Capítulo 19

Os dias passaram rápido e estamos a apenas três dias do campeonato. O time inteiro está se preparando e tento em vão tranquilizar as meninas e passar a sensação de que tudo vai sair bem.

Elas confiam em mim e em Amanda, então treinamos mais do que conseguimos aguentar. Não vejo Alex a alguns dias, e sinto uma saudade gigante. Quem pensaria que eu viraria namorada do garoto que roubou minhas roupas quando nos conhecemos?

Envio algumas mensagens para ele enquanto caminho em direção à quadra. Hoje o treino vai ser somente estratégico, então poderemos ir embora mais cedo. Graças aos céus, o treinador resolveu nos dar um dia de descanso, senão chegaremos totalmente esgotadas para o jogo em questão.

“Que hora podemos nos ver, gato?” - Pergunto. A resposta vem em seguida.

“Hoje não vai dar, tenho que ensaiar para o concurso de dança…” -Não gostei disso. Se ele tem que ensaiar, é com Melina. O que mais me dá raiva, é que não posso exigir que ele fique longe da cobra cascavel, já que não gostaria que ele me afastasse de Marcel, e também não seria correto. Cada um deve ter liberdade e confiança no outro.

“Tudo bem… me liga mais tarde então?”

“Claro. Se cuida e não se esforce demais viu?”

Releio a última mensagem e guardo o celular no bolso da jaqueta. Por enquanto não nos chamamos por apelidos carinhosos, e para ser sincera, não ligo. O que me importa, é saber que ele gosta de mim e me respeita, isso é o suficiente.

Quando chego na quadra, o time está sentado em um círculo enquanto Rogers repassa algumas jogadas em um quadro branco. Me sento em silêncio e Amanda se senta ao meu lado segundos depois sem dizer uma palavra sequer.

Estudamos todas as possibilidades de jogada, estratégias e passes para ganhar do oponente.

Minha cabeça dói de tanto falatório do treinador. Ele nos dá palavras de incentivo e de coragem. Afinal de contas, somos as Athena Warriors! Somos guerreiras e não vamos nos deixar vencer por nada nesse mundo.

Depois de outra meia hora, finalmente ele fica em silêncio. Chego até a escutar um zumbido no ouvido.

—Bom garotas, estão liberadas. Durmam bem, não comam besteiras e por favor, não bebam bebidas alcoólicas, caso contrário estão vetadas do campeonato. –Ameaça e todas o olhamos assustadas. É claro que não beberei nada, mas o tom que ele usou, me deu um pouquinho de medo.

Algumas meninas se olham decepcionadas. É garotas, nada de álcool por enquanto. Nos despedimos e cada uma pega o seu rumo de casa.

Caminho com Amanda até o estacionamento e percebo que ela está muito calada, o que não é nada normal.

—Tudo bem? -Pergunto quando estamos quase chegando na minha moto.

—Sim… só estou cansada. -Mente na cara dura.

—Amanda, te conheço bem o suficiente para saber que essa sua cara de cachorro que caiu da mudança não tem nada a ver com cansaço. -Brinco e ela me responde com um olhar assassino.

—Não enche meu saco, Margo. -Solta me deixando totalmente surpreendida. Não sei nem o que responder a isso, então a observo com os olhos arregalados. Alguns segundos depois ela balança a cabeça e algumas lágrimas escapam pela sua bochecha. Agora sim estou preocupada. —Me desculpa amiga, não deveria te tratar assim. -Sussurra e me olha envergonhada.

—O que aconteceu Mandy? Pode contar comigo para o que quer que seja. -A abraço e ela chora ainda mais.

—É o Marcel. -Começa e um calafrio percorre todo o meu corpo. —Eu não o entendo sabe? Primeiro ele diz que gosta de mim, me manda mensagens, e quando nos encontramos no corredor, ele simplesmente finge que nem me conhece! Eu sabia que ele era babaca, mas não pensei que chegaria a esse ponto. -Confessa e minha vontade nesse momento é de dar uns tapas naquele idiota. Eu não deveria ter sequer passado o telefone dela para ele.

—Eu vou matar aquele desgraçado! -Minha voz sai tão ameaçadora que agora quem arregala os olhos é Amanda.

—Não faz isso Margo, não pode arrumar confusão tão perto do campeonato. Se você for suspensa estamos ferradas! -Argumenta e tenho que admitir que ela está certa. Mas isso não me impede de falar umas poucas e boas para o babaca.

