Capítulo 3
─Eu não acredito que fizeram isso com você! –Amanda exclama furiosa. Como toda uma justiceira de plantão, minha amiga odeia que esse tipo de coisas aconteça e sempre faz o possível para remediar ou castigar quem faz maldade.
Nem bem estacionei minha moto, fui procurá-la para contar do episódio de ontem. Ela já sabia algumas coisas, mas não conhecia os "detalhes sórdidos", e como já era de se esperar, minha amiga quer matar a uma certa pessoa, assim como eu.
─Pois é. E o pior de tudo, é que andei a escola toda só de toalha, Amanda. E se alguém além de Alex e a diretora tivesse me visto? –Suspiro cansada. Quase não dormi a noite pensando nesse maldito. Como se já não bastasse a humilhação de ontem, meu cérebro resolveu me pregar uma peça das grandes.
Caminhamos lado a lado em direção às nossas salas de aula enquanto conversamos. O corredor está lotado de alunos apressados, tirando livros, cadernos e mochilas dos seus armários. Algumas líderes de torcida desfilam com seus pompons e laços exageradamente grandes nas cabeças. Apesar de parecerem ocas, algumas são até legais. Viajamos bastante juntos pelo fato de que elas animam nossa torcida, então acabamos criando certo vinculo de amizade.
Cumprimentamos algumas pessoas pelo caminho e finalmente chegamos nos nossos armários, que ficam também um do lado do outro.
Abro o cadeado com minha senha e pego meus materiais para a primeira aula. Continuo falando com Amanda que pega seu caderno e escolhe que canetas usar hoje, cada dia ela usa cores diferentes. Eu sei minha amiga sabe ser estranha quando quer.
Dou risada de algo que ela diz sem realmente prestar atenção e fecho a porta de metal com certa força para que tranque. O sorriso desaparece instantaneamente do meu rosto quando vejo quem se encontra bem do meu lado.
─Era só o que me faltava. –Rosno. Melina me observa com diversão nos olhos. ─Vamos Amanda, que de repente me deu vontade de vomitar. –Puxo minha amiga pelo braço e ela olha com a cara feia para a garota parada com pose triunfante. Um arrepio percorre meu corpo. Ela não veio aqui à toa, alguma coisa está acontecendo.
─Você já ficou sabendo da notícia Marjorie? –Pergunta olhando para suas unhas grandes perfeitamente pintadas. Essa garota não deve nem limpar a bunda sozinha. Olha o tamanho dessas unhas!
─Não e não me interessa saber. –Me dou o trabalho de responde-la e Amanda só falta soltar fogo pelas ventas.
─Ah, esqueci, vocês são tão insignificantes que a diretora deve ter pensado que nem valia a pena avisá-las. –Continua fazendo seu mistério e minha paciência vai se esgotando cada vez mais.
─Vai dizer de uma vez o que é ou vai ficar fazendo doce para o nosso lado? –Amanda solta e uma risada escapa pela minha boca.
─Quer saber, acho melhor deixar para lá, vocês irão descobrir de qualquer maneira... –Ri. A garota nos observa por alguns milésimos de segundos e depois simplesmente se vira e caminha na direção contraria à nossa.
─Essa menina deve tomar agua sanitária no café da manhã... –Amanda sussurra.
─Só isso explicaria o fato dela ser louca. –Completo e entramos na nossa sala.
A primeira aula é de matemática. Até que eu gosto da matéria, mas a minha predileta é biologia. Adoro conhecer sobre o corpo humano, as doenças, os processos das células e tudo o que as envolve. Quando eu terminar o colégio, pretendo fazer faculdade de medicina e me especializar em genética. Eu sei, é um sonho difícil, mas não impossível.
As aulas passam em uma velocidade incrível, e quando percebemos, o sinal para a última aula toca, indicando que os alunos estão livres para voltar para suas casas. Menos nós do "Athena Warriors" que treinamos praticamente todos os dias depois das aulas.
Depois de guardar nossos materiais novamente nos armários, pegamos nossa bolsa com os uniformes e roupas de treinar e nos dirigimos até a quadra.
Conversamos sobre a aula de física e como o professor quase coloca um babaca que estava enchendo o saco de uma garota para fora. A cena foi tão engraçada que só de lembrar caímos na risada. O moleque suando de medo de que chamem os pais e a menina se segurando para não rir dele.
Entramos na quadra ainda rindo da cena, mas o sorriso escapa do nosso rosto imediatamente quando vemos o clima que inunda a quadra e o nosso time inteiro.
─O que aconteceu? Parece que estamos em um velório... –Sussurro e Amanda concorda com a cabeça. Uma sensação ruim se apodera do meu corpo, algo como uma premonição de que algo não está certo.
