CHAPTER IV

Darya ainda tentou aproveitar seu jantar sem pensar muito seriamente na possibilidade de sacar a adaga em sua cintura e colocá-la contra o pescoço de Nico di Angelo.

Era um pensamento bastante tentador, mas tentou focar na comida e apenas aproveitar o desconforto óbvio enquanto Percy lhe fazia várias perguntas. Uma visão satisfatória o bastante, por hora. Sentia como um doce sabor de justiça sendo feita após perceber que o garoto sabia muito mais do que dizia e se recusava a falar toda a verdade. Até mesmo chegou a melhorar um pouco mais seu humor.

Ela sentiu-se profundamente traída ao ver Nico pular daquele telhado e sumir nas sombras para fugir de suas perguntas, uma resposta mais clara do que palavras.

Assim como Jason Grace, Darya detestava mentiras.

O refeitório era composto por mesas baixas rodeadas por divãs, um jantar ao estilo romano. Aurae, espíritos do vento geralmente invisíveis, levavam pratos e copos para as mesas sabendo exatamente o que cada um queria. A Quinta Coorte, claro, ficava nas mesas mais afastadas, próximas a cozinha, o local de menos honra possível.

Percy achou uma grande honra, na verdade, pois mais perto da cozinha significava mais perto da comida e que seria servido mais rápido.

Darya estava sentada ao lado do irmão e de Frank. Nico estava logo à frente de Percy junto de Hazel e do centurião, Dakota, que quis recebê-lo apropriadamente a Coorte, embora estivesse ocupado demais entupindo sua bebida de açúcar.

Nico estava com os olhos focados demais no tramezzino — um lanche típico italiano —, no qual ele havia dado apenas uma mordida. Darya saboreava satisfeita seu curry com uma torta de carne, enquanto Percy comia um cheeseburger com refrigerante azul brilhante.

Percy disse que não entendia bem o porquê, mas sabia que gostava muito de azul.

— Eu passo a maior parte do tempo no Mundo Inferior — Nico falou após Percy perguntar novamente onde poderiam ter se visto. — Então a menos que você tenha passado por lá por algum motivo…

Percy franziu o cenho pensativo, como se houvesse chegado num ponto que o fizesse lembrar de algo.

— Eu não me lembro se já fui lá. Talvez sim.

— Meu pai não costuma gostar de visitas… Vivas — Nico falou e deu de ombros, arrancando um pedaço minúsculo do pão em seu prato e levando a boca.

— Assim como imagino que o meu provavelmente não goste de alguma que não seja um peixe. — Percy riu. — Mas quem sabe?

— Eu sei tanto quanto você.

— Claro que sabe — Darya falou sorrindo cinicamente para Nico.

Di Angelo ergueu os olhos para ela, mandíbula trincada e olhar fulminante.

— Eu não gostaria de visitar o Mundo Inferior ainda vivo, somente di Angelo para conseguir — Dakota comentou. — Embaixador de Plutão. Reyna nunca tem certeza do que fazer com esse cara quando ele nos visita.

— Eu sei me virar.

— Você deveria ter visto a cara dela e de Jason quando ele apareceu com Hazel, pedindo para aceitá-la. Hum, sem ofensas.

— Nenhuma. — Nico pareceu muito feliz de mudar o assunto. — Dakota ajudou muito representando Hazel para a Coorte.

Dakota sorriu tímido.

— Tive uma boa impressão. E no fim, ela salvou minha vida, então eu estava certo.

— Como assim? — Percy perguntou.

— Foi como Hazel ganhou sua faixa. Devia ter visto, Percy! — Frank falou animado.

— Não foi nada tão grandioso. — Hazel corou.

— Eu teria sido pisoteado por aqueles unicórnios!

— Você ficou bem na frente deles — Frank continuou. — Isso foi incrível!

Hazel sorriu timidamente, envergonhada. Não diria que foi um feito tão valoroso quanto falavam.

— Você e Nico cresceram juntos? — Percy perguntou.

— N-não — Hazel gaguejou.