—Tudo bem, você tem razão, mas o Marcel vai me escutar, ah se vai! -Ela concorda e me despeço com um abraço. Preciso levar mamãe no psicólogo e depois buscar Emma do colégio, então tenho que ir logo para casa.

Chego em poucos minutos e buzino algumas vezes para que mamãe saia.

Quatro buzinadas depois ela aparece na porta com as chaves na mão e a bolsa no ombro. Tranca a porta e depois o portão.

Lhe entrego o capacete reserva e ela engata a fivela no lugar. Segundos depois estamos no trânsito novamente.

Depois que papai morreu, nenhuma de nós foi a mesma. Mamãe começou a se consultar com um psicólogo e Emma, apesar de não entender completamente a magnitude da situação, também ficou mais fechada. Ela já se consultava com um profissional por causa do Asperger, então o que fizemos foi comunicar com a doutora para que trate de fazê-la entender que infelizmente esse é o ciclo inevitável da vida.

Estamos vivendo um dia de cada vez, para não cair em um poço de tristeza. Papai faz tanta falta, que às vezes sinto que uma mão aperta meu peito até que a dor se torna real. Mas como Alex disse, precisamos nos esforçar para lembrar apenas dos momentos felizes dele e sei que pouco a pouco, essa dor vai se transformar em apenas saudade.

Balanço a cabeça e mudo meu foco para Marcel e Amanda. Ele me paga. Quem pensa que é para tratar minha amiga como uma qualquer?

Minutos depois, estacionamos na frente da psicóloga e mamãe diz que posso ir buscar Emma, que ela volta de táxi mesmo.

Em questão de minutos estou na portaria do colégio e Emma caminha lentamente até parar do meu lado.

Lanço um sorriso e um beijinho para ela, que franze o cenho. Emma como qualquer criança não gosta de demonstrar afeto em público comigo ou com mamãe.

Lhe entrego o capacete e ela sobe rapidamente na moto, me abraçando como a ensinei e pego o caminho de casa.

********

"Como foi o treino?"

A mensagem de Alex chegou enquanto tomava um banho, então acabei demorando para enviar uma resposta.

"Está aí?"

A segunda chega bem na hora que desbloqueio o celular para respondê-lo.

"Oi, estou sim. Estava tomando um banho. O treino foi cansativo como sempre… E o ensaio, deu tudo certo?"

Meu estômago chega de revirar com medo da próxima mensagem.

Eu confio muito em Alex, agora de Melina não posso dizer o mesmo. Sei que ela é uma cobra e pode atacar a qualquer momento.

Quem diria, eu Marjorie Evans, sofrendo por amor…

"Felizmente sim. Estamos preparados para o concurso, Melina está fazendo aulas intensivas."

Somente o nome dela já me deixa com o corpo fervendo e uma vontade insana de dizer qualquer quantidade de coisas  àquela loira oxigenada.

"Hum… que bom."

Não digo mais nada, para não criar uma briga sem sentido, mas pelo visto Alex me conhece muito bem.

"Por acaso está com ciúmes, Marjorie?"

"Eu? Jamais."

"É bom mesmo, porque sabe de uma coisa? Enquanto ensaio, há uma só pessoa que invade meus pensamentos…"

Um sorriso involuntário enfeita meu rosto e me perco nas palavras que leio na tela do celular.

É incrível como esse garoto se infiltrou na minha cabeça, me deixando totalmente desorientada.

"Ah é? E quem será a sortuda?"

Decido brincar um pouco, para aliviar a tensão por causa do jogo e da saudade de Alex, dos últimos dias.

"É uma garota tão marrenta, acredita que ela teve a coragem de bater nesse meu rostinho lindo? Mas sabe… Ela é tão linda e por mais que queira pagar de durona, tem um coração enorme."

Agora sinto que meu rosto não é grande o suficiente para caber o sorriso que ficou ainda enorme.

"Está aí ainda ou desmaiou?"

A resposta brincalhona me traz de volta e me apresso a digitar algo que faça sentido.

Se bem que já cansei de me comunicar com ele por mensagens.

Decido ligar para Alex. Preciso escutar sua voz.

Procuro o seu contato e segundos depois escuto o tom de chamada.

Alguns segundos depois, ele finalmente me atende.

—Não resiste a mim, verdade? –Brinca e bufo indignada com essa habilidade de adivinhar as coisas que ele tem.

—Sinceramente? Não. Além do mais, senti saudades. Quero te ver Alex.

Como sempre vou direto ao ponto e escuto sua risada rouca do outro lado da linha.

—Pois saiba que eu também não resisto a você e também estou morrendo de saudades. Que tal se vamos ao cinema? –Pergunta e tento lembrar rapidamente se tenho algum compromisso.

