Epílogo
Ângela coloca as grossas folhas dentro de um pequeno envelope de tecido. Acrescenta a sua caneta de prata e fecha tudo com um cordel. Pousa o embrulho debaixo da sua cama e depois volta a deitar-se com cuidado. Sente uma pequena comichão na sua garganta e pega num lenço de pano. Após acabar de tossir, tenta esconder a grande mancha de sangue que tingira o tecido.
Ao longe ouve um pequeno grito de felicidade. Ângela sorri levemente. Provavelmente era Adónis. Desde há uns dias que estava com uma pequena cana de pesca no ribeiro tentando apanhar um peixe. Devia ter conseguido.
Adonis entra na casa a correr e mostra o pequeno peixe à mãe. Esta sorri e volta a tossir no lenço.
-Estás bem? - pergunta Adónis com uma expressão preocupada.
Ângela apenas sorri e não responde. Estende uma mão.
-Vem cá - chama ela.
Adónis aproxima-se da mãe e esta puxa-o suavemente e dá-lhe um abraço.
-Vai tudo correr bem. Tu vais ficar bem - diz Ângela mais se se acalmar a ela mesma que ao filho.
Enquanto estavam os dois abraçados entra uma corrente de ar quente pela janela.
-Está um pouco quente para início de primavera - desabafa Ângela - Espero que não estrague as plantações.
O ar continua a aquecer rapidamente e de repente o chão começa a tremer. Adónis dá um pequeno grito e Ângela diz para ele se esconder debaixo da cama, caso começasse a cair alguma coisa graças ao tremor de terra.
De repente ouve-se um baque profundo e o tremor para. Ângela sente um aperto no coração quando ouve um arrastar metálico no exterior. Poucos segundos depois, e para seu grande espanto, vê Daniel a entrar em sua casa. Parecia mais velho e bem mais cansado que no último dia que o tinha visto.
- Ângela! Graças a Deus! - exclama Daniel correndo na sua direção.
Ângela sorri ainda sem acreditar. Seria uma alucinação graças à febre? Tenta levantar-se mas ao fazê-lo tem um forte ataque de tosse e volta a pegar no lenço. Daniel corre para ela, preocupado.
- Ângela, estás bem?
- Podia estar bem melhor - afirma ela afastando o tecido da boca. Antes de o tentar esconder, Daniel pega no seu pulso e vê a enorme mancha vermelha no lenço.
-Estás doente? - pergunta Daniel com os olhos a marejar de lágrimas - Vamos embora, no nosso tempo de certeza que há cura para isso! Eu demorei mais tempo a vir porque estavam a acabar de aperfeiçoar a máquina do tempo com dois lugares. Podemos ir embora!
Ângela deixa correr uma lágrima no canto do olho.
- Não posso ir - revela ela.
- Claro que podes! Lamento muito por não ter vindo mais cedo, mas como a máquina demorou seis anos a ser feita, também me mandaram seis anos mais tarde. Qualquer coisa a ver com as regras do tempo e espaço... Mas estou a aqui agora! Assim que chegarmos levo-te a um médico!
Ângela dá um pequeno sorriso. Nessa altura, Adónis arrasta-se debaixo da cama.
- Mãe quem é este senhor? - pergunta ele em inglês. Ângela tinha-se esquecido que Adónis compreendia e falava inglês, entendendo, por isso, tudo o que ela e Daniel haviam dito.
- Querido, este é Daniel, um amigo meu. Ele veio buscar-te - informou Ângela vendo uma mistura de confusão e susto na cara de Daniel - Arruma as tuas coisas por favor.
Adónis arruma rapidamente os seus poucos pertences e aproxima-se da mãe com lágrimas na cara. Esta, também a chorar, dá-lhe um beijo na testa.
- Por favor filho, debaixo da cama tem uma pasta. Leva-a contigo - pediu Ângela a Adonis, também com lágrimas a correm-lhe pelo rosto. Adonis leva o embrulho e dá um longo abraço à sua mãe - Vai lá para fora esperar junto ao ribeiro por favor. Acho que vais ver algo muito interessante - revela Ângela com um sorriso triste.
Esta espera que Adónis saia. Logo depois, ouve-o dar uma exclamação de espanto.
- Ângela, nós cabemos os três, há espaço para todos - pede Daniel desesperado.
- Tu sabes tão bem como eu que isso não funciona assim - diz Ângela com um sorriso triste e cansado no rosto.
- Eu não sei nada! - exclamou Daniel quase gritando - Tudo isto que aconteceu... eu não entendo! Só sei que tens que vir connosco!
- Está tudo bem Daniel. Eu já não tenho muito tempo. Provavelmente não sobreviveria à viagem... Tens que cuidar do nosso filho.
Daniel olha para Ângela com uma expressão de espanto. Esta sorri.
- Tenho tantas perguntas - começa Daniel.
- Eu sei - Ângela volta a tossir e sente-se mais fraca.
- Não te posso deixar sozinha.
- Não vou estar sozinha. Vocês vão estar sempre comigo... No coração - Ângela sente-se cansada. As suas forças começam a diminuir graças à emoção.
Daniel afastou uma madeixa do cabelo de Ângela, que estava a cobrir o seu olhar. Ela estava tão branca! Esta estica a mão para Daniel sentindo-se cada vez mais fraca. As suas pulsações começam a diminuir e antes de pararem, vê uma luz branca pairando sobre si. Fecha os olhos, saindo finalmente do seu mundo de dor
Daniel apertou a mão de Ângela Não sentido algo, colocou dois dedos no seu pescoço. O seu amor partira para sempre. Daniel baixou a cabeça e colocou-a sobre o colo dela, chorando.
Não soube por quanto tempo esteve assim. Embora continuasse com vontade de chorar pelo resto do dia, tinha que cuidar do seu filho. O seu filho! Sentia-se feliz e triste ao pensar nele. Sabia que Ângela o tinha cuidado por seis anos, provavelmente sozinha. Aquele dia na sala de betão, tinha arruinado o resto da sua vida! A vida dos dois...
Levantou-se lentamente e aconchegou Ângela nos lençóis. Ao seu lado, estava uma jarra com flores. Retirou-as e colocou-as nas mãos de Ângela.
Saiu da casa de pedra e sentiu o sol na sua cara. O seu filho, Adónis, estava sentado na beira de água. Colocou a mão no seu ombro. Ia levá-lo a ver algo que nunca tinha visto antes. A vida dele ia mudar. A dele e a sua. A única certeza que tinha era que nunca mais viajaria no tempo.
Entraram os dois na maquina e antes de fechar a porta, olhou por uma última vez para a casa onde jazia o amor da sua vida. Nunca a esqueceria.
Adeus...
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