Amor de Quarentena

Escrito no dia 6 de Abril de 2020

      É estranho como as coisas acontecem… Estava refletindo sobre isso não faz nem dois minutos. 

    Às vezes as peças se encaixam de uma forma que você jamais pensou que elas poderiam se encaixar, e então a vida se resolve — ou se desresolve — num piscar de olhos. Não que eu ache que tudo o que aconteceu tenha sido bom, não vou dar uma de Pugliese e agradecer às coisas boas que se sucederam com a chegada do vírus. Mas isso não quer dizer que coisas boas não aconteceram. 

    Quem imaginaria que três meses depois eu estaria aqui, de frente para uma pessoa que eu sequer conhecia? Quer dizer… conhecer eu até conhecia. Por nome, nada além. Porém agora era diferente, bem diferente. 

    Os dias de confinamento tinham servido para uma aproximação bem extensiva. E o que era apenas uma brincadeira, uma sementinha plantada por um amigo em comum, acabou por se transformar em algo bem maior. Semente, não. Acho que uma comparação melhor, adequada aos tempos, seja um foco viral. Afinal, tem coisa mais virulenta que algumas conversas íntimas entre duas pessoas confinadas? O que era uma brincadeira, como havia dito, se alastrou; conectou-se às minhas células, encontrou a chave dos meus pensamentos, alterou a produção dos meus hormônios, desregulou o funcionamento do meu coração. Coisa virulenta. 

    Acredito que com ela aconteceu da mesma forma. 

    Agora eu estou aqui. Enquanto escrevo mentalmente essas palavras, ela me observa com um sorriso no rosto. Nosso primeiro encontro… 

    Disse que precisaria ser em um rolê com álcool, porque me conheço o suficiente para saber das minhas travas. Então digamos que já não me encontro no meu estado mais sóbrio nesse momento. Também não estou realmente bêbado… Não como ela me viu pela primeira vez, numa festa na casa de alguns amigos em comum. Ela com um namorado, eu com minha solteirice e a péssima mania de achar que nunca bebi o suficiente. Passei mal, obviamente, no entanto não fui o único! 

    Ela está aqui apesar do vômito. Isso é algo bom, não? Está aqui por tudo que nos confidenciamos nos últimos meses. Está pelos dias de monotonia, pelas conversas improdutivas que viraram grandes frutos de reflexão, pela piadas sem graça, pelos áudios durante a madrugada e pelos sorrisos com as fotos das coisas mais triviais. 

    Coisa virulenta… Espero que também seja contagiosa. 

    Agora ela me observa. Me observa de verdade, olha nos meus olhos. 

    Acho que devo beijá-la. 

    Devo beijá-la? 

    Ah… acho que sim… 

    Vou beijá-la. 

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