— Eu só descobri que Hazel é minha irmã ano passado. Ela é de Nova Orleans — Nico explicou rapidamente. Hazel apenas concordou com a cabeça. — É o mesmo caso que você e Darya. Mães mortais diferentes… No caso da Darya, um pai mortal.

— Sinto falta do Dorian. Ele sempre tratava a Quinta Coorte bem e conversava conosco quando ainda era áugure — disse Dakota com um ar saudosista. — E comprava energéticos de cereja pra mim! Uma verdadeira lenda.

— Direi isso a ele na próxima visita.

— Não somos muitos, tanto filhos de Plutão quanto de qualquer um dos Três Grandes. Então é bom nos mantermos perto — Nico prosseguiu.

— Você tem mais irmãs? — Percy perguntou.

Nico congelou, enfim encarando Percy. Ele engoliu em seco e comprimiu os lábios, respirando tão fundo que era audível.

— Eu tinha. Uma. Ela morreu — respondeu num tom extremamente calmo e frio.

Era visível a dor nos olhos de Nico ao falar sobre enquanto olhava para Percy. Darya olhou para o irmão, franzindo o cenho, e então de volta para Nico. Havia uma estranha tensão nascida daquele assunto.

Percy sentiu um nó em sua garganta quase imediatamente, uma dor em seu peito. Culpa. Ele não entendeu o porquê, como quase tudo que ele sentia nos últimos tempos.

— Oh, eu… Sinto muito.

— Já faz um tempo — Nico disse. — Eu vi seu espírito algumas vezes, mas ela escolheu renascer. Nunca mais a verei. Encontrei Hazel depois… Em Nova Orleans.

— A não ser que você acredite nos rumores. Não dizendo que eu acredite — Dakota comentou e riu.

— Dakota. — Darya olhou-o seriamente.

— Que rumores? — Percy perguntou.

— Isso não importa — Nico cortou o assunto. — Amanhã serão os Jogos de Guerra. Já não vai discutir estratégias agora, Dakota?

— Estratégias para perder? Não, obrigado. Deixarei para amanhã. Vou apenas receber nosso novo recruta.

Darya suspirou. Ela entendia perfeitamente. Já estava exausta de ver sua Coorte perder também. Os jogos não tinham mais a mesma emoção há muito tempo.

— Então… Por que a Quinta Coorte tem uma fama tão ruim? — Percy decidiu perguntar.

— Porque nós que perdemos a águia da legião — Darya respondeu. Ela apontou para os mastros com os símbolos das Coortes. — Está vendo o mastro vazio?

— A águia. É sobre isso que Vitellius estava falando sobre a desgraça da legião? — Percy respondeu. — A águia foi perdida pela Coorte e por isso é tão mal vista?

— Sim — Dakota confirmou.

— Ela era o símbolo do acampamento, servia para nos proteger. Dizem que os poderes dela vinham do próprio Júpiter e ela soltava raios, por isso o nome da nossa legião, Fulminata significa armada com raios.

— Não gosto de raios — Percy comentou com uma careta.

— Compreensível. Somos filhos de Netuno. — Darya riu. — É uma história antiga do acampamento. Existe uma profecia sobre treze semideuses responderem a um chamado e que o mundo poderia acabar em fogo ou tempestade. O pretor do acampamento nos anos 80, Michael Varus, era da Quinta Coorte e achou que poderia desvendar tudo sobre ela e salvar o mundo. O áugure da época disse que a resposta estaria no Alasca. Ele montou uma expedição e nunca mais retornou, os poucos que sobreviveram enlouqueceram ou não quiseram falar o que aconteceu.

Percy olhou para o nada, perdido e pensativo. Ele já tinha ouvido algo sobre treze semideuses, fogo e tempestade… Mas onde?

— Essa profecia… O que aconteceu exatamente? Ela já aconteceu?

— Não — Nico quem respondeu. — Ainda não.

— O áugure avisou a Varus que ainda não havia chegado a hora da profecia, ela não dizia respeito a ele.

— Mas ele não ouviu.

— Não. A Quinta perdeu toda sua credibilidade desde então.

