P R Ó L O G O
E eu nunca mais voltarei para casa
Amigo preferido
E nada é errado quando nada é real
Eu vivo em um holograma com você
Somos as coisas que fazemos por diversão
L O R D E |
B U Z Z C U T S E A S O N |
• 2017, 1 de janeiro •
Ao som de Little Dark Age, eu e Benjamin, meu melhor amigo desde o berçário, vagamos na caminhonete velha do senhor Bennett pelas ruas desertas de Asheville. Já se passam das três da manhã, voltamos de um pequeno encontro com outros amigos, onde comemoramos o réveillon como só jovens dispersos como nós podem.
— Você acredita nisso de "ano novo"? — ouço seu questionamento despreocupado, acompanhado de um estalar do chiclete que ele está mascando.
— Eu apenas sigo o sistema, B — rio, batucando os dedos no compasso ritmado do rock viciante que vinha do rádio. — Por quê?
— Só acho sem sentido. — Arrasto meu olhar em sua direção, a tempo de vislumbrar ele dando de ombros. — O tempo é constante, não para. Na minha opinião, o dia e a noite são apenas uma questão de ótica, a ausência do sol, envolta por toda essa merda do universo e afins. O homem meio que criou as semanas e os meses para se não ficar perdido no tempo. Então por que eu acreditaria que hoje entramos em um novo ciclo?
— Você não sente algo diferente? — Encosto meu braço em seu ombro, sentindo seu cheiro gostoso de chocolate e algo cítrico. É o meu preferido, sempre vai ser. — Do tipo que leva ao anseio de recomeço, a perspectiva de uma nova fase onde podemos fazer novas merdas com a vida?
Ele gargalha, e o acompanho. O som preenche o interior do veículo agradavelmente aquecido.
— Sim, sinto — confirma. — Mas não preciso esperar até as 00:00h do primeiro dia de janeiro, como hoje, para o fazer. Todos os dias quando encaro o teto pela manhã tenho energias para fazer uma merda diferente em minha vida de adolescente de 15 anos.
Deslocando-me um pouco do meu banco do carona, colocando a mão em seu cabelo de corte militar e acariciando os fios macios, sorrio para ele e então concluo:
— Acho que estou bem tendo esse estopim apenas anualmente. Sou cabeça oca demais para ter tanto poder nas mãos todos os dias. — Ele ri, ainda sem me encarar, mas acompanho esse sorriso sumir de seus lábios gradativamente, em câmera lenta.
— Mas que diabos...? — murmura.
Acompanho a direção que ele fita e entendo o motivo para seu assombro. Inesperadamente, uma névoa densa toma a rodovia a qual estamos, tornando, assim, impossível visualizar o que está a nossa frente.
— Ben... — chamo, baixo, fitando-o de relance e o vendo nervoso no volante.
— Precisamos parar o carro — decreta
Mas não temos tempo.
Meu corpo congela, apesar do calor que vem do ar do carro, e deixo um grito escapar por minha garganta quando vejo, para nosso completo terror e desespero, dois faróis entre a névoa.
É outro carro.
Vem na mesma direção que nós.
Em um sopro, leva a metade da minha alma.
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