Diário de Uma Perdida

Nota da autora: Alô! Vim só avisar que este conto têm dois capítulos: "Diário de Uma Perdida" e "Epílogo". Os dois são bastante importantes e desde já agradeço que estejam dar dar um pouco do vosso tempo para ler este conto. Boa leitura e não se esqueçam da estrelinha ;)

Às vezes penso que ficar perdida foi uma bênção. Estou longe de todas as modernidades do século XXI, a poluição foi-se e conheci pessoas maravilhosas. As paisagens... não há palavras para descrever. A natureza praticamente intocada pelos humanos é de tirar o fôlego! Mas eu sinto-me sozinha, mesmo tendo quem me acompanhe. Isso é algo que nunca ultrapassarei.

O meu nome é Ângela Bettencourt e sou uma viajante no tempo. Não sou a primeira e certamente, não serei a última. Infelizmente a minha viagem não foi bem-sucedida. Estou a confundir-vos? Perdoem-me, já faz muito tempo que não escrevo. Deixem-me retomar o fio à meada e iniciar.

Eu era especialista em línguas extintas na universidade de Harvard. Sempre fui uma pessoa sossegada, não era exatamente muito famosa no meu ramo. Na verdade, esta disciplina era desconhecida no meio e desprezada por muitos. Mas eu sempre gostei de idiomas que mais ninguém falava. Sentia que falava em código!

Quando nasceu o dia 15 de Fevereiro de 2027, nunca pensei o quanto a minha vida iria mudar. Nessa manhã, fui abordada por um homem chamado Jonathan Hesse convidando-me para participar de um projecto que, pelas suas palavras, mudaria tudo o que conhecemos. Não vou aborrecer-vos com os pormenores, até porque a minha memória já não é o que era. Ele não me explicou a natureza deste projecto, mas disse que não me ia arrepender. Como é óbvio, não aceitei, pois não sabia do que se tratava. Hesse continuou a insistir e acabou por me dar um cartão caso mudasse de ideias.

Mais tarde no dia pesquisei o nome de Hesse na internet e encontrei diversas fotografias suas junto ao presidente dos Estados Unidos, o Papa, ao Dalai Lama e outras figuras importantes da humanidade. Segundo as minhas pesquisas, ele era um cientista promissor e trabalhava frequentemente em projectos conceituados capazes de mudar o nosso estilo de vida. Existiam vídeos no Youtube, entrevistas na CNN... Tudo até cerca de quatro anos atrás. Corria o rumor de que ele se havia escondido do mundo para criar algo inimaginável. Nessa altura, fiquei intrigada: que tipo de projecto, capaz de mudar tudo o que conhecemos, precisaria da minha ajuda?

Curiosa, eu decidi ligar para o número do cartão. Quem me atendeu, foi uma mulher que dizia ser a sua secretaria. Ela marcou-me uma reunião com Hesse para dali a dois dias. Passei esse tempo ansiosa com o que me esperava e com o que poderia encontrar. Só esperava que não fosse um esquema para me roubar!

Quando chegou a altura de me encontrar com ele, vi que não era a única na reunião. Cerca de cinco pessoas também se encontravam à espera. Ao falar com elas, percebi que tinham sido abordadas por motivos diferentes, uma por ser estilista, outra por ser historiadora ou poliglota.

Não demorou até Hesse surgir. Disse que se estávamos ali, era porque o tínhamos pesquisado na internet, revelando que também o fizera connosco, embora de uma forma mais aprofundada. Acalmou-nos, dizendo que não era necessário nos preocupar. Quando finalmente nos explicou porque estávamos a ser recrutados eu julguei que ele fosse um maluco, não quis acreditar no que me tinha dito. Até que a vi com os meus próprios olhos. A máquina do tempo!

Hesse não trabalhava para o governo, mas isso não significava que os mais altos ramos da administração americana não soubessem o que andava a fazer. Anos antes, quando criara a máquina, contactara com o governo para lhe cederem mais pessoal e instalações para continuar a sua pesquisa em segurança. Ao princípio não lhes comunicara sobre o propósito do seu projecto, mas após muita insistência conseguiu marcar uma reunião com o presidente em pessoa e contou toda a verdade. Era demasiado perigoso manter a máquina em segredo do seu próprio país. Sem a segurança adequada poderia ser roubada e causar medidas irremediáveis na história do mundo!