— Desde que a águia foi perdida — Dakota continuou — o acampamento tem ficado cada vez mais fraco. As missões são mais perigosas. Os monstros atacam nas fronteiras mais frequentemente. O ânimo das tropas está cada vez mais baixo. No mês passado, as coisas ficaram muito piores, muito mais rápido.

— E a Quinta Coorte levou a culpa — Percy deduziu. — Agora todos pensam que somos amaldiçoados.

— Exatamente. — Dakota suspirou e bebeu um longo gole de sua bebida.

— Meu pai disse que a glória da Quinta ainda retornaria, mas… Essa não foi uma de suas visões mais precisas. Ele nunca disse quando ou como.

— Até que estávamos bem com Jason. Um filho de Júpiter em nossa Coorte era uma honra! Ele trouxe um certo respeito para nós e ainda se tornou pretor, o primeiro da Quinta desde Varus. Mas então…

Dakota não completou a frase, apenas voltando os olhos para Darya. Ela abaixou a cabeça e suspirou, apoiando os braços sobre a mesa e encolhendo os ombros.

— Ele desapareceu — Percy murmurou. Dakota assentiu. — E parece que já tem pessoas querendo tirar vantagem disso.

Percy olhou na direção da mesa de Octavian, onde ele conversava com Reyna, que não parecia nem um pouco feliz em ouvir o que ele tinha para falar. Darya riu sem ânimo, olhando na mesma direção.

— Octavian sempre tentou conquistar o máximo de poder possível no acampamento, trabalha em sua campanha para pretor há anos. É óbvio que sentia inveja de Jason por ter conseguido o cargo de Pretor e sempre tentou descredibilizá-lo, fazer os outros pensarem que ele não era bom o bastante.

— Quem melhor para liderar o Acampamento Júpiter que o filho do próprio Júpiter? — Dakota indagou. — As mudanças que ele tentou fazer eram questionáveis, mas…

Dakota parou de falar assim que recebeu um olhar mortal de Darya. Ele engoliu em seco.

— Bem… Mais uma tragédia para a Quinta Coorte. Infelizmente, não temos outros candidatos à altura para combater Octavian nas eleições da semana que vem — falou rapidamente. — Que os deuses nos protejam! — Ele bebeu um longo gole da sua bebida e limpou os resquícios vermelhos em seu queixo. — Precisaremos de um milagre.

— Se ao menos soubéssemos onde Jason está… Isso sim seria um milagre dos deuses.

Darya voltou os olhos para Nico mais uma vez, e o garoto não ousou encará-la. A vontade de sacar uma adaga apenas cresceu em seu peito.

Por que ele não falava nada?!

— Já estou satisfeito. Vou dar uma volta — di Angelo disse, o sotaque ainda mais carregado demonstrando o nervosismo, e se levantou, deixando o jantar quase intocado no prato. — Tenham uma boa noite.

Ele saiu antes que alguém pudesse dizer mais alguma coisa. Darya acompanhou-o com os olhos. Por mais que quisesse segui-lo para interrogá-lo mais uma vez, ela deixou-o ir. Estava exausta demais para continuar a lidar com isso.

Precisava de um longo descanso, e Percy também.

***

Se Darya pretendia descansar, ela agora queria acertar uma bela flecha no peito do deus dos sonhos.

A primeira coisa que Darya viu foi o fundo da piscina na casa de banho. Ela não estava sozinha. Lá estava ele, bem na sua frente, sorrindo sem mostrar os dentes enquanto prendia a respiração. Os cabelos loiros bem cortados, os olhos azuis como o céu, a cicatriz no lábio.

Era Jason.

Ele inflou as bochechas, como sempre fazia quando prendia a respiração embaixo d'água por mais tempo do que aguentava. Darya riu. Sempre achou fofo quando ele fazia isso.

Então ele não aguentou. Bolhas saíram quando ele ousou respirar e logo nadou de volta para a superfície. Darya o seguiu, ouvindo-o respirar fundo e balançar a cabeça.

— Eu com certeza não sirvo para missões marítimas. Não consigo ficar mais que cinco minutos embaixo d'água.