—Seria perfeito. Que tal nos encontrarmos às sete horas? Tenho que fazer algo antes disso e voltar para casa seria perda de tempo.

—Tudo bem! Nos vemos às sete então! E Marjorie? –O garoto faz uma pausa que me deixa curiosa e apreensiva ao mesmo tempo.

—Sim? –Pergunto nervosa.

—Eu… escolho o filme. –Suspiro um pouco decepcionada. Das milhões de coisas que pensei que ele diria, essa nunca havia me ocorrido.

—Vai sonhando. –Respondo e desligo na sua cara para evitar dizer algo do que possa me arrepender mais tarde.

Respiro profundamente e tento não ficar paranóica. Nunca fui assim, mas essa coisa de namorados é tão nova para mim…

Decido não pensar mais no que Alex realmente queria dizer e chamo Emma para ver um filme.

Faço pipocas e um suco e peço que ela procure algo para vermos, já sabendo perfeitamente o que minha irmãzinha vai escolher.

Quando a última cena de Valente termina, dando lugar aos créditos do filme, mamãe passa pela porta com algumas sacolas nas mãos.

Dá um beijo em Emma e outro em mim e se dirige até a cozinha para guardar as compras.

Me levanto e corro para ajudá-la.

—Uau! Quanta coisa… –Observo enquanto guardo tudo, me perguntando de onde ela tirou dinheiro para comprar tudo. —Finalmente recebeu o salário atrasado?

Quando papai morreu, tivemos que pedir um empréstimo para pagar os gastos do funeral, já que de acordo com a empresa que ele trabalhava, ele não sofreu um acidente de trabalho portanto não pagariam nada além do seguro, que apenas alcançou para comprar o caixão.

O empréstimo acabou consumindo quase todo o salário de mamãe e para ajudar, a empresa começou a atrasar os pagamentos.

Fiz de tudo para tentar ajudar, mas fui proibida de trabalhar. Mamãe me disse que tudo estaria bem e que eu me preocupasse com meus estudos e nada mais, no entanto, todos os dias, penso em uma forma de ajudar.

—Acho que me pagaram sim… fui ao banco ver como estava meu saldo e quase caio quando vi o valor que tinha na minha conta.

—Serio? Que ótimo mãe! Tomara que não se atrasem mais. –Dou um beijo estalado no seu rosto, ficando feliz e um pouco mais tranquila.

—Tomara mesmo filha. Irei tomar um banho e depois virei fazer a janta, o que quer comer hoje? –Pergunta enquanto lava as mãos na pia.

—Na verdade, tenho que fazer algumas coisas de tarde e depois irei ao cinema com Alex. Tudo bem? –Recebo um olhar cúmplice acompanhado de uma risadinha e sinto meu rosto ficar quente, provavelmente corando.

—Se divirta filha e por favor, use proteção. –Agora sim sou pega de surpresa.

—Mãe! –Minha voz sai como um graznido e ela cai na risada. —Eu e Alex, nós ainda não…Eu…Ah quer saber? Eu vou ver como está Emma.

Escapo para a sala completamente envergonhada.

Algum desenho bobo passa na televisão, mas a única coisa que passa pela minha cabeça é o fato de que em algum momento, Alex vai querer dormir comigo. Isso me deixa com medo e ansiosa. Eu sei que ele respeita meus tempos e aquele dia que dormimos juntos, ele não quis fazer nada comigo porque sabia que eu não estava bem, mas já passou tempo e talvez ele queira algo mais sério. Será?

A dúvida martela na minha cabeça e tento me acalmar e não pensar mais nisso. Que aconteça o que tiver de acontecer e se eu ainda não estiver preparada, sei que ele vai entender.

******

De banho tomado e vestida para sair com uma calça preta, blusa cinza e a jaqueta de couro preta de sempre, me despeço das duas mulheres da minha vida e subo na minha moto.

Dirijo meio aérea por tudo e quando chego na oficina que conheço tão bem,

Marcel vem ao meu encontro.

Mandei uma mensagem antes de sair, dizendo que precisava falar com ele.

Sua resposta veio meio desconfiada mas mesmo assim não disse o que era.

—Margo, ao que devo a honra da sua presença? –Pergunta me abraçando. Não vou cair nesse charme dele. Preciso saber o que está acontecendo e porque trata Amanda daquele jeito no colégio.

—Você que vai me dizer, Marcel. –Minha resposta sai seca, expressando como me sinto nesse momento.

