a beijava, como se segurasse todo seu mundo. Continuava sendo o Nick por quem se apaixonou.

Mas não, ela não deveria. Contrariando todas as terminações nervosas de seu corpo que insistiam em continuar entregues àquele homem, interrompeu o beijo e disse que precisava ir embora.


– Eu tenho um compromisso amanhã, não posso ficar aqui – se levantou apressada.

– Tudo bem, eu também tenho, vamos tocar amanhã.


Nicholas esboçou um sorriso desanimado por acabar com aquele momento, pois se atrasaria para qualquer compromisso, casamento, formatura ou aniversário somente para tê-la de novo. Os dois pagaram a conta e seguiram até a rua para que ela pudesse pegar um táxi até o Queens. Valerie evitava encará-lo, pois a cada vez que fazia isso, maior era seu desejo de continuar o que interromperam dentro do bar.


– Então... É isso – Valerie suspirou e sorriu – Eu gostei muito de te encontrar. Foi bom te ver...

– Foi muito mais do que isso – deu seu sorriso torto e colocou as mãos nos bolsos da jaqueta.

– Com certeza foi... Enfim, até qualquer dia.


Valerie acenou para um táxi que se aproximava e estendeu a mão para se despedir de Nicholas, que a segurou e a puxou para um beijo na calçada, mais um daqueles beijos de tirar o fôlego que somente ele parecia ter. O taxista precisou reclamar para que ela se lembrasse de desgrudar seus lábios dos dele e entrar no carro. O homem no volante reclamava sobre o trânsito intenso enquanto ela olhava para trás e via o rapaz ainda parado no mesmo lugar, acompanhando o veículo amarelo se mover lentamente.

Ela já estava arrependida, então decidiu fazer o seu arrependimento valer à pena. Entregou uma nota de dez dólares para o motorista e encerrou a corrida antes mesmo de virarem a primeira esquina. Bateu a porta e acelerou seu passo até o ex-namorado.


– Está tudo bem? – o rapaz não escondeu a surpresa ao vê-la se aproximar mais uma vez.

– Nick... e o seu apartamento, ainda continua igual?


Nicholas sorriu e acenou para o próximo táxi que passou. Por sorte ainda morava no mesmo apartamento do Brooklyn e não estava tão distante de casa. Os beijos que trocaram no banco traseiro fizeram Valerie esquecer todo e qualquer arrependimento que deveria sentir e só se deu conta de que estava de volta naquele prédio quando a porta atrás de si foi fechada e ela encarou a sala com os mesmos móveis de antes.

Enquanto caminhava onde um dia foi seu lar, matando saudades de tudo o que viveu ali, Nicholas seguiu até a estante e pegou um dos CDs favoritos da mulher, um dos únicos que não levou embora quando partiu. Ela sorriu ao ouvir os primeiros acordes de Valerie, da Amy Winehouse.


– Você se lembra até da faixa da música – sorriu.

– Eu ouvi esse CD incansavelmente nos últimos cinco anos.


Valerie o beijou mais uma vez. Nicholas a deitou no sofá e admirou cada centímetro de pele que foi se expondo conforme os toques se intensificavam. O CD tocou três vezes enquanto os gemidos se sobressaíam à voz de Amy Winehouse, que naquela altura havia sido esquecida. Cinco anos de saudade foram saciados em movimentos fortes e incansáveis que a faziam esquecer qualquer rumo que sua vida tomou. Nicholas continuava sendo o único que a preenchia de maneira tão visceral e intensa e por algumas horas ela até fantasiou de que tudo o que viveram seria real de novo.

Mas já não poderia mais ser.

Nicholas acordou tarde no sábado e com um sorriso procurou por Valerie, mas a cama ao seu lado estava vazia. Sobre o travesseiro, um pequeno recado escrito às pressas:


Eu cometi o pior erro da minha vida. Me perdoe. Eu ainda amo você.