Já com instalações adequadas e pessoal competente a proteger a máquina, Hesse começou a sua jornada. Consistia em encontrar voluntários para testar o aparelho. Além disso, eram necessários especialistas, de historiadores a pessoas com conhecimento na moda ou línguas. Entre eles estava eu, especialista em línguas extintas, para ser possível recuar séculos no tempo e comunicar com o povo em idiomas que já não eram falados.

Não hesitei duas vezes e aceitei, tal como todos os outros! Infelizmente, não ia viajar no tempo, apenas ensinaria algumas línguas aos voluntários quando necessário. Hesse avisou-nos que passaríamos a ser controlados por diversas instituições, provavelmente a CIA ou NSA. Era extremamente proibido dizer algo a alguém pois podíamos ir parar a uma prisão ou pior!

Durante alguns meses, os meus serviços não foram necessários. Ficava ansiosa com toda e qualquer chamada que recebesse no meu telemóvel, ansiosa pelo dia em que Hesse me voltasse a chamar. Todos os dias olhava para ele e esperava que tocasse. Recebi uma chamada três meses depois.

Pensei que fosse necessário ensinar latim ou algo parecido, mas nunca pensei que me fossem pedir para ensinar grego antigo, logo o idioma em que tinha mais dificuldades!

No primeiro dia conheci Daniel, o voluntário que devia treinar. Os seus olhos azuis hipnotizaram-me mal o vi. Além disso era muito simpático! Tínhamos quatro horas diárias de aulas. Por algum tempo, a nossa relação era profissional, mas acabamos por nos tornar amigos. Por vezes, no fim de uma aula, íamos os dois jantar, mas nada mais que isso.

Conversa vai, conversa vem, descobri que Daniel usava óculos. Não acreditei, mas ele mostrou-mos. Quando fosse para a Grécia não podia nem usar óculos ou lentes de contacto para ser o mais realista possível. Ele disse que quando estava na escola, sempre os usou e como parecia um geek, só arranjou namorada quando foi para a faculdade.

Também acabei por lhe contar da minha caneta de prata, um legado que havia recebido da minha mãe. Ela tinha morrido há alguns anos, de cancro, e deixou-me a sua caneta que recebera como aniversário de casamento do meu pai, uns meses antes de eu nascer. Trazia-a sempre num bolso da minha camisa,

No dia antes de ele partir, convidou-me mais uma vez para jantar. Quando eu ia para aceitar, disse-me que não ia ser como todos os outros. Este jantar, seria diferente. Seria um encontro.

Não podia negar que já não tinha pensado nele dessa maneira mas, embora nunca mo tivesse dito, pensei que fosse comprometido! Quando eu conheço um homem de que gosto, seja por ser bonito ou com uma personalidade maravilhosa, das duas uma: ou tem namorada/noiva/esposa ou é homossexual. A sério, nunca tive muita sorte...

Acabei por aceitar o seu pedido e não me arrependi. Tive a melhor noite da minha vida! Ele levou-me a jantar, ao cinema e acabamos a noite no topo de um telhado. Minha ideia. Toda a vida vivi na cidade e sempre fiquei triste por não conseguir ver decentemente as estrelas. Então descobri um terraço acima das luzes onde se conseguia ver o céu nocturno. Esse tornou-se o meu lugar especial...

Conversamos durante horas, conversas profundas que nunca tinha tido com ninguém. Acabamos por nos envolver naquele telhado. Daniel disse-me que não acreditava no amor à primeira vista, mas no primeiro momento em que me viu, sentiu algo como nunca havia sentido antes. Soube que não podia partir sem saber se o que tinha entre nós era real e não apenas a sua imaginação. Eu disse-lhe que se isto fosse apenas uma aventura de quem queria faturar antes de partir numa perigosa viagem, eu ia mandar-lhe uma macumba e assombrá-lo no inferno.

