Maya
A muvuca me deixa claustrofóbica. Depois de dar uma volta por todo o piso principal e resolver ir embora, o shopping começou a encher como se uma celebridade estivesse por aqui.
— O rei está ali. Ele está fantasiado de Papai Noel! — Uma garota fala para a outra e ri, cutucando-a. — Ouvi falar que ele está solteiro, hein?
As duas riem e eu mal dou atenção enquanto acaricio os pelos macios de Ted. Mesmo com tanta gente, o frio ainda é insuportável e ainda preciso usar touca e cachecol. Cubro metade da minha cara para evitar que meus lábios congelem.
— Então tem um rei aqui? Grandes merda. — Reviro os olhos e rio nasalado, decidindo que meu tempo aqui terminou.
Mas, antes de ir, dou uma boa olhada no bom velhinho, que é motivo do meu trauma de infância.
É aí que acontece mais uma vez. Eu vejo. Enquanto as crianças pulam de um lado para o outro, sou capaz de prever o que vai acontecer... E como sempre, é desagradável.
— Boas festas, criança. — O rei bagunça os cabelos do menino e entrega uma bala para ele.
O garotinho pula de seu colo e corre para abraçar a mãe, que está obviamente mais sorridente do que ele. Nesse intervalo, entre uma criança e outra, um pontinho vermelho se camufla na roupa do Papai Noel. Ele não percebe e apenas pega um lenço para secar a testa.
— Calma, crianças. Já dou atenção para vocês. — Ri forçadamente e toma um gole da água.
Ao mesmo tempo, o pontinho vermelho começa a subir, até o momento em que fica no meio da testa dele. O olhar do rei sobe e focaliza em alguma coisa, distante dali. A única coisa que ele diz, antes de tudo silenciar a sua volta, é:
— Eu sabia... que você iria me apunhalar.
Fecho os olhos com força e preciso respirar várias vezes, enquanto massageio meu peito e o sinto doer. Enquanto observo o rei fazer a sua parte, ainda sou capaz de ver o mar vermelho na neve artificial. Ainda consigo ouvir os gritos desesperados e as corridas apavoradas para longe.
Eu preciso agir. Não posso deixar que ele seja morto, não só pelo fato dele ser um monarca, mas também pelo fato de que traumatizaria todas essas criancinhas.
Já basta eu ter traumas assim. Eles não precisam que o mesmo ocorra agora.
— Porcaria!
Corro para a fila repleta de mães e crianças e fico na ponta do pé para ver o rei. A criança da minha visão acabou de subir em seu colo.
— Porcaria, porcaria, porcaria!
Olho para todos os lados, em busca de uma passagem. Não há tempo para planos B, C ou D, então só me resta furar a fila.
— Com licença!
Empurro uma mulher que está na minha frente, que me xinga de doida e de coisas desagradáveis. Somente ignoro e afasto outras dezenas, enquanto me espremo nas duas filas que existem, uma ao lado da outra. Assim que consigo escapar, o garoto da visão pula do colo do Papai Noel e vai para a mãe. Ele sorri e seca a testa suada.
— Papai Noel! — Exclamo, fingindo estar animada e empolgada em vê-lo.
O tal rei para na hora e me encara estranho. O sinto me regular de cima a baixo e analisar se o meu tamanho não é apenas desproporcional a minha idade ou se sou velha, mesmo.
— É... — Ele engole e balança a cabeça, meio sem palavras. — Você não está meio grandinha?
Forço uma risada alta e escandalosa, igualzinha as das minhas antigas colegas de escola.
— Papai Noel, seu bobinho. — Abano o ar e fico em frente a ele, bloqueando a visão do atirador. — Eu só tenho 19 anos. Ainda sou jovem.
O monarca parece precisar de alguns segundos para entender o que tá rolando. Ele ri breve e desmancha o sorriso, ficando com a cara séria. Apenas aponta para o lado e diz:
— Por favor, vá embora. Você está atrapalhando o andamento da fila.
— Não! — Digo, afobada e sentindo que o laser está nas minhas costas.
Agradeço aos céus e a tudo que é mais sagrado pela minha cara estar toda coberta e ninguém me reconhecer (claro, o fato de eu não conhecer ninguém também ajuda), porque nesse instante todo mundo está me vaiando.
— Senhorita, terei que chamar o segurança. — Ele para de forçar a voz, parando de parecer um velho.
Na verdade, sua voz soa agradável e melodiosa... Tão grave e rouca e- Parou! Estamos num caso de vida e morte aqui!
Olho para trás e consigo ver, escondido, o possível assassino do rei. Arregalo os olhos e volto a fitar o Papai Noel, vendo que ele reajustou a posição do laser e que agora está na testa. Desesperada, seguro na roupa dele e o puxo um pouco, deixando Ted cair no processo. Ele fica com os olhos arregalados e com a boca entreaberta, surpreso.
Próxima a ele, suspiro e digo:
— Quem sabe você não me agradecerá por isso depois?
Com isso, não espero que fale. Eu apenas... Faço.
Meus lábios escapam do cachecol e eu aproveito a deixa para... Beijá-lo. Beijo o rei.
E estranhamente, mesmo que ele esteja fantasiado do meu trauma de infância... Eu gosto. O frio na barriga é bom. A boca dele é macia, o hálito dele é tão bom, que eu só...
Aproveito. Porque sei que dificilmente algo assim acontecerá de novo.
(889 palavras)
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