Capítulo 8

Aproveitando o tão esperado fim de semana, passeio pela cidade na minha moto novinha em folha. Escuto músicas boas enquanto o vento sopra no meu rosto pela viseira aberta do capacete. Minha jaqueta de couro preta absorve um pouco do vento fresco, mas a sensação de liberdade que a velocidade me proporciona me pega em cheio. Canto algumas partes dos refrões das músicas, sabendo que ninguém pode me escutar pelo barulho do escape.

Depois de quase dez minutos, finalmente chego no lugar que queria. Sempre venho aqui quando quero "descansar" do mundo um pouco.

Eu nunca havia visto esse lugar, o descobri um dia sem querer, quando peguei uma rota errada e acabei aqui.

Não é nada de outro mundo, apenas uma pracinha esquecida, com um riacho coberto por uma ponte de madeira e alguns animaizinhos que passeiam despreocupados.

Estaciono minha moto e caminho até um dos banquinhos. Tiro a embalagem de piquenique da mochila e a garrafinha com o suco de laranja-lima que incrivelmente permaneceu frio até a minha chegada.

Faço isso regularmente, é minha maneira de ficar em paz comigo mesmo. Aproveito esse tempo para não pensar em absolutamente nada. Medito, respiro, escuto músicas... essa pracinha simples virou uma espécie de santuário para mim.

Agradeço pelo fato de o lugar ser bem longe do centro, assim, poucas pessoas têm conhecimento daqui.

Depois de comer, guardo tudo novamente e caminho um pouco pelo local. Sempre carrego comigo pedacinhos de pão para dar aos patinhos que vivem aqui, e assim permaneço por pelo menos vinte minutos jogando pequenos pedacinhos de comida aos animais felizes com o mimo.

Dou risada da briga dos bichinhos pelo alimento e faço uma nota mental de trazer mais da próxima vez.

Olho as horas no celular e quase tenho um infarto ao perceber que fiquei mais de três horas aqui.

Me viro e começo a caminhar rápido até onde minha moto está estacionada, até que de repente colido em cheio com algo. Estou por cair para trás, mas uma mão me puxa e me leva de encontro a um peitoral musculoso e a um cheiro que infelizmente comecei a reconhecer.

Dou um empurrão no garoto e ele me olha tão surpreso quanto eu.

─Está me seguindo, Alex? –Acuso apontando um dedo diretamente na sua cara de taxo.

─O que? Claro que não garota!

─Então como sabe que estava aqui?

Alex me observa por alguns segundos antes de responder, como se estivesse pensando em algo convincente.

─Por acaso essa pracinha não é mais pública? –Sua voz sarcástica me tira do sério, mas me controlo senão todo o esforço de buscar minha "paz interior" irá pro saco.

─Ela é, mas como é meio perdida, achei que quase ninguém viesse aqui... principalmente você. –Levanto uma sobrancelha e ele imita meu movimento e ri da minha cara.

─Só você mesmo, Marjorie, para achar que é dona de uma pracinha. Eu sempre venho aqui, a conheço desde que era uma criança...

─Eu também. Quero dizer, sempre venho aqui... Como nunca nos encontramos antes? –Dou um tapa na minha cabeça por ter perguntando isso em voz alta. Merda.

─Pelo visto sempre aparecemos em horários diferentes. –Ele tem razão.

─Graças a Deus. –Resmungo e ele me olha sério.

Meu corpo inteiro se arrepia ao perceber a feição triste que domina seu rosto. Uma curiosidade enorme invade meu corpo, mas não pretendo saber nada da vida desse garoto. Quanto mais distância, melhor. ─Bom, eu já estava de saída de qualquer forma, a praça é toda sua. –Começo a me afastar sem esperar por resposta, mas de repente sou puxada pela sua enorme mão enroscada no meu antebraço. Sinto minha pele queimar bem ali onde ele toca e delibero entre olhar para meu braço e para seu rosto sombrio. Tento escapar do seu aperto, mas ele é incrivelmente forte para o seu tamanho.

─Aquilo que disse mais cedo... –Começa mas para no meio da frase e puxa uma respiração profunda. ─É isso que pensa de mim? –Continua e sinto meu coração batendo cada vez mais rápido. Confesso que me senti mal por haver dito aquelas coisas e por ele ter escutado tudo, porém não posso mentir.

─Sim. –A palavra sai áspera da minha boca, como se tivesse engolido um quilo de areia. Engulo seco e aquele sentimento estranho volta com tudo ao perceber que a tristeza no seu olhar aumenta ainda mais. ─Olha Alex, eu sinceramente peço desculpas por tudo o que você escutou, mas não vou voltar atrás. Você e sua namoradinha me trataram mal todo esse tempo, não pense que essa cara de cachorro abandonado vai me deixar com a consciência pesada... não mesmo. –Continuo. Essas palavras que saem da minha boca são uma farsa, pois nesse mesmo dia minha consciência começou a pesar uma tonelada.

Quando ele finalmente solta o meu braço e caminha para o outro lado do lugar sem dizer absolutamente nada, minha cabeça vai a mil.

Qual o problema desse garoto? Ele não tem o direito de me fazer ficar mal. Não depois de todos esses anos me fazendo todo esse mal.

Sem pensar nas consequências, corro até alcançá-lo e puxo o seu braço assim como ele fez comigo minutos atrás.

─É isso? Vai simplesmente sair andando como se nada estivesse acontecendo? Você não vai me levar para baixo, Alex, não quando a pessoa que deveria estar lá é você. –Grito e ele me olha calado. ─Não vai dizer nada? –Provoco, mas o gato parece haver comido sua língua. ─Tudo bem. Espero que você nunca tenha que passar pelo que passei nessa vida, e que nunca encontre um "Alex" para te infernizar cada maldito dia. Como eu disse, você não passa de um riquinho mimado que se diverte às custas dos demais, você pelo visto adora fazer isso com as pessoas e...