Na manhã seguinte, senti-me uma pouco arrependida, afinal, tinha-me envolvido com um aluno, não importava que tivesse a mesma idade que eu!

Disse aos seguranças que queria fazer umas revisões com Daniel, tanto para o ver mais uma vez, mas também porque queria ver mais de perto a máquina do tempo. Quando entrei na sala onde os dois se encontravam, nem sabia para onde olhar. Se para Daniel, que estava vestido com um fato que o fazia parecer um extraterrestre, se para a máquina do tempo!

Era uma construção oval, pintada de um verde-escuro. Daniel aproximou-se de mim.

- O que achas? És tu não és? Não consigo ver muito bem – perguntou ele um pouco constrangido.

- Sim, sou eu – confirmei, sorrindo – Não estava à espera de ver uma máquina do tempo verde.

- É para melhor camuflar. Eles fazem a máquina sempre parar numa floresta, para não ser descoberta.

- Nem vou perguntar mais pormenores técnicos porque sei que não vou entender nada.

- Na verdade, eu também só sei o necessário. Mas perceber, entender como um cientista, isso não percebo.

Eu ri-me e após esta conversa de circunstância, fiz umas últimas perguntas de grego antigo a Daniel. Este tinha algumas dificuldades com os verbos, mas nada que se notasse de maior. Ele olhava para mim tal como na noite anterior e isso fez-me sentir feliz.

- A máquina vai partir dentro de dois minutos – ouviu-se uma voz metálica, vinda do altifalante.

- Volta – pedi eu, tocando-lhe na mão.

- Como é óbvio – confirmou ele dando-me um beijo na bochecha, perigosamente perto da boca. Olhei em volta para ver se ninguém tinha visto e sorri.

Sai da máquina e vi a sua porta fechar. Olhei em volta: a sala já estava vazia. Dirigi-me rapidamente à porta de saída. Infelizmente, não cheguei a tempo...

Ouvi uma sirene a tocar e a porta fechou-se antes mesmo de conseguir atingi-la. Comecei a gritar para que abrissem a porta. Nada. Apenas a sirene nos meus ouvidos. O desespero começou a tomar conta de mim. Disseram que partiria dali a dois minutos, ainda estava no tempo de espera! Voltei a gritar, acenado às câmaras. Como era possível que ninguém me visse, que notasse o que estava a acontecer?

Ouvi novamente a voz metálica dizendo: "1 minuto". Nessa altura fiquei mesmo muito aflita. O que estaria a acontecer? Com certeza que me conseguiam ver presa! Aproximei-me da máquina e comecei a bater na porta.

- Daniel ajuda-me! Estou presa aqui fora!

Era inútil. A máquina devia ser feita de um material que isolava o som. Nunca conseguiria fazer com que ele me ouvisse. Eu ia morrer.

Comecei a ouvir a contagem final. A maquina começou a tremer e o ar a aquecer. Afastei-me o máximo possível, encostando-me à porta de saída. Ainda não tinha perdido a esperança de que me ajudassem. Gritei tanto, o mais que podia. Mas foi em vão. Ninguém me ouvia.

A minha pele estava toda suada, resultado do calor que estava a sentir. Nunca pensei que fosse morrer por desidratação. Consegui ouvir os últimos números e nessa altura o ar ficou tão esborratado que não conseguia ver a máquina. Fechei os olhos, quase a sentir-me morta. A contagem continuava:

- Quatro, três, dois...

Nunca cheguei a ouvir o número um. Senti vento a tocar na minha cara. Abri lentamente os olhos. Cheia de sede, nem reparei no cenário à minha volta e corri para a primeira fonte de água que vi: um pequeno ribeiro. Quando saciei a minha sede, foi como uma luz se acendesse na minha cabeça. Ainda agora estava a morrer de calor, literalmente! Como tinha chegado ao pé de um ribeiro?

Olhei em volta. Não vi aquela sala de betão onde antes me situava... apenas relva e árvores! E a minha caneta de prata no chão. Corri para ela e apertei-a com força. Onde estaria eu?