O treinador ao nos ver, caminha lentamente até parar bem diante de nós.
─Amanda, preciso que me acompanhe até a direção... –Diz com o semblante sombrio e a respiração pesada.
─P-porquê? O que aconteceu treinador? –Pergunta temerosa.
─Não é nada com você, não precisa se preocupar com isso.
─Então o que é?
─Vamos, você já vai descobrir. –Sem esperar por resposta, caminha até a porta de entrada e dou um empurrão em Amanda para que o siga e ela me olha desesperada.
─Vamos? –Implora e eu a acompanho sem nem pestanejar.
Caminhamos em silencio até a sala da diretoria, como se estivéssemos dentro de uma marcha fúnebre. Amanda me olha assustada e eu tento parecer o mais confiante possível.
Alguns alunos que fazem outras atividades extracurriculares nos olham de soslaio enquanto cruzamos praticamente todo o colégio para encontrarmos com a diretora.
Conforme vamos chegando mais perto da sala, meus batimentos cardíacos vão aumentando consideravelmente, tanto que tenho que respirar fundo algumas vezes para me acalmar.
Quando já estamos a alguns metros de distância, Amanda pega na minha mão e a olho curiosa.
─Fica calma, talvez não seja nada. –Tento tranquilizá-la, mas ela balança a cabeça em negação.
─Você não viu a cara do Rogers? Eu sei que tem algo acontecendo e ele não quer nos contar. –Sussurra e concordo. Ele estava com o semblante tão triste que me deu pena vê-lo assim. Até pensei que era algo com Emily e tenho que confessar que me senti um pouco melhor quando soube que era com Amanda o problema.
Finalmente chegamos na sala da diretora e nos anunciamos ante a secretaria que depois de lançar um olhar de reprovação a nós três, aperta um botão no interfone e avisa que estamos aguardando a senhora Manson.
─Podem entrar, apenas Amanda e o senhor Rogers. –Indica e eu levanto os ombros.
─Mas... –Amanda começa porém a interrompo antes que se arme uma confusão aqui.
─Vai tranquila Amanda, vou ficar sentadinha aqui te esperando, ok? –Digo com as mãos em cada ombro e ela balança a cabeça concordando. A diretora abre a porta e os dois entram cabisbaixos, desaparecendo depois que a diretora fecha a porta novamente.
Como prometi, sento em uma das cadeiras e espero pacientemente. Para não ficar entediada, pego meu celular e procuro meu joguinho predileto: tetris.
Conforme os minutos vão passando, a tensão vai aumentando e também minha curiosidade. O que será que está acontecendo? Não pode ser nada com Amanda, pois ela assim como eu, é uma aluna exemplar, apesar de não precisar de bolsa, já que os pais têm dinheiro suficiente para comprar esse colégio. Amanda é daquele tipo de pessoa que por mais rica que seja, é gentil, humilde e carinhosa. Nunca desprezou ninguém e virou minha amiga quase que instantaneamente quando cheguei aqui. E eu a amo muito por isso.
Ao contrário de muitas pessoas desse colégio, minha amiga não deixou que o dinheiro da família subisse pela cabeça.
Quase meia hora se passa e ainda estão lá dentro conversando. Minhas mãos estão suadas de tanto nervosismo. Passo as palmas na blusa para secar e guardo meu celular. Não consigo mais me concentrar sequer para jogar.
Me levanto e dou alguns passos para me acalmar. A secretaria me observa sem dizer uma palavra sequer. Uma vontade insana de mostrar a língua para ela surge dentro de mim, mas tenho que me controlar, afinal, não sou mais uma criança.
Caminho de volta até a cadeira aonde estava sentada até minutos atrás e quando estou por sentar novamente, a porta da diretoria se abre com força e Amanda sai de dentro da sala gritando um monte de palavras desconexas e praticamente correndo.
Pego minha bolsa rapidamente e corro atrás dela. Preciso saber o que aconteceu.
Demoro um pouco até conseguir alcançá-la, mas quando finalmente consigo, a encontro sentada na escada da entrada do colégio.
O que mais me impressiona não é sua atitude e sim as lagrimas descendo continuamente pelas suas bochechas que adquirem um tom rosáceo seguramente pelo choro.
─O que aconteceu Mandy? –Digo suavemente enquanto me sento do seu lado. Eu rara vez a chamo pelo apelido carinhoso, mas estranhamente senti que no momento precisava dele.
─E-eles são... uns.... filhos da...puta! -Diz entre soluços e meu coração se quebra em mil pedaços ao ver minha amiga assim.
─Eles quem? –Insisto. Estou muito confundida.
─A di-diretora e aquele... aquele idiota do Estensoro. –Meu corpo inteiro se arrepia ao escutar o sobrenome. O que aquele babaca fez dessa vez?
