Capítulo vinte e quatro; 'Vamo viver uma vida bandida
O Domingo havia começado agora e eu não dei uma cochilada se quer. Já havia mandado o papo pro Nike não subir com Nathaly pro morro e, mesmo relutante, ele resolveu que dormiriam na casa de um antigo amigo dele.
— Qual foi cara, tu devia descansar um pouco. Os 'mano mandaram o papo que tá tudo suave e que não tem sinal nenhum de invasão. — Orelha me cutucou, chamando a minha atenção.
— Valeu mano mas eu não vou descansar não. Quero 'tá preparado pra meter bala, tendeu? — neguei me ajeitando na cadeira.
Jp suspirou pesado e se sentou do meu lado, no chão, apoiando sua AR-15 também no chão.
— Então vou ficar contigo aqui, trocando ideia.
— Cara, eu já disse que não precisa... — olhei para ele, porém Orelha continuou parado.
— Eu já disse que vou ficar aqui com você. — franziu o cenho e eu revirei os olhos, logo voltando a olhar para frente.
O lugar onde eu estava de vigia tinha visão completa para o morro inteiro; era o lugar ideal para eu ver quem subia e quem descia. Um silêncio profundo pairou sobre o local e eu comecei a balançar minha perna, como forma de inquietação.
— Qual foi mano, quer falar sobre algo? — olhei para Orelha que me olhava de um jeito estranho e... Fofo.
Porra mano, aquilo 'tava muito estranho.
— Ih cara, qual foi? Tá me estranhando? — desviei meu corpo para longe do dele, fazendo cara feia.
— Ih, marolou foi? — riu. — 'To puxando assunto aqui de boas e tu me manda essa?
— Ah tá me olhando estranho aí. Parece até que tá apaixonado por mim, sei que sou irresistível mas cessa aí.
— Qual é Silvestre, dá uma segurada. — ele ficou sério e eu ri.
— Mas enfim, passa a visão. O que tu quer falar?
— Então... Já que tu comentou sobre estar apaixonado... Queria falar disso mesmo contigo. — olhou para sua arma no chão e voltou seu olhar para mim, dessa vez ele estava meio vermelho. — Faz um tempinho que 'to ficando com uma mina e acho que 'to ficando 'afinzão dela.
— Caralho menor! Quem foi a maluca que te amarrou? — sorri, me virando para ele.
— Então, não posso falar o nome mas não é do morro. Sabe, ela é uma verdadeira princesa e eu não vejo ela como uma amante, tá ligado? Ela nasceu pra ser fiel mas não temos nada sério ainda. As vezes, quando 'to com ela, só penso: fé nas malucas, mas, ao mesmo tempo, quero que ela seja a mãe dos meus 'menor, tá ligado?
Eu só conseguia encarar Orelha, sem dizer uma palavra. Eu entendia ele de verdade porque era o mesmo que sentia com a Rebecca.
— Porra Orelha, eu sinto o mesmo. Eu também 'to gostando de uma garota aí mas... A gente prometeu que seria sigilo. Só que não dá, não consigo ver ela pagando de otária com um menor aí enquanto eu fico sendo a segunda opção dela. — neguei com a cabeça e mordi meus lábios.
— Essa tua mina no caso seria a Rebecca? — arregalei os olhos, olhando assustado para ele e o mais velho riu. — Eu sabia!
— C-como sabia?
— Qual foi, tá mandado? Tá meio que na cara né. Tu não esquece sua ex desde que terminaram e agora ela tá ficando com aquele rico lá que te meteu a porrada. — desviei o olhar, tentando conter a raiva que sentia só de lembrar o olho roxo que Erick havia me dado. — Eu só não esperava que tivessem tendo algo, só chutei mesmo. Por essa não esperava, tu tá sendo o amante da história toda enquanto o corno tá dormindo com os chifres na cobertura cara dele.
Ri junto com meu melhor amigo. Só Orelha mesmo pra me descontrair naquele momento.
— Mas ó, se liga, isso aqui pode sair daqui não. Se ligou? Não quero que ninguém saiba que 'to ficando com a Rebecca, nem o Nike. Assunto morre aqui. — apontei pra ele, me recompondo.
— Pode deixar chefe, nem lembro o que a gente 'tava falando mesmo. O que era? — se fez de sonso e eu sorri, dando um tapa em seu peitoral.
Voltei a olhar para frente e vi um movimento meio estranho na subida. Não demorou muito para que meu radinho tocasse e um dos vigias avisasse que a invasão tinha começado.
Num pulo, Orelha e eu nos levantamos e destravamos nossas armas.
— Tá preparado? Tua primeira invasão, menor. — Orelha olhou pra mim.
— Porra cara, tá achando o que? Me chamo Silvestre e sou filho do Caco, eu nasci preparado. — o mais velho sorriu de canto e começou a correr.
Como sinal, um tiro foi dado pro alto e eu corri também, era agora que a guerra começava e só sentia pena dos moradores que não tinham nada a ver com isso. Ao contrário do que pensam, nem todo mundo que morava no morro era envolvido com o tráfico. Também tinha gente de bem e bandido não era tão ruim assim. Quantas vezes já não teve guerra no morro e os 'cara pediam pra começar só quando as crianças descessem pra escola? Bandido tem família sim e, naquele momento, eu só queria que minha mãe e irmã estivessem bem.