A primeira teoria que me passou pela cabeça foi que a força que levava Daniel a viajar no tempo, tinha sido passada para mim. Viajei com ele! Mas a maquina não se vi em lado algum! Caminhei por alguns minutos e a única coisa que vi foi árvores! Será que ele estava cá ou teria ido parar a um local diferente? Assustada, esperei junto ao ribeiro por algumas horas, mas nada sucedeu. Quando finalmente chegou a noite, cheguei à conclusão de que ninguém ia aparecer. Talvez a máquina tivesse aterrado noutro local, afinal, algo muito estranho havia acontecido no lançamento. Não é como se tivesse assistido a muitos, mas algo tinha definitivamente corrido mal!

Levantei-me e dirigi-me a uma das árvores mais altas que me rodeava. Pareceu-me um castanheiro, mas com a pouca luz do sol que restava, não podia ter a certeza. Subia-a o mais alto que pude e olhei em volta. Qual foi o meu espanto quando reparei que existia, a cerca de cinco quilómetros de distância, uma pequena povoação.

Desci a árvore e quis logo pôr-me a caminho, mas antes, peguei numa pedra e cravei o meu nome no tronco: Ângela B. Fiz-o tanto para marcar o local, mas também para o caso de algum viajante chegar àquele local e saber que me encontrava ali.

Não sei por quanto tempo caminhei, mas quando cheguei à povoação já era noite. Aproximei-me lentamente e apercebi-me que a vila estava praticamente às escuras. À medida que caminhava pelas ruas comecei a ver umas pequenas luzes, muito fracas, vinda do interior das habitações. Caminhava quase às cegas, pois não havia luar. Após caminhar por alguns minutos reparei numa luz bastante mais forte que as outras, vinda do centro da vila.

Dirigi-me para aquele local e quando dobrei uma esquina e olhei para aquele cenário, fiquei sem ar.

Na minha frente estava um grande anfiteatro ao ar livre e uma pequena multidão de pessoas assistia ao discurso de um homem. Todos estavam vestidos com túnicas, presas ao ombro. Parecia uma festa de uma fraternidade mas sabia que algo não estava bem. Ao me aproximar mais, ouvi o que eles diziam. A sua língua a principio, não foi reconhecida no meu cérebro, pois o homem falava rapidamente. Quando me acalmei um pouco mais, passei a reconhecer algumas palavras. Aquilo era grego antigo!

Afastei-me um pouco mais, entrando novamente na penumbra. Que significaria isto? Estaria eu na época certa? Mas porque Daniel não estava ali? Ou então, terei eu chegado anos antes? Ou depois? Existiam tantas hipóteses, que eu nem sabia por onde começar a numerá-las.

Após um breve momento de choque, comecei a acalmar-me. O que quer que fosse que tivesse acontecido tinha a certeza que Daniel me viria buscar. Se não fosse ele, outra pessoa viria! Mas que faria entretanto?

Decidi voltar para o local onde havia "emergido", mas antes disso, embora muito me envergonhe, fiz uns assaltos. Entrei em varias casas vazias, e retirei algumas roupas e comida, apenas um pouco de cada vez, o suficiente para ninguém reparar que tinham sido assaltados. Penso que entrei num local onde se cortavam as túnicas, porque havia lá muitos tecidos. Existiam vários com cerca de três metros de comprimento, por isso pensei que quem quer que fosse, não se importaria que levasse um.

Quando cheguei perto do ribeiro, montei o meu acampamento provisório. Existia uma pequena árvore a alguns metros do riacho com os ramos largos e baixos. Estiquei o grande tecido neles, de forma dar uma volta de 360 graus. Era uma autêntica tenda, excepto que tinha um tronco de árvore ao meio. A sua altura não era muita, cerca de um metro e meio, mas a largura compensava. Prendi a parte que ficara aberta com dois alfinetes que tinha encontrado, deixando o resto livre para poder entrar e sair.

Tinha os meus pertences dentro de uma caixa que havia encontrado no que parecia uma lixeira. Dentro dela coloquei alguns panos e a minha caneta de prata. Ao lado dela tinha um pano atado com alguns pães dentro. Estiquei um dos panos no chão para dormir, e tinha um mais grosso para me cobrir. Nessa noite deitei-me com a esperança de que no dia seguinte me viriam buscar.