─O Alex? O que ele fez para você? Me fala de uma vez Amanda, porque estou a um pouquinho de dar uma surra nele e...
─O Alex não, aquele pai dele que acha que pode comprar tudo!
Isso é novo. Agora estou ainda mais perdida nessa história.
─Mandy, sei que está triste, mas eu não estou entendendo nada, por favor pode me explicar tudo desde o começo? –Peço carinhosamente e ela me lança um olhar enigmático. Imediatamente mais lágrimas caem dos seus olhos. Levanto uma sobrancelha e ela me abraça apertado. Estranho.
─Eles vão destruir a quadra para construir uma porcaria de um auditório que vai funcionar como teatro e palco de shows. Depois do campeonato, o time vai ser dissolvido. –Solta tudo de uma vez e eu desejo não ter insistido para que ela me dissesse o que estava acontecendo.
─O-o que? –É o único que consigo pronunciar. Porque fariam isso? O time é nossa vida, damos nosso suor e lagrimas por ele, perdemos dias de lazer com nossas famílias e amigos para treinar, nos machucamos, sentimos dores, sacrificamos muitas coisas para estar no nível que Santa Helena exige! Não é justo!
Me levanto de repente e caminho para um lado e para outro, como um leão enjaulado. Me sinto presa. O ar escapa lentamente dos meus pulmões. Se o time se dissolve, isso significa que... minha bolsa esportiva.
─Merda! –Grito e dou um chute em uma lixeira que cai fazendo um barulho estrondoso. ─Merda! Merda! Merda! –Continuo chutando até que o objeto de metal está completamente amassado. Mas eu não ligo, o que é uma lixeira amassada perto do caos que vai se instalar na minha vida?
Volto até onde estava Amanda, mas a pessoa que encontro ali, é a última que quero ver nesse momento.
─Você! –Grito apontando o dedo para Alex, que me olha com a sobrancelha levantada. ─Foi você não foi? –Nem preocupo em me explicar, ele já deve saber muito bem do que estou falando.
Alex não me diz nada, apenas me observa enquanto me aproximo cada vez mais, pisando tão duro que as solas dos meus pés chegam a doer.
─Eu vou te matar! –Grito quando estou a uma distância bem curta do garoto.
─Quero ver tentar. –Diz simplesmente e solta uma risada rouca, que mais parece uma risada dada pelo mesmíssimo diabo em pessoa.
Nesse momento não consigo pensar coerentemente, só sei que minha raiva é tanta que quando dou por mim, vejo Alex segurando o seu nariz e gritando que sou uma louca.
Eu dei um soco nele? Pelo visto sim. E não me arrependo.
─Isso, é para você aprender a não se meter comigo. –Digo com uma calma que realmente não sinto no momento.
─Você é louca garota! –Grita novamente e entra na escola me deixando sozinha com meus pensamentos. Já não me importa se ele disser para a diretora que bati nele, o time vai ser dissolvido de qualquer maneira e terei que mudar de escola, de amizades, de vida.
Caminho no piloto automático até os fundos do colégio e me encosto na parede, descendo lentamente até o chão. Meus olhos se enchem de lágrimas e tento impedi-las de cair, mas meu esforço é em vão já que segundo depois estou chorando como um bebê.
Minha mente se enche de memorias de todos os anos que passei no colégio, das amizades que fiz, dos campeonatos ganhados pelo nosso time, dos momentos de felicidade que sentíamos ao segurar mais um troféu. Como podem tirar isso de nós? O dinheiro sempre mandou e sempre vai mandar nas pessoas, e isso é tão triste que faz meu coração doer. Por mim, por Amanda, e pelas outras garotas do time, algumas que assim como eu também dependem de uma bolsa estudantil.
Me sinto terrível. Meu peito dói, e minha respiração está cada vez mais rápida. E o pior de tudo, é que me sinto péssima por ter dado um soco em Alex. Eu posso ameaçar e sentir vontade de bater nele muitas vezes, mas nunca tinha de fato partido para cima dele desse jeito. Isso me causa uma vergonha imensa. Me faz crer que sou pior que ele e não gosto nada dessa sensação.
Abaixo minha cabeça e a coloco entre minhas pernas, tentando controlar a onda de soluços que me ataca. Respiro fundo uma, duas, três vezes e quando decido que estou "bem" o suficiente para voltar para casa, me levanto e volto para a entrada do colégio. Tiro minha chave da bolsa e ligo minha moto, saindo rapidamente dali.
Quando estou quase chegando no asfalto, a imagem de Alex aparece no meu retrovisor e respiro fundo novamente.
Parabéns garoto, você acaba de provar o seu ponto. Eu não pertenço nesse lugar e nunca pertencerei.
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