Capítulo quarenta e seis; Vê se não vacila, volta pra minha vida
Miguel Lorenzo
Era Quarta-feira de Cinzas e, infelizmente, meu carnaval já havia acabado. Eu nunca fui o tipo de cara que passa o carnaval indo a blocos ou vai para o Sambódromo; quando pequeno sempre viajava em família para Arraial do Cabo ou Búzios, mas depois paramos de fazer isso e ficávamos em casa assistindo as apresentações das escolas pela tevê. Quando fiz dezessete anos comecei a ir para blocos com meus amigos, mas só ia mesmo por causa deles porque o bloco em si eu nunca fui fã. E foi assim até hoje.
Esse ano meu carnaval foi o melhor de todos. Passei entre meus amigos e nos divertimos bastante. Sem contar que finalmente me resolvi com Rebecca; decidimos esquecer tudo o que nos aconteceu recentemente e recomeçar do zero.
— Silvestre? Já está pronto? – Bia perguntou ao aparecer na porta do meu quarto.
— O que tá fazendo aqui garota? Tu sabe que não pode sair entrando assim na casa dos outros, né? – me assustei ao ver a ruiva.
— Você deixa a porta destrancada. É um convite para qualquer pessoa que quiser entrar. – deu de ombros e se sentou na minha cama.
— Não é bem assim Bia. Tu que é intrometida e sai entrando assim em qualquer lugar. – ajeitei meus cordões de ouro em frente ao espelho.
— Ai Silvestre, sem tempo. Vamos logo, não quero chegar tarde lá. – Bia pareceu impaciente.
— Qual foi Bia, preciso falar algo sério contigo. – me virei para ela, mexendo em meu relógio.
— Logo agora? Não pode ser quando voltarmos? Miguel, por favor. – revirou os olhos, olhando para suas unhas.
— Tem que ser agora sim porque eu não vou contigo pro Terreirão. – cruzei os braços e ela me encarou indignada e confusa.
— Como não? O que os outros dirão se não nos virem juntos? Miguel, você é o dono do morro e eu sua fiel. Nós temos que estar juntos o tempo inteiro! – exclamou irritada e se aproximou de mim.
Fechei os olhos, contando mentalmente para não me estressar.
— Beatriz, me escuta. Agora é sério. – a encarei seriamente. — Eu 'to cansado de você sempre achar que é minha dona. Eu não sou e nunca fui seu. Outra, nós nunca tivemos algo sério também, foi sempre uma ficada sem compromisso. Tu não é minha fiel e nunca será.
— Bebê, vamos com calma. – riu minimamente, colocando as mãos em meus cordões. — Aconteceu algo para você estar assim? Se quiser não saímos hoje e ficamos aqui mesmo. Eu faço uma comida pra você, massagem...
— Bia, eu 'to falando sério, já chega disso. – afastei ela de mim. — Você só tá comigo por causa de status e eu não vou pagar papel de trouxa por sua causa. Eu vou voltar com a Rebecca e não vou mais ficar contigo, 'to mandando logo a real pra depois tu não surtar.
— Você tá brincando comigo...
— 'To não. Nesse carnaval eu disse que a amava e nos resolvemos. Ela vai hoje pro Terreirão com as garotas e vamos ficar lá. Eu não quero que tu seja um empecilho.
— Você vai me pagar por isso Silvestre. Ninguém me dá um pé na bunda assim, cê tá fodido comigo. – a menor saiu do quarto batendo pé.
— Sério? 'To morrendo de medo! – exclamei para que ela escutasse enquanto descia as escadas. — Ah, não fode. – neguei com a cabeça ao escutá-la bater a porta da entrada com tudo.
Cheguei no Terreirão com Caio e Vn e o show já está a todo vapor. Pessoas dançavam pagode enquanto bebiam e, depois de alguns minutos, finalmente nos encontramos com o pessoal.
Lá estava Rebecca perto de Marina dividindo uma lata de energético. Ao olhar para ela foi como se tudo a minha volta houvesse parado. Ela estava linda com aquele seu body preto e short jeans; seu cabelo estava preso num rabo de cavalo e seus lábios estavam pintados de vermelho.
— Cuidado pra não babar aí Silvestre. – fui tirado de meus devaneios por Caio que me deu um leve empurrão enquanto ria.
Balancei a cabeça voltando a mim e nos aproximamos do pessoal. Julia e Orelha conversavam com Nathaly e Nike e, enquanto os meninos foram falar com eles, eu fui direto cumprimentar Marina e Rebecca.
— Boa noite meninas. – abracei Marina que me deu um beijo na bochecha.
— Miguel! Há quanto tempo! – sorriu e eu olhei para Rebecca que estava sem graça. — Eu... Vou deixar vocês a sós. – disse após se desgrudar de mim e foi até os outros que estavam ao nosso lado num círculo.
— E o Erick? Ele tá bem? – perguntei na tentativa de puxar assunto para que não ficasse aquele clima meio estranho entre nós.
Depois do bloco em que eu havia dito que amava Rebecca, conversamos e decidimos que dessa vez faríamos tudo certo. Não ficaríamos até ela terminar com Erick e eu dividiria meu tempo 50/50 — para o trabalho e para Becca. Dessa vez nada, nem ninguém impediria que ficássemos juntos.