Essa expectativa esmoreceu ao longo dos três meses seguintes. Não vos vou aborrecer com os pormenores, que são muitos, irei apenas resumir ao máximo o que aconteceu nesse tempo.

Na primeira semana a seguir à minha chegada, pensei que ninguém me tinha vindo buscar pois não sabiam onde estava. Tinha muito medo de me afastar daquele local, pois quem sabe, alguém poderia chegar enquanto estivesse fora. Mas nunca podia ficar ali para sempre.

Acabei por me revelar à vila e falei com algumas pessoas que disseram que o único estranho que tinham visto nos últimos tempos, tinha sido eu. Espantei-me com a progressão que a minha capacidade de aprender línguas progrediu. Antes, falava devagar sem saber como dizer algumas palavras, mas passado um tempo, estava a falar tão bem como os próprios habitantes. Era uma vila um pouco pobre, mas ajudaram-me com tudo o que puderam. Disse que estava a viver a alguma distância pois tinha combinado me encontrar com o meu marido naquele local, mas ele não havia ainda chegado. Uma mulher muito simpática, Accalia, ofereceu-me várias sementes, que usei para plantar vegetais. Também descobri que perto do meu acampamento existia uma espécie de pomar com fruta muito saborosa. Nunca havia provado fruta assim. Tudo tinha mais sabor, era maravilhoso.

Passado um mês, a minha "casa" tinha algumas transformações. Com a fruta que eu vendia das árvores que encontrava, mudei-me para uma árvore maior, o tal castanheiro onde escrevi o meu nome no primeiro dia. Consegui retirar os ramos mais baixos e, com mais panos, criei uma tenda com dois metros de altura e bem mais larga.

Com algumas dicas e muita fruta oferecida, consegui que o ferreiro da vila me desse alguns pregos e com eles prendi o pano à árvore na parte em que se encontrava com o tronco. Ainda não tinha chovido e com todas aquelas folhas, duvido que chegasse algo um pingo de água à tenda, mas se chegasse, estava protegida.

Passados três meses, tinha criado uma rotina. Todas as manhãs, acordava e ia tratar das minhas plantas e árvores de fruto. Comia alguns e se houvesse mais frutos disponíveis, ia vendê-los ou trocá-los por produtos na vila. Depois almoçava junto de Accalia, que descobri que tinha dois filhos, embora tendo apenas vinte anos. Naquela altura, a esperança de vida era pouca, portanto todos aproveitam ao máximo o tempo que tinham. Ela havia simpatizado comigo e ajudava-me muito.

Depois do almoço ia para o acampamento e verificava as minhas armadilhas. Sim, leram bem, armadilhas. Acabei por aprender a fazê-las pois não estava a conseguir sobreviver só com fruta. À noite comia uma boa carne de coelho!

Parecia que estava a viver num sonho. Mas houve um dia em que tudo desmoronou. Estava a almoçar na casa de Accalia quando de repente um cheiro me incomodou. Não cheguei a saber qual era, mas levantei-me e sai a correr para o jardim. Vomitei tudo o que tinha comido naquele dia. Sentei-me no chão e respirei fundo.

- Querida, está bem? – Perguntou Accalia aproximando-se de mim.

- Não, ultimamente ando um pouco enjoada – respondi, voltando a respirar fundo enquanto sentia o sol na minha cara.

De repente, foi como se tivesse sido atropelada por um camião. Um sentimento de desespero abateu-se sobre mim. Desde que tinha chegado a este lugar a única coisa que me preocupara fora a necessidade de sobreviver e se alguém me viria buscar. Mas desde o dia em que havia chegado, não tinha tido o período! Não prestara muita atenção a esse assunto, andava um pouco stressada e talvez fosse uma consequência da estranha viagem mas... não, não podia ser... Bom, nós não usamos protecção, mas... não, não era possível!

Infelizmente os meus medos tornaram-se reais nos meses seguintes. Eu estava gravida de Daniel! Não quis acreditar, aceitar que isto tinha acontecido! Tinham que me vir buscar, não me podiam abandonar na Antiguidade Clássica a criar o meu filho sozinha!