— Eu bem que gostaria de saber voar — ela respondeu. — Água é o meu território.

— Por isso somos uma ótima dupla. Eu domino os céus, você fica com os mares, e juntos podemos fazer uma ótima tempestade quando for preciso.

Darya sorriu com a frase. Ela passou as mãos nos cabelos úmidos, percebendo então o quão curtos estavam. Era uma lembrança. Uma lembrança antiga.

Bom, nem tão antiga.

Jason estava mais novo do que na última vez que o viu. Ela sabia quando era. Eles tinham treze anos. Vésperas da missão em busca do monstro marinho de Tróia.

Área dela. Jason conseguiu convencer o Senado a aceitar que fossem os dois. Um centurião para liderar e uma cria do deus dos mares para derrotar um monstro marinho. Uma boa dupla.

— Espero que você não deixe eu me afogar.

— Se formos voar, espero que não me deixe cair — rebateu. — A última vez não foi legal.

— Ei, foi culpa daqueles venti! — justificou-se e suspirou. — E eu consegui te segurar a tempo. Nunca te deixaria cair.

— Uma queda de vinte metros ainda é uma queda, chegando no chão ou não. Se fosse água, eu até poderia mergulhar muito bem, mas não era o caso.

Jason revirou os olhos e jogou água em seu rosto.

— Eu prometo que não te deixarei cair por nem um mísero centímetro, Delphi.

— E eu não te deixarei se afogar, Fulgur.

— Esse apelido é horrível.

— Eu sei, mas Jay é muito simples e óbvio comparado ao meu. Você é melhor que eu nisso.

— Porque Delphi é um diminutivo fofo para Delphinus, que por sua vez é latim para golfinho. Você é um golfinho fofo. Tio Dorian devia ter te dado esse nome. Você nunca sai da água.

— Eu não sou um golfinho fofo. 

— Sim, você é. — Jason sorriu doce.

— E meu pai é Netuno. Óbvio que gosto de estar na água. Por isso mesmo vamos juntos na missão, não é?

— Sim. E porque você é uma companhia muito melhor.

— O acampamento discorda.

— Dane-se o que os outros legionários pensam. Eles não conhecem você.

— E você conhece?

Jason arqueou as sobrancelhas e riu descrente antes de mergulhar mais uma vez. Darya respirou fundo, balançando a cabeça, e mergulhou novamente logo atrás.

Não avistou Jason, então virou-se para trás e viu apenas o vulto do garoto nadando mais uma vez. Então, de repente, apenas sentiu um par de braços agarrando-a por trás e um puxão enquanto era erguida da água, a superfície da piscina ficando cada vez mais longe de seus pés, os quais agitaram-se com o susto.

— JASON! — gritou alarmada, ao que seus braços afobados agarravam-se aos ombros do garoto, assustada pela altura repentina.

Ele riu, e ela olhou-o com fúria nos olhos.

— Deixe-me adivinhar… Você vai ou provocar um tsunami na piscina alto o bastante para me derrubar, ou vai me acertar com bolas d'água?

Ela abriu a boca para rebater, mas logo fechou e bufou em frustração.

— Sim, eu conheço você. — Ele sorriu orgulhoso. — E acho que prefiro que continue só com o Jay. É óbvio, mas só você me chama assim de qualquer forma.

Darya revirou os olhos e então encarou a água metros abaixo deles. Os dois estavam agora planando sobre a piscina, os ventos controlados por Jason mantendo-os no ar.

Da altura em que estavam, ainda conseguia ouvir as conversas e risadas que vinham das piscinas termais e avistar a fumaça delas.

— Quer treinar seus incríveis mergulhos?

— Que tal ver um truque novo que andei treinando?

Ela ergueu uma mão e fios de água saíram da piscina e agarraram-se às pernas de Jason como cordas. Ele franziu o cenho confuso, olhando para o que havia feito.

— Cordas de água? Essa não é tão nova assim, mas… A água está tão quente assim?

Darya sorriu travessa, concentrando-se na água até ver fumaça sair dela. Jason fechou os olhos com uma expressão dolorida.

— Okay, essa foi boa. Pode soltar.