─PARA! –Alex grita de repente e me calo por puro assombro. ─Já chega... por favor. –Sussurra e se senta em um dos banquinhos de madeira velhos. ─Não aguento mais escutar que não sirvo para nada, e agora isso... –Eu nunca havia visto ele assim tão... triste. A arrogância e a soberba eram seu indumento diário de modo que por muitas vezes esquecia que Alex também era um adolescente assim como eu e como cada pessoa naquele colégio.

─Eu... –Não consigo terminar. Não sei o que quero dizer exatamente. É como se de repente as palavras resolveram que tirariam umas férias.

─Não precisa se desculpar. Eu mereço isso e muito mais. –Esfrega as mãos no rosto e joga o corpo no encosto do banco.

─Eu não iria... –Contradizendo a todo sentido, me sento do seu lado e imito sua posição. ─E você merece mesmo. –Brinco e acabo arrancando uma risada sem graça do garoto.

Ficamos em silencio por alguns minutos, olhando para o nada, cada um com o próprio pensamento. Observo o sol se pondo, dando lugar à escuridão da noite e respiro profundamente. Mamãe deve estar bem preocupada a essa altura, mas por mais que não queira admitir, não quero ir embora. Estranhamente, disfrutei da companhia de alguém hoje, mesmo que essa pessoa seja Alex.

─Bom, está ficando tarde, minha mãe vai ficar uma fera se não vou embora... –Digo me levantando sem olhar para ele. De repente a vergonha tomou conta do meu corpo, como se somente nesse instante eu percebesse a realidade da situação.

─Obrigado, Marjorie. –Sua voz rouca me deixa estática.

─Pelo que? –Como sempre, a curiosidade vence qualquer vestígio de racionalidade que me sobrava.

─Por me fazer companhia hoje.

Faço um leve movimento com a cabeça em resposta, e praticamente corro até minha moto. Estou sendo covarde? Sim. Tenho outra saída? Não. Quanto menos entrar nesse mundo dos ricos melhor.

É o que digo a mim mesma, mas sinto no meu interior que algo anda mal com esse garoto. Conheço essa tristeza estampada no seu rosto, porque eu era acostumada a sentir o mesmo.

Sento na moto, coloco minha mochila nas costas e seguro o capacete nas mãos por alguns minutos.

Com a chave na ignição, observo de longe Alex ainda sentado. Sua mirada perdida me causa algo, uma sensação que não consigo descrever.

Penso algumas vezes em girar a chave, dar a partida e vazar dali o mais rápido possível, mas minha consciência não deixa. Me pego descendo novamente da moto e caminhando de novo até o garoto que me lança um olhar curioso e divertido ao mesmo tempo.

─O que quer que você esteja passando, quero que saiba que não está sozinho. Sei que não gosta de mim e que provavelmente nunca me contaria nada da sua vida, mas quando se sentir mal, eu sempre venho aqui, nesse mesmo horário, geralmente aos sábados ou domingos, nem que seja para que sentemos calados para observar os patos. –Declaro e dessa vez sim, corro até a minha moto e dou partida saindo dali o mais rápido possível. Alex disse algo antes que eu fugisse –de novo- mas não quis voltar para perguntar o que era. Os acontecimentos de hoje foram os suficientes para me deixar completamente confundida e não quero adicionar algo a mais para essa lista.

Ao chegar em casa, depois de receber um enorme sermão dos meus pais sobre ficar até tarde na rua, vou até o meu quarto e mando uma mensagem a Amanda. Ela vai surtar quando souber o que aconteceu hoje, mas eu preciso contar a alguém, ou vou acabar ficando louca.

Depois de alguns segundos, meu telefone começa a tocar e seu nome pisca incessantemente na tela. Essa garota é tão curiosa quanto eu, deve ser por isso que nos damos tão bem.

─Eu sei que tem a ver com o Alex, então pode me contar tudo. –Diz antes mesmo de que eu possa terminar de atender a ligação.

─Como soube?

─Ah amiga, vocês dois são tão cegos que chega a ser hilário.

Balanço a cabeça e começo a contar tudo o que aconteceu, não tenho tempo a perder tentando contrariar a ideia maluca que Amanda tem sobre eu e Alex.

Minha amiga escuta tudo calada, o que me assusta um pouco por alguns minutos, mas quando termino de dizer tudo o que tinha enroscado na garganta e ela solta um grito, sei que ela só estava esperando para escutar a história inteira sem interrupções.

Depois de passar quase meia hora escutando insanidades do tipo "vocês vão acabar juntos" ou "eu sabia que o jeito que ele te olhava significava algo", invento que meu pai está me chamando e encerro a ligação. Contar tudo a minha amiga não me deixou mais leve, pelo contrário, me sinto com mais energia, poderia correr uma maratona nesse instante.

Me sento na cama e tento entender tudo o que está acontecendo comigo. Até dias atrás eu e Alex não trocávamos uma palavra que não fosse um xingamento e hoje? Ficamos mais de uma hora sentados lado a lado em silencio. Quão louco pode ser isso?

Decido não esquentar a cabeça com algo que provavelmente será esquecido, então tomo um banho demorado, coloco uma roupa confortável e vou até a sala para colocar um filme divertido para ver com Emma, assim como havia prometido.

Talvez só assim possatirar por um tempo aquela imagem de um Alex totalmente aflito da minha mente.

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