Assim que Accalia descobriu, quis que me mudasse para sua casa, mas não aceitei. Não podia arriscar sair daquele local. Daniel podia vir buscar-me a qualquer momento!

Acabamos por criar um acordo. Nos dias em que não fosse à cidade, ela vinha ter comigo para saber se tudo estava bem. Se fosse necessário, ela mesma me faria o parto. Esperava que não chegasse a esse ponto pois sempre me imaginei a ter os meus filhos num hospital, com epidural. A última coisa que esperava acontecer era dar à luz no meio do mato. Accalia disse que costumava ajudar nos partos de outras mulheres na vila, por isso podia-me ajudar. Era incrível como estas mulheres relativizavam o parto. Na nossa época era necessário médicos, hospital, às vezes epidural, mas ali só uma pessoa bastava!

O tempo que passou até ao parto foi perturbante e calmo ao mesmo tempo. A minha rotina era bastante saudável mas todos os dias chorava ao deitar. Porque ninguém me vinha buscar? Não entendia! Será que não tinham dado pela minha falta, ou será que tinham achado que não valia a pena me vir buscar? Mas alguém devia ter dado pela minha falta: os meus pais, a faculdade! O stress não fazia nada bem ao bebé, fosse menino ou menina, mas não podia deixar de me preocupar.

O dia do parto foi bastante simples pois tive a sorte de as águas rebentarem enquanto Accalia estava comigo. Ela disse para me deitar no ribeiro, pois a agua a correr contra as minhas costas iria me relaxar. O nascimento do meu filho (um menino!) foi algo deslumbrante! Nunca me irei esquecer das suas lindas bochechas rosadas. Decidi chamá-lo de Adónis, um nome que se encaixaria na realidade grega. A minha esperança de ser resgatada já tinha acabado e havia decidido não conduzir a minha vida em torno de um salvamento que podia muito bem não acontecer.

Hoje, seis anos depois, vivo numa pequena casa de pedra construída perto do ribeiro. As minhas plantações estão grandes e vigorosas e o meu passado já quase foi esquecido. De vez em quando tenho um sonho qualquer que me faz lembrar do século XXI e acordo a chorar. Mas nessa altura o meu filho vem sentar-se ao pé de mim e dá-me um grande abraço. É a luz da minha vida!

Talvez por restar alguma esperança dentro de mim eu ensinei-lhe tanto grego antigo como inglês. Tentava dar-lhe uma boa educação antes de o mandar para junto das outras crianças ter aulas com alguns filósofos.

Este é o meu testamento para o caso de alguém porventura me vier buscar. Escrevo-o com a minha caneta de prata numa espécie de papel que criei de uma pasta viscosa.

Estou muito doente e duvido passar desta noite. Não sei que tipo de maleita é esta, apenas que me está a matar aos poucos. Acredito que o grande final está para breve. Não tenho arrependimentos, tentei ter uma vida feliz enquanto pude. Quando morrer, Adónis irá viver com Accalia. Confio nela, ajudou-me bastante nos últimos tempos, enquanto a doença me atacava.

O tempo que passei aqui teria sido feliz se o sentimento de abandono não me assolasse. Sim, porque eu tinha sido abandonada. Estou naufragada num tempo que não é o meu e nunca, ninguém, me veio buscar. Mesmo que tivessem tentando, eu não saberia. Mas quando à parte que me toca, é como se tivessem esquecido da minha existência.

Adónis, se algum dia leres isto, espero que finalmente consigas compreender a minha vida. Lamento muito por não teres conhecido uma vida de facilidades e de desafogo, mas acredito que foste feliz no campo, mesmo com a pobreza. Sempre te vou amar meu amor... Se pudesse, tinha-te acompanhado por toda a vida!

Daniel, se por acaso algum dia leres isto, espero que saibas que te amo e não importa a razão pela qual não me vieste buscar. Se por acaso tiveres chegado tarde demais... lamento. Não te martirizes e não te sintas culpado. Apenas cuida do nosso filho... por nós dois.

Adeus...

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