Augustín
Isso vai contra todos os meus ensinamentos e principalmente contra a lei de "Preservação de Imagem" que temos na Eslováquia. Acontece que não estamos na Eslováquia, estamos nos Estados Unidos.
E por mais incrível que pareça, estou confortável com o que está acontecendo.
Essa garota tem mais atitude do que qualquer mulher que já frequentou os bailes do palácio de Grassalkovich. Claro, ela parece apavorada e estamos com uma platéia enorme nos observando. Mas, esses curiosos também não me importam.
Fecho lentamente os olhos e sinto a maciez dos lábios dela. Seu hálito é de cereja, provavelmente ela mastigou algum chiclete ou algo assim. É tão agradável...
— Peguem ela!
Ouço um grito, para logo depois sentir o aperto na minha roupa desaparecer. Os lábios aveludados se descolam dos meus e os meus olhos se abrem lentamente para focar o que está acontecendo.
Há dois seguranças segurando a mulher, que se debate e esconde o rosto. Novamente, só posso ver seus olhos e nada além disso.
— Me solta! Eu não sou nenhuma criminosa, o homem que queria matar o rei está ali! — Afobada, ela aponta para algum canto escondido, mas ninguém dá atenção.
Atordoado, eu olho para onde a desconhecida apontou e tento encontrar alguém. Não há nada ali.
— Ela é maluca.
— Iam matar o rei! — Berra por cima da voz da multidão e suas palavras ecoam em meus ouvidos, me deixando ainda mais desnorteado.
Engulo em seco quando vejo que a levam para longe. Meu coração palpita de um jeito estranho, incomum. Eu não sei o nome dessa louca corajosa e não vi nada além de seus olhos. A única coisa que restou foi... Minha lembrança. E um ursinho no chão.
— Espera! — Chamo, mas eles estão longe demais.
Abaixando-me, pego a pelúcia e a analiso. Acaricio o focinho e dou uma risada nasalada pela ironia.
Em outros contos, a donzela perdia um sapatinho...
— Rei Augustín, o senhor está bem? — Um homem alto e de terno preto aparece e me fita atentamente.
Apenas aceno para que saia e continuo observando o objeto em minhas mãos. Sorrio. Definitivamente, é a única pista que tenho sobre ela.
24 de Dezembro
Dominik reclama porque quer abrir os presentes e meu secretário comenta sobre a foto de Natal que precisamos fazer para os cartões postais da Eslováquia. São exatas 12h30min e o meu relógio de bolso apita que metade do dia já foi embora.
Significa que: Só tenho mais 12 horas para encontrar a dona do ursinho e saber quem ela é de verdade.
— É um pouco difícil encontrar uma mulher dona de um ursinho perdido... — Dávid me encara e olha o relógio de ouro em minha mão. Fecha a tampa e cruza os braços. — Não acha mais fácil procurar uma esposa dentro dos seus limites, majestade? Por exemplo... Procurar uma mulher na Eslováquia?
— Não estou procurando um esposa! — Falo abruptamente. Certo, eu preciso sim.
— Majestade... — Ele balança a cabeça negativamente e sorri. — Nós dois sabemos que isso não é verdade.
Respiro fundo e balanço a cabeça. O dia é para ser feliz e em família... Mas, infelizmente, não tenho sentido nada disso.
— O que eu faço? Começo a procurar em todo o reino para saber se alguma mulher perdeu um ursinho no shopping? Eu acho que não.
— Estamos no conto da Cinderela, majestade? — Brinca e ri sozinho por isso.
— Parece que sim. — Acabo sorrindo de volta.
— Papai, falta muito para o Natal? — Dominik pergunta alto e faz biquinho.
— Não, filho... — Respondo, mesmo sem olhá-lo. Abro o relógio novamente e vejo quanto tempo ainda tenho. — Falta pouco.
19h30min
É loucura, mas é necessário: Preciso procurar, uma por uma, as possíveis compradoras dessa edição ilimitada do ursinho Príncipe. Preciso entender aquela mulher, entender suas palavras e... Só isso!
— Ainda acho que é maluquice, majestade... Digo: É Natal e há dez compradoras. Como saberemos que elas falaram a verdade e perderam o urso?
Respiro fundo e não sei o que falar. Estou agindo sem razão. Para um monarca, usar sempre a emoção é um erro. O que eu posso fazer?
— Mande entrar a primeira, Dávid. — Digo, não querendo ouvir nenhum discurso.
— Majestade... Dominik o aguarda. — Arqueia uma sobrancelha, como se isso fosse me fazer mudar de ideia.