Ele não sabia o que havia feito. Não sabia o porquê Valerie simplesmente foi embora depois daquela noite incrível. Não sabia que se sentiria daquela maneira quando ela fosse embora mais uma vez. Não achou que ela iria embora mais uma vez. Nicholas não esperava que fosse ficar ainda mais miserável que da primeira vez. Mas ficou. Passou todo a manhã inerte em sua cama, encarando aquele pedaço de papel e procurando alguma explicação. Só deu por si quando recebeu uma ligação do vocalista da banda perguntando onde ele estava, pois já estava atrasado.

Nicholas se arrumou de maneira mecânica e encarou seu reflexo de smoking no espelho. Estava horrível, os olhos fundos e inchados. Estava na merda e precisaria entregar algum entretenimento em uma festa de casamento onde todos estão felizes, principalmente os noivos que acreditam em felizes para sempre – algo que ele até chegou a acreditar por um momento. Chegou no salão da mesma maneira automática em que se vestiu e ignorou todas as perguntas dos colegas de banda que questionavam aquela feição derrotada, só queria tocar e acabar com aquilo o mais rápido possível.


– Os noivos chegaram, vamos começar.


O baterista bateu as baquetas em uma contagem até quatro e a primeira música começou, mas só se ouvia a bateria, o contrabaixo e o vocal. A guitarra seguia muda. Tão muda quanto Nicholas, que tinha os olhos marejados ao encarar os noivos do outro lado do salão.

Valerie estava ainda mais linda do que na noite anterior com aquele vestido branco e seus cabelos loiros formavam um penteado que a moça de cinco anos atrás jamais usaria. Em suas mão direita um grande buquê vermelho e em sua mão esquerda uma aliança e dedos entrelaçados nos seus. O homem de terno sorria para todas as fotos assim como ela, mas ele a conhecia bem o suficiente para saber que era um sorriso ensaiado.

Os integrantes da banda não a reconheceram de imediato e o vocalista chamou por Nicholas diversas vezes, mas foi ignorado em todas elas. Era tudo surreal demais, era como se ele estivesse vivendo um pesadelo e quando acordasse ela ainda estaria ao seu lado. Seus olhos vidrados na noiva só despertaram quando ela retribuiu com um olhar assustado e deixou o buquê cair no chão. Os olhos de Valerie se umedeceram e uma lágrima escorreu. Nicholas desviou o olhar para a guitarra e decidiu mudar o setlist de última hora.


– Vamos começar com uma música dedicada especialmente para a noiva – ele falou ao puxar o microfone da mão do vocalista – Ela se chama Valerie, espero que gostem.


Não foi o vocalista que cantou, mas sim Nicholas. E ele fez questão de cantar cada verso encarando Valerie, que mantinha as lágrimas nos olhos ao ouvir a entonação mais forte a cada vez que ele falava seu nome. Ele desceu do palco e se aproximou dela conforme cantava, a fazendo engolir o choro desesperado que queria sair. No final da música, ele segurou sua mão e apenas sussurrou com a voz embargada:


– Stop making a fool out of me. Why don't you come on over, Valerie?²


Os aplausos foram intensos, mas Valerie não se moveu. Sua mão tremia sob a dele e Nicholas não dizia nada, mas seu olhar entregava tudo o que queria dizer. Por mais que não tivessem mais nada há cinco anos, se sentia traído – não só por ela, mas também pelo destino que fez com que se encontrassem na noite anterior e trouxesse à tona todos aqueles sentimentos que estavam de certa forma adormecidos.


– Eu fui o seu pior erro, você mesma disse – ele sussurrou para ela.

– Não foi. Esse aqui foi o meu pior erro.

– E ainda assim você poderia ter dito não.

– Você sabe que a vida real não funciona assim.

– São escolhas. A mesma escolha que fez a gente se separar.

– Eu sempre te amei...

– E eu ainda amo você – esboçou aquele mesmo sorriso torto – Mas essa foi a sua escolha.

– Nick, não...

– Felicidades aos noivos! – fingiu uma empolgação forçada ao falar no microfone, sendo seguido de mais palmas.


Ele soltou sua mão e entregou o microfone para a banda antes de caminhar entre os convidados até sumir de vista. Mas Valerie sabia exatamente onde ele estaria. Pediu licença e foi até a saída de emergência com a certeza de que ele se encontrava do outro lado da porta, afinal ele sempre considerou que abalos emocionais eram uma emergência que exigiam uma saída rápida.