— Okay.

Ela puxou a mão com força, e os dois foram puxados de volta para a água. Logo começou a gargalhar, enquanto Jason debatia-se para voltar à superfície e nadar até às escadas, respirando ofegante.

Nadou até ele e sentou-se alguns degraus abaixo, os pés ainda na água. O garoto passou as mãos pelos cabelos loiros e xingou tanto que provavelmente os pretores o mandariam lavar a boca com sabão se ouvissem.

— Você me queimou!

— Desculpa por isso — ela disse, com sinceridade. — Andei treinando como controlar a temperatura e os estados físicos da água.

— Guarde isso para os inimigos, por favor. Com certeza será útil… Ou cozinhar no meio de uma missão. Podemos comprar um estoque de Cup Noodles.

— Como quiser, Centurião.

— Vou precisar procurar algum dos curandeiros antes do jantar. Sorte a sua se curar só de encostar na água. Queria poder fazer o mesmo.

— Posso tentar mais uma coisinha?

— Vai me congelar agora? — Ele arqueou a sobrancelha.

Darya riu e negou com a cabeça. Jason apenas deu de ombros.

O filho de Júpiter estava sentado com os pés apoiados no último degrau antes de chegar a água. Darya aproximou-se, pegando um dos pés e observando a marca avermelhada na perna. Concentrou-se até ver a água mover-se por seu braço e sua mão e chegar lentamente à perna do garoto, que franziu o cenho.

Os olhos azuis como o céu arregalaram-se quando a queimadura sumiu, a boca aberta em descrença.

— Desde quando você faz isso?

Ela deu de ombros e curou a outra perna.

— Pronto, não precisa mais de um curandeiro. Acho que talvez tenha relação com meu avô ser Apolo… Papai sempre disse que eu poderia herdar algumas habilidades dele além das de Netuno.

— Isso é incrível! — exclamou, maravilhado, então sorrindo para ela. — Okay, talvez eu não te conheça tanto assim. Isso cura dores também? Essa queda na água quase me quebrou alguns ossos.

— Acho que não consigo fazer muitos milagres.

— Vou sempre manter um pouco de água por perto quando estiver com você agora.

— Você já não faz isso? Pelos deuses, quanta desconsideração por sua dupla de batalha! E se eu precisar me curar no meio de um deserto? — ela brincou dramaticamente com a mão no peito. — Não vou mais à missão. Encontre outra pessoa.

Jason desceu os degraus da piscina para sentar-se ao lado de Darya na água.

— Eu não vou a missão alguma sem você, você sabe.

— Deve ser muito difícil ficar dias sem minha ilustre presença.

— Realmente é.

Jason sorriu gentilmente, e Darya retribuiu tímida, sabendo que seu rosto estava tão vermelho quanto os refrigerantes de cereja de Dakota. Ela desviou o olhar.

Quando olhou novamente na direção do amigo, eles já não estavam mais na Casa de Banho, e Jason não tinha mais a aparência de treze anos. Ele parecia exatamente como na última vez que o viu, os olhos presos no horizonte e os cabelos loiros brilhando contra a luz do pôr do sol.

Ela olhou ao redor e percebeu que estavam sentados na areia de uma praia a qual não reconheceu. Jason encarava o mar com uma expressão serena no rosto, vestido em uma camiseta laranja abraçando as pernas encolhidas contra o peito.

Nunca esteve naquele lugar, ela sabia. E ela sabia que estava em um sonho diferente.

Sonhos proféticos ou com visões do presente ou do passado era algo comum entre os semideuses. Contudo, para aqueles com sangue do deus das profecias… Era não apenas mais frequente, mas havia um certo controle sobre isso.

Darya tentou por muito tempo guiar seus sonhos até Jason, sem sucesso. Seu pai também havia tentado.

Ela sentia que talvez tivesse, enfim, conseguido.

— Jason… — chamou com um fio de voz.

Darya colocou-se de frente para ele e estendeu a mão em direção ao seu rosto. Ele exibiu um fraco sorriso, como se pudesse vê-la.

— Você gostaria daqui.

