Capitúlo 1
O fato inquestionável é que eu me tornei o maior bobão da história de todos bobões.
Misha não é a minha namorada, minha amiga de balada ou minha vizinha do lado. É carta fora do baralho. Ela nunca visitou a minha sacada, nunca nem entrou na minha casa.
Misha é a garota da nota oito em matemática, do bloco de notas, da caneta laranja e da camisa listrada. Joga sinuca e fala com a lua.
Ela gosta do silêncio, por isso reivindicou a sombra da enorme árvore que fica ao lado do pátio do colégio. É seu destino na hora do intervalo. Fica horas perdidas em amores fictícios, beijos roubados e felizes para sempre. Mal ela sabe que é a protagonista principal do meu pequeno conto de amor (quase) platônico.
Eu acho que ela sabe que eu gosto dela. Eu sou óbvio demais. Já dei muitos sinais.
- Qual é, Kent, já falamos sobre isso! — reclamou ela quando me viu chegando. Sugou o resto do suco pelo canudinho, me encarando o tempo todo.
- Sobre o quê? Me ilumine, por favor. - Fingi desentendimento.
- As regras da leitura, ora.
- Ah, não falar com você, não chegar perto de você e fingir que você não existe? - Enumerei nos dedos. - Desculpa, sou péssimo em seguir suas regras.
- Você é mesmo ótimo em desobedecê-las. - Ela concordou com um suspiro derrotado, sabendo que não me convenceria a ir embora.
- Nisso eu sou bom. - Tentei sorrir o mais charmosamente possível, mas se Misha fosse só um pouquinho mais esperta ela saberia que aquele meu sorriso era de total desespero por não saber o que falar direito.
Sentei meio largado de frente para ela e ataquei minhas batatas fritas, segurando seu olhar investigativo que estava mais para uma careta fofa de "você quer mesmo competir pela minha atenção com Edward Cullen?" E ergueu sua edição já desgastada de Crepúsculo como quê pra mostrar o seu ponto. "Não tenho nada a perder", foi minha resposta.
Misha sempre suspirava com minhas respostas espertinhas. No fundo eu acho que ela gostava que eu enchesse seu saco de farinha.
Nunca tive problemas para falar com as garotas, só que falar com Misha embaralhava minha língua, me deixava nervoso e falante. E quando eu não falava nada, só ficava ao lado dela apreciando o som do silêncio que saia de sua boca. Eu brincava tanto de desenhar seu rosto nas nuvens. As vezes eu via um mamute.
Para um cara apaixonado eu sou meio abobalhado.
E eu até gosto disso. Mesmo sabendo que Misha é um risco. Para o meu coração. Então.
Se amar fosse como uma daquelas competições de nado sincronizado, já teria morrido afogado. Mas até que estava me saindo bem, contando que eu não fosse atropelado por um trem.
Se eu pudesse me comunicar telepaticamente com ela, eu não precisaria gastar saliva dizendo que seu nome combina com baliza. Ela iria rir dizendo que eu sou engraçado, e falar que na verdade seu nome rima com salsicha.
Misha combina com várias coisas. Com maresia, cortesia, delícia e profecia. Não preciso nem rimar pra dizer que ela combina mais comigo.
Eu sempre a observo comer seu churros com suco de Maracujá e ela sempre me diz para desviar o olhar. Suas bochechas coram quando eu a encaro. Ela também cora quando eu elogio suas pequenas sardas, mas nada diz a não ser um ligeiro obrigada.
Nas segundas feiras, Misha vai para a academia e eu para a galeria de artes.
Nas terças, Misha anda de patins no final da tarde e eu costumo alugar uma bicicleta e segui-la sem rumo pelas estradas da cidade. Pedalamos por horas a fio, cada um com os seus próprios fones nos ouvidos. Lado a lado, como tem que ser.
Nas quartas, Misha come bolinhas de queijo na padaria da rua 27 com sua amiga mais antiga e as vezes eu ela me convida para ir junto.
Nas quintas, Misha faz aulas de violão e balé. Eu divido o meu tempo entre a informática, póquer e café.
Nas sextas, a aula de educação física são, literalmente, uma tortura física. As pernas de Misha são, no mínimo... Como posso dizer? Desconcertantes. Não que eu esteja observando, mas é que não passa despercebido. Espero que seja para todos os outros. Mas o que chama a atenção é ela fazer parte do time feminino de futebol e sua incrível habilidade em ser muito ruim em sua posição de atacante. É alarmante. Já levei duas boladas na cara, mas não me importo. O pedido de desculpa com um beijinho no meu rosto compensa tudo.