– Eu sabia que estaria aqui – Valerie fechou a porta atrás de si e encarou Nicholas sentado nos degraus da escada.

– Esse é o seu casamento, você não deveria estar lá no salão fazendo média e, sei lá, sendo feliz? – ele fungou e desviou o olhar úmido.

– Nick... – ela sentou ao seu lado sem se importar de sujar o vestido branco – Eu não quero que me veja como uma vadia sem coração...

– Eu não disse que te via assim. E não vejo, de verdade. Eu estou muito mais puto com o destino que me fez te reencontrar. Estava cômodo demais para mim fingir que tudo ficou no passado.

– Eu fui naquele bar ontem porque não me reconheci nesse vestido. Quando me vi nele ontem, lembrei das nossas conversas, de todas as vezes que falamos sobre nos casar, todas as vezes em que eu dizia que queria um vestido curto e cheio de detalhes pretos...

– E seu buquê seria roxo, para combinar com o seu cabelo da época. Bom, cada vez que você mudava o cabelo, mudava a cor do seu buquê. Eu não usaria terno, mas sim aquela jaqueta de couro. Nós dois casaríamos de Converse, o buffet serviria At First Sight e os Junkie Rats tocariam na festa...

– E a gente seria feliz. Mais feliz do que já era. Foi por isso que eu estava tomando um drink atrás do outro ontem, porque eu estava pensando em você e nos nossos planos que não tem nada a ver com o que está acontecendo hoje. Eu jamais pensei que fosse te encontrar e que você fosse me provar que nossa vida teria sido incrível. No momento em que eu te vi, foi como se eu tivesse meus dezoito anos de novo. Como se nada tivesse mudado entre nós. O problema foi que eu percebi... na verdade aceitei o que estava escancarado na minha cara. Eu aceitei que eu ainda amo você, mesmo dez anos depois de você me perguntar se eu acreditava em amor à primeira vista.

– Bom, no fim das contas os Junkie Rats estão tocando no seu casamento... não com o mesmo nome e nem as músicas que a gente esperava, não com o vestido que você queria e nem com o noivo que deveria... mas eu estou aqui, mesmo que na função errada e sem a minha jaqueta de couro. E por mais tentador que seja, eu não vou te pedir para abrir mão de tudo que foi a sua vida nos últimos cinco anos e muito menos desse cara que você escolheu. Eu só posso invejar ele por ter a mulher da minha vida.


Nicholas se levantou e deu um beijo na testa de Valerie, que deixou escorrer algumas lágrimas dispersas antes de voltar ao salão com o mesmo sorriso ensaiado que mantinha durante as fotos. Deu uma rápida olhada para o palco e mais uma vez seus olhos se encontraram com os dele, que abaixou a cabeça e encarou sua guitarra enquanto o vocalista se desculpava pelo atraso alegando problemas técnicos.

Valerie sabia que por mais que fosse feliz em seu atual relacionamento, as coisas nunca foram sequer parecidas com o que tinha com Nicholas. Os dois não se completavam, mas se transbordavam, entravam constantemente em erupção. Nick e Valerie eram daqueles casais que ninguém imaginava que se separariam um dia. Daqueles casais que não dá para imaginar sendo felizes com outras pessoas. Daqueles casais que, quando idosos, contam aos netos todas as aventuras que viveram juntos e fazem os mais jovens acreditarem em felizes para sempre.

Daqueles casais que teriam um futuro incrível, mas que ficou nas curvas do passado.

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¹ - At First Sight - À Primeira Vista

² - Pare de me fazer de tolo. Por que você não aparece, Valerie?

Olá! Esse é meu primeiro OneShot, espero que tenham gostado - mas eu sei que a maioria deve estar me xingando nesse momento (:

Andei pensando e acabei criando uma continuação para essa história, mas não quero criar expectativas nem em mim e nem em ninguém. Por enquanto é isso - e eu fiquei tão mal quanto o Nick enquanto escrevia, viu?

Se você chegou até aqui, deixe a estrelinha por favor, isso ajuda no engajamento da história.

Obrigada por lerem!

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