— Acho que sim. Não nos falamos muito enquanto ele estava viajando e ele voltou hoje à tarde mas ainda não nos falamos. – deu um gole em seu energético. — Talvez eu o veja esse final de semana ou amanhã...
— Porra! – exclamei quase que no automático, fazendo com que a morena franzisse o cenho. — É muito difícil ficar do seu lado e nem poder te beijar. – ri coçando a nuca, recebendo um sorriso tímido seu.
— Você é muito idiota Lorenzo. – negou com a cabeça mexendo em seu canudo, olhando para o palco.
— Você está muito bonita hoje Becca, de verdade. – coloquei minhas mãos nos bolsos da minha calça e continuei a encará-la.
— Só hoje? – me encarou com uma de suas sobrancelhas arqueadas.
— Todos os dias. – sorri de canto e novamente ela meneou com a cabeça, voltando a olhar para o palco.
Ficar perto de Rebecca e não poder tê-la em meus braços era a coisa mais difícil do mundo; era uma puta tortura. Porra Rebecca... Você me fez perder a postura legal mas... Estava tudo bem. Eu abria mão da minha postura por você.
A noite se seguiu tranquila. Para evitar de cair na tentação e beijar Rebecca, preferi ficar com Caio e Vinicius bebendo e curtindo o show na minha. Os casais passaram o show todo abraçados e dançando enquanto Marina e Rebecca ficaram ao nosso lado, igualmente como nós.
Na hora de ir embora todos nós decidimos ir juntos até um certo ponto, já que Orelha e Julia deram a ideia de ir para Lapa e alguns preferiram ir embora para casa.
Nathaly e Nike decidiram ir embora porque minha irmã começaria no novo estágio amanhã e Nike não deixaria ela ir sozinha. Caio tinha que ajudar o tio dele numa reforma de manhã cedo e foi com eles, e Marina apenas disse que tinha ir embora porque resolveria uns assuntos. Iriamos pedir um uber para irmos à Lapa mas, para isso, tínhamos que passar numa rua meio deserta — até porque já eram quase três da manhã.
Ao nos aproximarmos da rua, vimos uma viatura estacionada bem na entrada do beco que tínhamos que passar e meu sangue gelou.
— Porra, eu não tenho boas lembranças com viaturas... – Orelha murmurou, segurando fortemente a mão de Julia.
Senti alguém segurar em meu braço e, quando olhei para o lado, vi Rebecca ao meu lado.
Fechei os olhos e por um momento me lembrei da viagem em que fomos apreendidos. Aquilo não podia se repetir, sem chance.
— Boa noite. – um dos policiais que estava ao lado da viatura chamou nossa atenção.
— Boa noite senhor. – Vn fez um sinal com a cabeça.
— Os senhores poderiam me mostrar a identidade de vocês e as moças abrirem as bolsas? – se aproximou de nós e seus olhos se arregalarem ao me ver.
Aquele rosto não me era estranho...
Primeiro ele conferiu as bolsas das meninas e depois verificou nossas identidades. Ao entregar minha identidade, ele me encarou friamente e colocou as mãos em sua cintura.
— Posso saber para onde estão indo? – agora eu me lembrei!
Ele era um dos policiais que me entregou o armamento no dia que o Rato havia me pedido o favor. Ele sabia quem eu era e, a essa altura, já sabia das novidades.
— Estamos indo brincar de pique-esconde. – murmurei e senti Rebecca, que estava ao meu lado, bater em meu ombro.
— O que você disse moleque? – o mais velho levantou seu tom de voz.
— Eu disse que estamos indo para a Lapa, senhor. – mantive minha voz firme e continuei a encará-lo fixamente em seus olhos.
Ele não me colocava medo. Um cara corrupto como esse não era um policial de verdade. Na verdade ele era um dos nossos, só que de farda.
O loiro olhou para Rebecca e depois para mim, com um sorriso cínico no rosto.
— Sua namoradinha? – contraí a mandíbula e soltei meu braço do de Rebecca.
— É sim. E ela não tem nada a ver com isso. – olhei brevemente para a morena que estava confusa e surpresa.
Da última vez, eu havia dito que ela não era minha namorada para protegê-la mas deu tudo errado. Eu quero fazer o certo agora e sabia que devia assumi-la sem medo.
— Estão liberados. Só tomem cuidado, essas ruas a essa hora são perigosas. – o homem nos liberou e eu percebi o alívio estampado na cara de todos.
Rebecca correu para o lado de Julia e os três começaram a andar na minha frente mas, antes que eu pudesse seguir o meu caminho também, senti o policial segurar fortemente em meu braço.
— Já estou sabendo das novas Silvestre. Você já sabe como as coisas funcionam. Continue fazendo o que o Rato fazia que nossa parte nós continuamos fazendo também. – me encarou friamente.
— Já que está sabendo das novas, saiba que eu sou diferente do meu padrinho. Eu não serei tão bonzinho como ele. E esqueça o nome daquela garota, não quero que se meta com ela. – dei um tranco no meu braço para que ele me soltasse. — O papo tá dado. – me afastei dele e segui meus amigos que já estavam na rua certa para chamar nosso uber.
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