Sábado e domingo eu apenas existo, até porque nem tudo gira em torno de Misha. Era raro nada girar em torno dela, mas eu conseguia de vez em quando.
Na hora dos intervalos na escola lá íamos nós para a sombra debaixo da árvore, ora dividir o silêncio ora conversar sobre casamento. Dos outros. Não nosso. Que pena. Eu não sou tão louco também.
Era engraçado como ela falava de dinossauros e, de repente, mudava o assunto para discos de vinis e patos. Eu, do meu lugar, continuava com minhas observâncias, e ela alimentava a esperança de que eu não ia me apaixonar ainda mais.
Eu me apaixonei de birra. Só porque ela não queria. Me apaixonei pelos detalhes de Misha. Ela é a garota mais linda que eu já conheci na vida.
Misha é a criatura mais estonteante e bela da escola inteira. A rainha do drama. Minha garota em chamas. Dona de uma beleza matreira. Eu quase tenho certeza de que seus olhos cor de âmbar guardam a fonte da esperteza. Misha e seus cabelos curtinhos, seus olhos grandes e famintos sempre me despertava uma vontade insana de viver beijando sua boca que, de vez em quando, ostentava um charmoso baton vermelho.
Como capitão do time de futebol eu sabia dominar uma bola dentro de campo como ninguém. Mas ainda não havia aprendido a controlar meus batimentos cardíacos sempre que Misha desfilava pelo corredor ou quando a gente se esbarrava na aula de natação.
Meu objetivo de vida é levá-la para ver o pôr do sol lá de cima da pedra do Caracol. Cantar para ela em Espanhol ou se ela preferir, poderia transformá-la em acordes de música e rimá-la com girassol.
Sempre fui ousado e comunicativo. Gosto de estudar história, de vez em quando, beber vinho escondido dos meus pais. Um dia ouvi Misha dizer que me achava um exibido. Já sussurrei em seu ouvido que amo seu jeito esquisito de combinar um cachecol azul com um vestido com desenhos de bolinhos. Ou quando veste suas calças e blusões folgados que quase me fazem confundi-la com meus amigos. Felizmente, ela fica linda até vestida de saco de lixo. Se pudesse, ela já teria me jogado no Rio Nilo.
Sério, ela fica uma graça quando fica sem graça. Principalmente quando eu sento ao seu lado no banco da praça perto de onde ela mora. O sorveteiro adora e ri dos esforços desse jovem apaixonado. Misha sempre pede o mesmo sabor de sorvete de casca com sabor de chocolate. Eu peço o mesmo e conversávamos até tarde.
Me acostumei tanto a pensar nela que quando não penso parece que esqueci alguma coisa em casa, tipo meu celular na tomada.
Tem gente que me irrita fácil,
Tem gente que me faz bem fácil,
E tem Misha. Que faz os dois.
Misha não foi paixão à primeira vista. Talvez foi à quarta. Ou à quinta. Ela não é estatística, uma parte da minha vida e sua mãe não se chama Patrícia. A mãe dela se chama Alícia.
Eu estava de frente para o meu armário, catando os livros e pensando nos cálculos de física da aula seguinte, quando alguém deu um soco nas minhas costas, trazendo-me de volta para a terra.
- Pare de envergonhar todos os homens do planeta e vá falar com ela. - Meu amigo me incentiva, pelo que devia ser a quinquagésima vez só essa semana, quando vimos Misha saindo da biblioteca carregando uma pilha de livros nos braços com um cuidado materno. - Olha lá, é a sua chance. Eu juro que se você não tomar uma atitude, eu mesmo vou lá e dou beijão nela pra você deixar de ser frouxo.
- Você não teria coragem.
- Mermão, se você é doido, eu sou doido e meio.
- Te odeio tanto. - Digo, guardando meu material na mochila.
- Tô nem ai. Cuida, cuida.
- Ainda vou te pegar na porrada qualquer dia desses. - ameacei, o que só fez meu amigo rir um pouco mais. Eu amava esse boboca.
Empurrei Alec para o lado, tentando não transparecer o quanto a visão das curvas de Misha rebolando tinham afetado meu raciocínio. Fechei meu armário meio desorientado e caminhei na direção contrária a que ela tinha ido.
Não dei nem três passos e ouvi aquela voz irritante de novo.
- Kent, acredito em você, meu amor!
Suspirei.
- Eu te odeio, filho da puta.
- Eu sei que você me ama!
Andei um pouco mais rápido para alcançar Misha, lamentando que meu melhor amigo gostasse tanto de me envergonhar.
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