— Daqui onde? Onde você está?

Ela não obteve resposta, pois logo a imagem se desfez, e ela acordou em um pulo.

Com a respiração ofegante, ela olhou ao redor e se viu de volta ao alojamento da Quinta Coorte. Ainda devia ser muito cedo, pois todos estavam dormindo e os roncos dos legionários ecoavam pelo cômodo.

Darya fechou os olhos, respirando fundo e jogando-se deitada outra vez, levando as mãos ao rosto. Havia chegado tão perto…

Ela tentou se forçar a dormir outra vez, sem sucesso. Nem um mísero cochilo.

Gritaria de frustração se isso não fosse acordar a todos.

Como não conseguiu voltar a dormir, ela então desceu de seu beliche e saiu do alojamento diretamente para a Casa de Banho, sem pensar muito. Trocou seu pijama por roupas de banho e mergulhou na piscina até sentar-se ao fundo, desejando poder ver o garoto loiro a sua frente como em seu sonho.

***

— Bom dia, Percy! Pronto para iniciar seu probatio?

Percy encarou a irmã com uma expressão confusa e sonolenta antes de exibir um fraco sorriso e limpar a baba que escorreu até o travesseiro. Darya pousou ambas as mãos na cintura e observou ele sentar-se e bater com a cabeça no fundo da cama superior do beliche, o que arrancou-lhe a primeira risada da manhã.

Ele bocejou enquanto acariciava o local da batida, olhando ao redor enquanto todos arrumavam suas camas.

— Bom dia.

— Arrume sua cama e prepare-se para a chamada matinal. Depois do café da manhã, irei te apresentar Nova Roma e o Acampamento Júpiter apropriadamente.

— Chamada matinal?

— Exatamente como a de ontem a noite. Vamos, temos muito o que fazer.

Percy bocejou mais uma vez antes de se levantar.

Durante a chamada, ele permaneceu parado ao lado da irmã reunido aos outros membros da coorte, vestido com a camiseta roxa do acampamento, observando os arredores, curioso com tudo. Reyna chamou nome por nome, exatamente como na noite anterior, dessa vez incluindo o nome de Jackson.

Uma chamada bastante demorada considerando o número de nomes. Ficar ali parado sem fazer absolutamente nada por vários minutos era bastante estressante.

Darya compartilhava daquele estresse, estrelando os dedos ou batendo o pé levemente no chão. Ela sempre odiava as horas das chamadas.

Quando o último nome foi chamado, o suspiro de alívio de Percy quase pôde ser ouvido por toda a legião.

— Podem seguir para o café da manhã e, após isso, todos para suas atividades — Reyna falou firmemente.

Percy seguiu Darya, porém Reyna os chamou.

— Darya, você…

— Apresentar o acampamento para o Percy e explicar tudo o que ainda não foi dito. Conheço os protocolos para recrutas, pretora.

— Muito bem — Reyna disse, com um longo suspiro e uma expressão exausta que Darya já conhecia muito bem. — E também peço que entregue uma mensagem a seu pai na cidade. Quero conversar com ele assim que possível, ainda hoje, de preferência.

— Sobre o quê?

— Isso é tudo que precisa saber, por enquanto. Pode ir.

Darya suspirou também, mas não discutiu. Percy olhou de soslaio para Reyna enquanto seguia a irmã, ainda com a impressão de que a conhecia.

Porém, essa impressão não era maior que a que possuía sobre Nico di Angelo. E o garoto evitar olhá-lo quando juntou-se a eles para o café da manhã não ajudou.

Assim como no jantar, vários pratos voavam sobre as mesas trazendo o que todos desejavam. Para Percy, chegou uma pilha de panquecas azuis. Isso o deixou feliz, por alguma razão.

— Por que suas panquecas estão azuis? — Frank questionou.

— Porque são azuis.

— Por que?

— Não sei. — Percy deu de ombros e começou a comer. — O que acha que Reyna quer com seu pai, Darya?

— Como eu disse, meu pai ainda costuma oferecer alguns conselhos e ajudar o acampamento quando necessário.

