Capítulo 4

Não consegui voltar para casa como tinha planejado. Depois de sair do colégio, zanzei pela cidade toda no piloto automático. Quando percebi estava parada diante de uma mansão. Observava aquela casa enorme, cheia de flores no jardim bem cuidado, a escada que levava até a porta, seguramente de mármore, indicando desde o começo que o dono era podre de rico. Os portões de ferro forjado que no momento se encontravam abertos, como se o dinheiro fosse inclusive um campo de força que os protegessem de todo mal.

Um suspiro escapa pela minha boca através do capacete. Como eu gostaria de ter essa grana toda. Poder pagar pelo que quero sem ter que fazer contas, sem precisar se preocupar com o próximo mês. Esse é um pensamento tão egoísta que meus olhos se enchem de lagrimas novamente, porque nesse momento, me lembro do esforço que meus pais fazem para nos manter a salvos, lembro de que apesar de não ser milionários, nunca nos faltou comida na mesa, nem roupa para vestirmos. Sempre soubemos o que é ser amados sem medida e eles sempre nos ensinaram o valor da humildade. E agora estou aqui diante de uma casa que não faço ideia de quem é, pensando besteiras. Tudo por culpa de uma pessoa. Alex.

O que eu fiz para ele? Tudo bem que não nos suportamos, temos muita rixa que na verdade não sei nem de onde surgiu, mas por mais que eu fosse rica, jamais teria coragem de fazer o que ele fez. Eu não odiava o Alex e Melina, apenas não os suportava. Eles sempre fazem questão de jogar na nossa cara o quanto são ricos e o quanto sua dança é muito mais importante que o basquete. Por isso entramos em pé de guerra tantas vezes. Mas chegar a esse ponto? Isso já é demais até para ele.

Dou uma última olhada na enorme casa e resolvo ir embora antes que pensem que estou querendo rouba-la ou algo assim. Cruzo novamente a cidade e quando estaciono na calçada na frente da minha própria casa, um sentimento de vergonha se apodera de mim.

Não pelo fato de minha casa ser pequena ou não ter toda a riqueza e opulência da mansão que observava minutos atrás, senão todo o contrário, me envergonha ter desejado nem que seja por alguns segundos, ser tão rica quanto Alex e Melina. Eu nunca liguei para isso e o fato de estar afetada por tudo o que aconteceu hoje, me enoja.

Balanço a cabeça para dispersar esses pensamentos ridículos e coloco um sorriso tranquilo no rosto antes de passar pela porta de casa.

─Margo? Voltou cedo filha... aconteceu alguma coisa? –Mamãe pergunta surpresa enquanto termina de colocar o almoço na mesa. Respiro fundo para tentar não chorar e preocupá-la atoa.

─Ah sim, o treinador nos liberou mais cedo, tinha algumas coisas para fazer, acho... –Minto, pois não quero que meus pais percam suas noites de sono pensando no que vão fazer para que sua filha tenha uma boa educação.

─Que bom meu anjo, poderá almoçar com a gente hoje! –Diz animada e eu apenas concordo e subo direto para o meu quarto. Tranco a porta e sento na minha cama, as lágrimas descendo incessantemente pelas minhas bochechas. Eu não sou uma pessoa de chorar, porém hoje bati meu recorde. Mamãe está feliz porque por causa dos treinos, é muito difícil que almocemos juntos em dia de semana. Almoçamos em família somente nos finais de semana em que não tenho jogos programados. Essa é uma das coisas que sacrifiquei durante anos para me doar completamente ao time. Só de lembrar que estará tudo acabado depois do campeonato, meu peito dói novamente.

Fico quase dez minutos assim: chorando e tentando não pensar no que farei da minha vida quando sair do Santa Helena, até que escuto batidas suaves na porta.

─Margo? Está tudo bem, querida? –Dessa vez é a voz de papai quem indaga do outro lado. Droga.

Seco meu rosto rapidamente com a manga da blusa e torço para não estar com os olhos inchados antes de girar a chave e abrir a porta de madeira. Papai me observa desconfiado enquanto eu faço esforço para não parecer uma garota que acabou de se desidratar de tanto chorar.

─Estou bem papai, porque? –Pergunto depois de alguns segundos nos encarando.

─Carmem me disse que você subiu correndo para o quarto. Você nunca faz isso... achei estranho e vim ver se estava tudo bem.

Sempre fui muito aberta com papai, por isso ele sabe perfeitamente quando algo não está bem comigo. Não consigo me segurar por muito tempo e acabo derramando mais lágrimas ali diante dele.

O puxo para dentro do quarto e fecho a porta novamente.

─O que aconteceu filha? Você está me assustando... –Começa e um soluço acaba escapando do meu peito. Se minha intenção não era preocupá-los, falhei miseravelmente.

