ENSAIO CRÍTICO
Ailiria de Beaumont
"Isso é irônico de se pensar: sou uma Flor sem raízes, mas para além da ironia, não há motivos para que eu me sinta inferior, tendo em vista que nunca conheci uma pessoa com sobrenome em toda a minha vida."
Esse livro se tornou um dos meus prediletos, com toda a sua história envolvente e em como a escrita é fluida torna-se fácil ser um predileto. A narrativa já começa com um tombo para o leitor, sendo realista, curto e grosso em seu primeiro capítulo, o que é bom, em minha opinião, porque mostra ao leitor como será daqui para frente os capítulos e já o deixa preparado para momentos que vão fazer você querer gritar de emoção – mas ainda assim, não estava preparada para tudo o que aconteceu.
"Penso no mundo, esse círculo pequeno com quase 2000 pessoas. Ainda bem que não existe mais gente do que isso. Eu não consigo imaginar onde caberíamos se houvessem mais de nós. Esse círculo é todo cercado por uma floresta"
Além do Riacho Proibido gira em torno da adolescente Margarida Flor que é uma verdadeira sonhadora, sonha para si mesma, sem se dar ao luxo de parar para apreciar uma flor enquanto sonha. A obra é uma distopia que se passa no futuro, em 2060. A protagonista é uma adolescente como qualquer outra adolescente que tem curiosidade sobre o mundo e o porquê de algo ser do jeito que se é, ela não se conforma fácil com as coisas e isso foi o que me deixou mais encantada pela personagem. Gosto de personagens, principalmente mulheres, que não se conformam com apenas uma palavra e querem saber a razão por trás. Ela vive em uma situação precária e alheia a tudo a sua volta, achando que o mundo se limita a um riacho e a 2.000 pessoas trabalhando incansavelmente para alimentar algo que não existe. O Tirano.
"[...] É por causa dele que as pessoas não saem no escuro e nem se aproximam do riacho. Acredita-se que, se ele não ficar satisfeito com as oferendas, não tem chuva. É com ele que está guardado o sobrenome que tanto desejamos e jamais conseguimos. Nunca o vi, mas já o imaginei de várias formas.
Além do riacho proibido tem um monstro."
O Tirano é um personagem bastante interessante, por assim dizer; ele é uma metáfora de como as pessoas funcionam e pensam em relação a certas coisas. Em como as pessoas têm medo daquilo que nunca viram. Acho que se trata mesmo da frase: o ser humano tem medo do desconhecido. Acho não, tenho certeza. Ele é quem mantém as pessoas presas em seu próprio medo, tira suas liberdades e toma suas vidas aos poucos, os tornando mais fracos e vulneráveis a qualquer coisa, mantendo-os em uma caverna escura onde ninguém se atreve a querer sair para se deparar com a verdade, como ocorre em O Mito da Caverna, escrito por Platão, que a própria autora destaque ao decorrer do livro que o mesmo é uma alegoria a este mito.
Porém, como todos esperam de uma distopia emocionante, falo por mim mesma, Margarida Flor finalmente se toma pela fúria e indignação de tudo que acontece a ela e aos outros, do passado e do presente, não aceita sofrer mais por alguém que ela nem conhece, não aguenta mais ver sua querida avó, dona Consuelo, matar seus pouquíssimos anos de vida trabalhando para alguém que não viu. Ela não entra nessa jornada de lutar pelos seus direitos sozinha. Robbin, o seu par romântico e um menino de ouro, entra junto nessa acreditando fielmente nas palavras, fora da realidade, de Margarida e percebem todas as mentiras e ameaças que tiveram que aguentar. Robbin é um caçador no lugar onde vivem, conhece bem a floresta, mas ele jamais ousou ultrapassar limites que sempre foram impostos. Também participam dessa aventura, Ana Sophia e João, que são filhos de Seu Gaspar. Gaspar é um personagem que, em meu ponto de vista, colocou a história de ponta cabeça, trazendo mais dramaticidade e empolgação ao longo da leitura. Ana Sophia e João são os personagens que ajudam Robbin e Margarida a conseguirem o que querem de uma forma mais fácil. Vejo os irmãos como um ponto de partida para o clímax estourar mais ainda.
No romance podemos perceber que por mais que se tenham passado anos, algumas coisas ainda não mudaram no mundo. O próprio resumo deixa claro que temas importantes, e de certa forma pesados, irão ser abordados, mas a escrita da autora é tão boa e tão fácil de se ler que você consegue ler essas abordagens de uma forma leve e responsável, por assim dizer, e julgo como incrível escritas assim porque tornam o livro melhor de se ler.
Por mais que eu seja suspeita para falar bem deste livro, ele tem um pequeníssimo problema que eu gostaria de ter lido nele: uma personagem e seu ponto de vista. Gostaria de ter lido o ponto de vista da personagem Soraia, mãe de Margarida Flor. O desenvolvimento dela se deu de uma forma por cima da história, por mais que a escrita tenha sido muito boa quando Soraia apareceu, eu gostaria de ter tido a oportunidade de conhecer melhor essa personagem e suas motivações, tenho uma ideia de quais seriam suas motivações, mas teria sido bom conhecer seu ponto de vista.
O livro tem como mensagem principal que não podemos ficar parados deixando coisas ruins acontecerem, precisamos fazer a diferença não só para nós mesmos, mas, também, para as pessoas à nossa volta. Todos os temas abordados, desde higiene pessoal até trabalho infantil, são totalmente válidos de se debater e de levantar a voz para se combater.
O romance mostra que no livro crianças de menos de 12 anos trabalham para sustentar suas famílias e para não serem castigados pelo Tirano, como mostra um pouco no trecho a seguir que retirei do livro:
"[...] Nós também passamos rapidamente por algumas crianças que estão indo para a plantação de cacau. Geralmente, esse trabalho é delas. Reconheço algumas: Luís, Jacó, Davi, Bianca... Nenhum deles têm mais do que 12 anos."
Infelizmente, isso é um retrato nu e cru de como a realidade realmente funciona e muitas vezes nós nem sabemos.
Já peço sinceras desculpas a qualquer pessoa, mas não consigo mostrar defeitos que há neste livro. Poucos erros ortográficos são defeitos a se citar? Pois não tenho o que falar de mal, é um livro que consegue se desenrolar de uma forma que não tem defeito para quem o lê, em minha opinião. A obra mostra de forma clara e coesa como a realidade funciona com relação a alguns assuntos que estão alheios a nós. Não nos questionamos de onde vem o que consumimos, apenas pegamos e usufruímos sem nos dar conta de que alguém por trás fez e pode ter sido fruto de trabalho escravo.
Eu expresso com total sinceridade e despreocupação quando digo que Salete de Baragoudar merece o reconhecimento que tem com premiações e merece mais reconhecimento por esta obra em específico.
O desfecho do livro se dá de uma forma que reconforta dolorosamente o coração do leitor, o deixando suspirar de emoção e de saudade por personagens que tiveram que se despedir de nós. Toda boa história tem mortes dolorosas de lidar e Além do Riacho Proibido não é diferente. Não falei nem um terço do que acontece na história inteira, há mais, muito mais, emoção e aventura além das que eu citei.
O romance traz muitas emoções para o leitor, momentos de sofrimento, momentos de dor, momentos de alegria, de medo, de amor, de primeiro toque. É um perfeito equilíbrio de se ter em um livro, tornando-o mais apetitoso de se ler em apenas uma sentada. Gostaria que todos se levantassem e fossem além do riacho proibido que os cerca diariamente, lutem pelo que acreditam e não deixem que os calem facilmente.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top