— Eu sei... Mas ele entenderá que eu tenho algo a fazer antes de dar meia noite. Enquanto isso, ele fica entretido nos brinquedos.
Meu secretário abre a boca para argumentar, mas a minha expressão deixa clara que não estou aberto a negociações. Então, ele apenas ergue as mãos, como se estivesse se rendendo, e vai para atrás da porta, onde as compradoras esperam para falar com o rei.
19h35min
— Eu tinha certeza que tinha perdido ele no shopping! — A mulher loira ri alto e escandalosamente.
Sou obrigado a forçar uma risada e um sorriso amigável, enquanto procuro uma saída possível para fora daqui.
— Qual é o seu nome, mesmo?
— Marie! — Ela sorri largo, enquanto mastiga de boca aberta alguma goma de mascar.
Inclino levemente a cabeça e fico a observando mexer no ursinho como se fosse um objeto estranho. Engasgo-me assim que ela tenta puxar o olho de um deles. Ela ri exageradamente outra vez e o chiclete escapa da sua boca.
— Opa!
Engulo em seco e fico sem palavras quando ela volta a mastigar.
— É...
— Você quer? É de menta. — Marie sorri e estende para mim. — Acho sexy isso. Sabe? Compartilhar o chiclete...
É preciso muita força para não fazer uma careta ou pular pela janela.
— Eu... Meu secretário chamará um táxi para você.
20h30min
A entrevista começou bem, até tudo parecer automático demais. Os olhos são do mesmo tom do da garota perdida, mas essa mulher... Apenas parece uma viciada em revistas de fofoca.
— Então você...
— Estive no shopping as três da tarde de ontem e corri até você. — Ela sorri nervosa e respira ofegante.
— Claro... — Pigarreio e pego o urso para mostrar a... Cristo, esqueci o nome dela. — E você perdeu esse-
— Aaaah, James! — Grita e sorri ainda mais, colocando as mãos na cintura e fazendo uma carinha meiga.
Os segundos seguintes são estranhos, já que ela arranca o boneco das minhas mãos e o abraça com força, como se sua vida dependesse isso.
— S-Senhorita-
— Que saudades eu senti de você, James! — Seu sorriso está travado e essa mulher me encara como uma viciada desesperada. — É nesse momento que a gente casa e vive felizes para sempre, Majestade?!
Não sei se ela viverá feliz para sempre, mas esse é sim o momento em que eu dou no pé.
— D-Dávid chamará um Uber!
21h00min
— E sabe, meus pais não me compreendem! Como é que eu ia adivinhar que o rei estaria no meio do shopping?! Foi tipo: Incrível! — Ashley ri como uma adolescente no colegial e isso me faz lembrar vagamente a idade da mulher misteriosa...
— Desculpe, mas quantos anos você disse que tem mesmo?
— 18. — Diz, confiante. Meu olhar continua da mesma forma e só resta a ela dizer a verdade ou recuar. — Tá... Tenho 17 anos. E meio!
21h48min
— Seja muito bem vinda, senhorita...
— Tiffany. Com Y, não com I. — A mulher alta e musculosa demais fala e ri, sua voz tão grossa quanto suas coxas.
Pisco várias vezes, atordoado. Descruzo as pernas e me inclino um pouco na cadeira, até querendo ouvir melhor.
— Perdão... A senhorita é...
— Homem? E isso importa? A sociedade é moderna, meu bem. Onde é que eu assino pro casório?
23h50min
Eu desisto. Foram dez entrevistadas. Dez mulheres diferentes, com tons parecidos de olhos, mas nenhuma é ela. Nenhuma era a verdadeira dona do urso. Perdi o meu Natal ao lado de Dominik para encontrar alguém que só vi uma vez.
Suspiro e forço um sorriso para o meu filho (minhas bochechas doem de tanto que forcei hoje), que brinca animadamente com bonecos de madeira. Dávid desceu para levar a última delas e ainda não retornou. Até que é uma coisa boa, porque tenho certeza que a primeira coisa que ele fará ao chegar aqui é se gabar e rir por estar certo.
Foi estúpido e eu não agi como um homem maduro de 35 anos, governante de um país inteiro.
— Olha esse quebra-nozes, papai! — Dominik ri e eu acaricio delicadamente seus cabelos loiros.
— É lindo, filho.
A campainha toca, o que é estranho num hotel cinco estrelas - ninguém dos serviços vem te incomodar. Arqueio uma sobrancelha e me sinto sem forças para levantar da poltrona. Mesmo assim, já que meu secretário ainda não retornou, arranjo energia para ir até a porta. A campainha toca outra vez e o barulho me irrita.