─Promete que não vai dizer nada para mamãe? –Rogo e ele apenas balança a cabeça preocupado, esperando que eu continue falando. ─O time de basquete vai ser dissolvido depois do campeonato do mês que vem...

A surpresa e a preocupação no seu rosto me deixam ainda mais triste.

─Isso quer dizer que...

─Que perderei minha bolsa esportiva.

Papai solta um suspiro pesado e seus braços envolvem o meu corpo em um abraço cheio de significados. Ficamos assim em silencio por mais alguns minutos. Cada um perdido no seu próprio mundo porem se apoiando no outro para não desmoronar.

─Nós vamos dar um jeito, filha. Eu prometo. –Declara e meu coração se entristece ainda mais. Papai nunca foi de desistir nem de se dar por vencido, e agora acabo de colocar uma preocupação a mais na sua cabeça e me odeio por isso.

─Está tudo bem papai, se eu precisar, voltarei para meu colégio antigo, veja pelo lado bom, vou poder passar mais tempo com vocês, com mamãe, Emma...

─Nada disso filha. –Me interrompe segurando meu rosto carinhosamente com suas mãos enormes e calejadas por conta de anos de trabalho pesado. ─Se precisar, conseguirei outro trabalho, mas você não vai voltar para aquele lugar, nunca mais.

─Mas pai...

─Nada de "mas pai". Eu sempre vou querer o melhor para vocês, filha, e jamais me deixarei abater. Vocês duas são os nossos tesouros, não quero que volte para as ruas... não mais.

─Obrigada pai. Sabe que amo muito vocês, não sabe?

─Sim meu anjo, nós sabemos. Agora vamos almoçar, que sua mãe daqui a pouco sobe para ver o que está acontecendo.

─Pai? –Seguro seu braço o impedindo de sair do quarto.

─Sim? –Pergunta e por mais que ele queria esconder, posso ver a preocupação no seu olhar.

─Não diga nada a mamãe. –Peço novamente e ele concorda.

─Não direi nada por enquanto, mas ela vai ter que saber quando acontecer.

Não consigo responder nada, apenas imito seu movimento de cabeça e respiro fundo, pensando em como vai ser difícil quando esse dia chegue.

O almoço corre normalmente, conversamos sobre várias coisas e mamãe pergunta algumas coisas do colégio. Eu e papai evitamos falar disso e sei que ela desconfia de algo, mas não diz nada, apenas muda de assunto. Pergunto a Emma como foi seu dia no colégio e ela faz uma cara amarrada, me deixando alarmada. Olho para mamãe e agora percebo que quem esconde algo de mim é ela.

─Aconteceu alguma coisa, mãe? –Pergunto com a sobrancelha levantada e ela olha para papai talvez pedindo algum tipo de conselho mudo sobre se deve ou não me dizer algo. Papai faz um sinal minúsculo com a cabeça indicando que ela continue e o que minha mãe me diz a seguir, acaba me trazendo a segunda decepção do dia.

─Alguns meninos zombaram de Emma na escola, disseram que ela era uma "estranha" e pegaram sua caneca...

─O QUE? –Me levanto da mesa em um pulo e Emma se encolhe na cadeira ao me escutar gritando. ─Como assim? –Digo com a voz mais suave para não assustar minha irmãzinha.

─Ela estava brincando com Austin na hora do almoço e alguns garotos se aproximaram dizendo que eles eram estranhos e que porque ela brincava com uma caneca, que isso não era normal, depois a tiraram das mãos dela e não quiseram devolver.

─Mas... as professoras não fizeram nada? Não os obrigaram a devolver a sua caneca? –Rosno e aperto a mesa com meus dedos tão forte que sinto algumas farpas entrando lentamente pela minha pele. Mas não ligo, a raiva que sinto nesse momento é muito maior do que a dor física.

─Eu liguei para a senhora Muriel e comentei com ela o que aconteceu, ela disse que Emma não disse nada a ela no momento, portanto não se pode saber se o que ela me contou é verdade.

─Eu não acredito nisso. Que classe de professora é essa? Emma jamais foi de mentir!

─Eu sei disso meu anjo, mas a professora realmente não viu o que aconteceu e...

Sem esperar que mamãe termine de falar, me levanto e paro do lado da minha irmã que olha para qualquer lugar, menos para mim.

─Emma, é verdade isso que você contou? –Pergunto o mais calma que consigo e ela balança a cabeça confirmando. Eu confio na minha irmã, sei que não está mentindo. ─Você sabe os nomes dos garotos que te atacaram? –Continuo interrogando e ela faz uma expressão de quem está pensando e depois de alguns segundos finalmente abre a boca para falar.

─Julian Cortez e Michael Philips. –Diz com sua voz fina e calma. Com isso basta para mim. Saio da sala e corro até a porta, pego minha jaqueta de couro, chaves da moto, documentos e algo de dinheiro. Esses dois garotos não sabem com quem estão se metendo.

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