—Não entendi gata… está tudo bem? –Levanta uma sobrancelha.

—Porque trata Amanda como se não a conhecesse quando estão na escola? Está entendendo agora ou quer que desenhe? –Agora sim a rispidez toma conta de mim e a expressão do garoto passa de confiante a assustada em questão de segundos.

—Margo, não é nada disso que está pensando. –Começa e agora quem levanta a sobrancelha sou eu.

—Então me ilumine, por favor. –Cruzo os braços e espero que ele organize seus pensamentos antes de finalmente começar a falar.

—Você sabe que eu gosto muito da Amanda, não é mesmo? Assim como também sabe da minha fama de… bem, de galinha. Eu fingi que não a conhecia apenas para protegê-la. Se souberem que ela está comigo, vão começar a dizer um monte de coisas sobre ela e não quero ter que bater em todo mundo. Eu ia dizer a ela o porquê da minha atitude mas ela não responde as minhas mensagens nem nada... –Confessa e sou obrigada a rir. Então é por isso?

—Marcel, cabe à Amanda saber como vai lidar com as fofocas! Posso te garantir que ela ficou muito pior por ter sido ignorada pelo cara que ela gosta, do que ficaria se soubesse algum rumor sobre ela e…

—Espera! Ela gosta de mim? –Tarde demais, percebo que falei o que não devia.

—O que acha Marcel? –Não adianta mentir. Esses dois só faltam se comer com o olhar cada vez que se encontram. —Agora que já sabe que fez merda, por favor converse com ela e se resolvam, porque a final do campeonato já está chegando e não quero minha amiga desconcentrada por sua culpa! –Dou um tapa de brincadeira no seu braço e ele sorri feliz provavelmente pela informação que deixei escapar sem querer.

—Obrigado Margo! Quando nos casarmos, você será a madrinha! –Pisca um olho e solto uma gargalhada.

—Não viaja garoto. Agora se me der licença, tenho um encontro.

Me despeço de todos e pego o rumo do cinema.

Como esse garoto pode ser tão bonito e tão novo ao mesmo tempo? Como ele pôde pensar que Amanda ligaria se falassem dos dois?

Dou risada novamente pensando na reação dela quando souber a verdade.

Eu tinha medo de que Marcel viesse com alguma história sobre ser um homem livre e todas essas baboseiras, más confesso que ele me surpreendeu positivamente e me deixou mais tranquila agora que sei que realmente gosta da minha amiga.

Chego no cinema e vou até o estacionamento. Pago o pedágio e deixo minha moto no lugar específico.

Caminho ainda rindo para dentro do lugar e pego meu celular para avisar a Alex que já cheguei.

Estou por enviar uma mensagem quando o vejo. Ele está de costas para mim, um pouco longe, porém consigo distinguir perfeitamente o seu corpo do resto das pessoas. Por ele ser alto, fica bem fácil na verdade.

Me preparo para dar um susto nele, quando de repente, Melina surge do nada com uma garrafa de água nas mãos e o abraça. Sinto meu sangue ferver, tento me controlar, já que acabo de abraçar Marcel, como amigos é claro, mas o controle vai pelo ralo quando a loira rodeia o pescoço de Alex e o beija, bem ali no meio do lugar, sem nenhum tipo de discrição.

Sinto meus olhos se encherem de lágrimas e me viro para escapar dali o mais rápido possível, mas como o karma não está do meu lado, acabo batendo em uma funcionária que levava uma bandeja com restos de comida. O estrondo acaba chamando a atenção de todo mundo, incluindo das duas pessoas que não quero ver nunca mais.

—Marjorie! –A voz de Alex chega a fazer eco no lugar.

Balanço a cabeça enquanto as lágrimas escorrem pela minha bochecha. Nesse momento agradeço por não gostar de me maquiar, do contrário, estaria horrivel.

Sem dizer nada, caminho rapidamente até o estacionamento e solto um grito de raiva. Como se fosse pouco, sinto pequenas gotas frias tocarem meu corpo e de repente um dilúvio começa a cair me deixando ainda mais chateada.

Subo na moto e tento dar partida, mas a maldita chuva deixa o pedal liso e derrapo algumas vezes.

—Marjorie, espera! –Ouço Alex gritar e chuto o pedal com força antes de dar partida novamente. —Me deixa te explicar por favor! –Ele se aproxima ainda mais e quando está quase chegando, finalmente consigo ligar a bendita moto, saindo em disparada pela cidade.

Não quero chegar em casa nesse estado, então só há um lugar que pode me acalmar nesse momento.

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