— O pai dela é muito respeitado aqui, a opinião dele é importante. Foi uma das primeiras coisas que descobri assim que cheguei — Hazel comentou. — Talvez queira algum conselho profético sobre o ataque de ontem.

— Um conselho mais confiável que Octavian — Frank murmurou.

— Vou te mostrar a cidade hoje. Vamos para minha casa e você poderá conhecê-lo.

— O que mais tenho que saber sobre o acampamento?

— Muitas coisas. Suas tarefas, o treinamento…

— Tipo esgrima, arco e flecha…

— Isso mesmo, mas também tem as tarefas. Limpar os estábulos, sentinela, passear com o Hannibal… Mas não se preocupe. Hoje é seu primeiro dia oficial como probatio, então sua tarefa é conhecer o acampamento e minha tarefa como sua representante é apresentá-lo.

— Vocês tem tarefas? — Percy perguntou aos outros.

— Estábulos — respondeu Hazel.

— Arsenal… De novo — Frank suspirou.

Nico permaneceu em silêncio, sua maçã ainda intocada no prato. Ele apenas observava tudo atento, em tamanho silêncio que quase poderiam esquecer de sua presença ali.

— E você? — Percy perguntou.

— Eu?

— Sim. Sua tarefa?

— Eu sou embaixador de Plutão, não um legionário propriamente dito. Não recebo tarefas.

— Então virá comigo e Darya?

— Agradeço a oferta, mas não.

— Apreciaríamos sua companhia, Nico — Darya falou e sorriu inocentemente para ele, que sabia de suas intenções por trás.

— Volto a recusar.

— Meu pai adoraria vê-lo.

— Faço uma visita depois. Vou fazer companhia a minha irmã.

— Você odeia os estábulos — Hazel comentou de cenho franzido.

Nico direcionou um olhar sério para ela que não passou desapercebido pelos filhos de Netuno. Era óbvio que ele apenas estava evitando ficar sozinho com eles, o que apenas tornava-o ainda mais suspeito.

Darya apoiou os braços sobre a mesa e inclinou levemente a cabeça, um pequeno sorriso despontando em seus lábios.

Non scapperai per sempre.

Questo è quello che vedremo.

— Vocês sempre começam a falar italiano do nada? — Percy perguntou indicando os dois.

— Você se acostuma — Hazel respondeu.

— Ele virá conosco quando formos a Nova Roma. Primeiro, vou explicar para você como funciona a organização do acampamento e as atividades.

— Eu não…

— Então, Percy, vamos já começar com a hierarquia da legião — Darya interrompeu Nico e o ignorou, começando a explicar ao irmão todos os cargos principais da legião.

Nico ficou calado pelo resto do café da manhã e desapareceu no instante em que todos saíram para suas tarefas.

Darya começou a guiar Percy pelo acampamento, mostrando todos os lugares que ele ainda não havia visto com atenção no dia anterior.

— Dormiu bem em sua primeira noite?

— A melhor noite em dois meses — Percy respondeu. Ele encarou a irmã e esboçou uma expressão preocupada. — Não parece ter sido o seu caso.

— Está tão na cara?

— Intuição de irmão mais velho — brincou com um leve sorriso.

Ela riu e empurrou-o de leve com o ombro.

— Falando sério… Está tudo bem?

— Apenas sonhos.

— Pesadelos?

— Meu pesadelo foi acordar e ver que ele não estava aqui — ela murmurou com o olhar distante.

— Sonhou com o Jason?

Darya assentiu. Nem sempre ela se abria sobre seus sonhos com alguém além de seu pai ou Jason, e Jason já não estava mais ali. Porém, se Percy era a chave para encontrá-lo, ser aberta e sincera era um primeiro passo.

— Eu acho que vi onde ele está, mas não consegui descobrir onde era. Apenas o vi. Ele parecia bem…

— Isso é bom, certo?

— É… Espero que realmente esteja. — Ela suspirou. — E se estiver… Que tenha um bom motivo para ainda não ter voltado.

— Vai que ele agora está sem memória como eu em algum lugar e não se lembra de como voltar — supôs Percy. — Nunca se sabe.