— Já estou indo. Por Deus, calma.
Abro rapidamente e dou de cara com uma jovem. Linda, por sinal. Meu coração acelera daquele jeito estranho e incomum e eu engulo em seco por isso.
É ela. A dona do ursinho de pelúcia. A desconhecida que me beijou e que gritou que queriam me assassinar.
Essa foi a desculpa mais estranha que já deram para se aproximar de mim, mas pareceu... Real.
— Oi... — Ela diz e olha para todos os lados menos para mim, parecendo constrangida.
— O-Olá.
— Eu não deveria estar te incomodando a essa hora na noite de Natal, mas recebi um aviso da loja falando que estavam me procurando nesse endereço. — A garota amassa o papel que tem em mãos várias vezes e só depois estende para mim.
Pego-o e leio todas as informações. Meu olhar automaticamente volta para os dela e ela se assusta, logo parando de me fitar.
— Poderia devolver meu urso?
— Urso? — Fico tão perdido enquanto a admiro que até mesmo esqueço da existência daquela pelúcia. — Ah, claro! O urso.
Dou uma risada sem graça e vou até a poltrona. Seguro o objeto e penso que... Não posso simplesmente devolver e deixar por isso mesmo. Preciso saber de outras coisas antes.
— É... — Viro-me e mostro o ursinho para ela. — Tenho algumas... Curiosidades.
A jovem respira fundo e coça a nuca, mas depois balança a cabeça para dizer que sim.
— Por que disse que havia alguém querendo me assassinar?
Parece que ela é pega de surpresa com essa pergunta. Abre e fecha a boca várias vezes, pensando em como responder, mas nada sai. No final, apenas diz:
— Acho que estou assistindo a muitos filmes.
— Não acho que você ficaria tão apavorada se não fosse verdade. — Arqueio uma sobrancelha e caminho lentamente até ela.
— O que adiantaria eu falar alguma coisa? No final, você não irá acreditar, mesmo.
— Quem sabe? Eu poderia, se você tentasse.
— Majestade. — Ela balança as mãos, gesticulando e querendo indicar alguma coisa que não entendo. — Por que você perderia tempo me ouvindo? É Natal. Você tem alguém especial, provavelmente. Talvez um filho ou sei lá. — Diz e Dominik imita um dinossauro nesse exato momento.
Nós dois rimos.
— Você não precisa dispersar seu tempo tentando entender uma louca sem amigos. — Há algo em sua voz. Tristeza, não sei... Só sei que me incomoda. — Eu só quero o meu urso para me fazer companhia. Só isso.
— Você pode passar o Natal com a gente. — Proponho, antes mesmo que possa conter minha língua.
Não sei de onde essa ideia maluca veio, apenas que eu gosto de como soa: Passar o Natal com alguém que me fez sentir diferente e que está sozinho, parece... Bom.
Ela me encara, surpresa por isso. E então pega seu bichinho.
— Não quero incomodar.
— Você disse que não tem amigos... É solitário que um urso seja a sua única companhia para o Natal. — Sorrio, aliviado que ela pareça concordar. — Além disso, temos um lugar sobrando.
A dona do urso perdido me olha com alguma coisa no olhar. Não sei decifrar e nesse momento nem me importa. Lentamente, um sorriso surge em seus lábios e ela cora. Não pelo calor do aquecedor e da lareira... Talvez, seja uma pontinha de felicidade.
— Será muito agradável, então.
Sorrio de volta. Agora, minhas bochechas não doem.
— Podemos saber o nome um do outro?
— Ah, claro! — Tira a touca da cabeça e sorri mais uma vez. — Me chamo Maya.
— Prazer, senhorita Maya. — Seguro sua mão e beijo a palma, como um bom cavalheiro. — Sou Augustín, rei da Eslováquia e... Quero saber mais sobre você até o final da noite. Preciso saber se sou tão atraente assim ao ponto de me beijar com tanto gosto.
Ela ri alto e melodioso, já mais a vontade. Dávid retorna ao apartamento com uma champanhe quase aberta e um sorriso no rosto.
— Voltei!
Quando o olha, Maya desmancha o sorrio na hora. É como se ela conhecesse meu secretário. Não tenho tempo de pensar nisso, já que Dominik pula entre nós e grita um alto:
— Feliz Natal!
Retribuo isso a ele e fito Maya, querendo ver novamente o seu sorriso. Quando ela me olha e volta a sorrir, sinto-me mais aliviado.
— Feliz Natal. — Dizemos juntos, ao mesmo tempo.
FIM!
(2.135 palavras)
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top