Rebecca Alves
Acordei bastante cedo pra um Domingo. Havia dormido na casa dos meus pais porque minha mãe tinha me ligado depois da praia e pediu que eu dormisse lá, já que fazia tempo que eu não a visitava. Eram nove da manhã e meus pais não estavam em casa; certeza que tinham ido à igreja.
Me sentei no sofá e liguei a TV, onde estava na Nick e passava Dora Aventureira. Enquanto comia um pedaço da pizza de calabresa que sobrou da noite anterior, comecei a ver as mensagens da madrugada enquanto dormia e entrei no grupo que Julia havia me colocado faz um tempo que tinha seus amigos, que sempre marcavam uma resenha.
No grupo eles falavam que a situação no Turano estava tensa desde madrugada, que nem teve baile e várias pessoas mandavam áudios e vídeos onde se podia ouvir de alto e bom som os barulhos das rajadas dos tiros.
— Mano, a situação aqui tá tensa. Não para um segundo. — um menino falou no áudio do grupo.
— Ainda bem que a Nathaly dormiu na pista com o Matheus ontem... — escutei o áudio de uma menina que era da faculdade e morava no morro.
Como no grupo não haviam apenas pessoas do Turano, nem todos sabiam que Nathaly era filha do Caco — somente os que moravam no morro sabiam da história toda por causa da convivência —, então eles evitavam dar muitas informações.
Ao que entendi, a polícia havia invadido o morro e estavam atrás do dono: Rato. Desde madrugada estava tendo troca de tiros entre eles e os traficantes. Ninguém podia subir ou descer e aquilo havia me dado um aperto no coração. Não sabia se Miguel estava envolvido também mas eu precisava saber.
Mandei uma mensagem para ele perguntando se estava tudo bem, mas ele não recebeu. Droga! Por que não atendi a ligação dele ontem? Comecei a ligar desesperada mas todas as ligações caiam na caixa postal.
Sem pensar duas vezes, corri para meu quarto. Só deu tempo de eu trocar o short de dormir por um jeans, calçar meu chinelo e pegar minha mochila. Saí voada da casa dos meus pais e peguei um táxi, indo direto pra Tijuca.
Assim que cheguei em frente ao Hortifrúti, fiquei aliviada ao ver que tinha ao menos uma combi pra subir.
— Quem for subir pro Turano, melhor subir enquanto as coisas cessaram um pouco lá hein! — o motorista disse terminando de pegar a passagem das pessoas. Por sorte, tinha um lugar vazio pra eu entrar e eu pude subir.
Soltei em frente a casa de Lorenzo e, enquanto meu coração batia forte, toquei a campainha. Mas ninguém atendeu e eu comecei a suar frio.
Em breves segundos, o tiro começou novamente e eu me vi de frente a linha de tiro. Não tinha pra onde correr, qualquer lugar ali era exposto e não havia uma alma viva na janela de casa. Quando pensei que levaria um tiro ali mesmo, senti alguém me puxar fortemente para dentro de uma vendinha que estava fechada.
— Caralho Rebecca, tu tem o que na cabeça? Não tá sabendo que o bagulho por aqui tá foda pra ficar subindo não? — Orelha perguntou ofegante.
Ele tinha olheiras, sendo visivelmente ver que ele não dormiu. Ele estava sem camisa e parecia cansado.
— Eu quero ver o Miguel, João Pedro. Não me diz que ele tá envolvido nisso.
— Foi mal aí princesa. O Rato deixou ele no comando, ele que tá comandando tudo. — naquela hora eu gelei e meus olhos se encheram de lágrimas.
— Cadê ele? — perguntei com a voz falha.
— Ele tá bem, fica mec, ele foi aqui perto ver se a mãe dele 'tava bem. Tu deu sorte, porque os 'cana invadiram até a casa do Silvestre pra procurar alguma coisa. Ainda bem que lá não tem nada e a mãe dele ficou na casa da amiga dela daqui do morro. Eu tive que dar cobertura pra ele. — me encarou enquanto eu estava sentada, ainda estática no chão.
Assim que Orelha terminou de dizer aquilo, alguém entrou correndo no estabelecimento.
— Qual foi Orelha, elas 'tão bem. 'Vamo logo antes que eles resolvam subir de novo. — Miguel apareceu, recarregando sua arma.
Ele não estava diferente de Orelha; também tinha um olhar cansado e olheiras e estava sem camisa mas, com uma diferença, ele estava com um machucado na perna.
— Miguel? Você tá bem? Por que está envolvido nessa? Quer morrer? — me levantei num pulo e corri até ele, o abraçando.
— Rebecca? O que tá fazendo aqui? — ele se desgrudou de mim rapidamente, sem largar a arma. — Tá maluca por acaso? O morro não tá bom pra ficar subindo não. Caso não saiba, eles tão pouco se fodendo se é bandido ou morador, tão atirando em qualquer pessoa que veem.
— Eu vim te ver Miguel e não me importa se tá foda por aqui ou não. Eu fiquei preocupada com você quando não tive respostas suas, fiquei com medo que algo tivesse acontecido com você e entrei em desespero. Porra, Miguel, eu te amo muito pra te perder agora! — o abracei forte, chorando. — Por favor, não me deixa.
— Rebecca... — senti sua arma tocar minhas costas e meu corpo estremeceu.
Eu chorava muito e pouco me importava de uma arma me tocar. Eu estava ali, abraçando Miguel e ele estava bem e, naquele momento, aquilo era o que mais me importava. Ele estar bem.
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