— Não sei se sua teoria me conforta ou me deixa mais apavorada.

Odiaria pensar que Jason se esqueceu dela. De quem ela era, de tudo o que passaram juntos.

Isso sim seria um verdadeiro pesadelo.

— Desculpa, acho que só estou piorando tudo.

— Tudo bem… Ainda é algo a se pensar.

Ela guiou Percy até o Campo de Marte e mostrou alguns dos legionários que estavam lá construindo o forte para os Jogos de Guerra naquela noite. Ele pareceu empolgado quando ela começou a descrever a base de como funcionava.

— É onde costumamos treinar durante a semana, exceto nos dias de sexta, que é quando preparam o campo para os jogos. Infelizmente, você terá que contar com a sorte e o treinamento de Lupa hoje, mas se saiu bem com as górgonas, então deve ir bem.

— Vai ser divertido.

— Espero, nem sempre é.

Mostrou as lojas e o arsenal, onde encontraram Frank. Boa parte da manhã foi apresentando o acampamento devidamente.

Antes de seguirem para Nova Roma, Percy recebeu sua placa com seu nome gravado, uma pequena ficha retangular de metal presa num cordão de metal, semelhante às usadas por soldados do exército. Ele colocou no pescoço junto ao cordão de couro com as quatro contas.

Procuraram por Nico, mas não avistaram-no em lugar algum do acampamento. Darya então guiou Percy até a Colina dos Templos.

— Ele está nos evitando, não está?

— Sim, ele está.

— Você sabe o porquê?

— Sei. Acho que você também sabe.

Percy tinha uma suspeita.

— Ele não quer conversar comigo.

— Mas agora, você vai.

Eles pararam em frente ao templo de Plutão.

Darya pegou uma pedra do chão e mirou, então jogando-a com força até o topo. Logo o garoto surgiu no topo do templo e jogou a pedra de volta. Os filhos de Netuno apenas deram um passo para o lado para desviar.

A garota sorriu e pousou as mãos na cintura, gritando em alto e bom som para Nico ouvir:

— Você não vai fugir, di Angelo. Desça daí.

Não houve resposta. Nico apenas bufou com uma expressão irritada e pulou de cima do templo.

Percy arregalou os olhos e correu na direção dele, mas não o alcançou antes que caísse numa sombra e desaparecesse. Ele olhou ao redor assustado e preocupado, e Darya apenas riu.

— Por que ele pulou?! Para onde ele foi?

— Ele viaja pelas sombras. É um poder de filho de Plutão.

Darya virou-se e viu o garoto aparecer novamente não muito longe deles. Ele pareceu surpreso com onde havia saído e em seguida suspirou enquanto os outros dois se aproximavam.

— Cara, será que dá pra pelo menos avisar antes de pular assim? — Percy indagou alarmado. — Eu pensei que você ia se esborrachar no chão.

— Uma pena que não tenha acontecido — Nico murmurou cruzando os braços.

— Vamos lá apresentar Nova Roma ao Percy e ter uma boa conversa amigável pelo caminho.

— Eu vou matar você.

Darya apenas sorriu de canto e passou o braço sobre os ombros do garoto, guiando-o em direção a Nova Roma junto de Percy.

Isso realmente seria interessante.

————————

Olá, semideuses!
Tudo bem?

Peço desculpas pela demora, mas aqui estamos! Mais do Nico merecedor de um Oscar e Percy e Darya não deixando o coitado em paz.

Ele será bem mais presente aqui do que foi nos livros, então aproveitem!

E sobre a profecia: sim, ela foi alterada e terão fics de toda a saga. A fanfic sobre Herói Perdido sairá em breve e teremos o Jason e outros personagens novos.

Acham que ele se lembra dela assim como Percy se lembra da Annabeth?

E decidi ainda mostrar um dia inteiro do Percy no acampamento antes de toda a missão para aprofundar mais ele conhecendo Nova Roma e a visão dele sobre um futuro seguro lá. Espero que gostem!

Em breve retorno com mais!

Até a próxima!
Beijinhos,
Bye bye 😘👋

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