Capítulo cinquenta e dois

Miguel Lorenzo

— Qual foi Silvestre. – Orelha chamou minha atenção. — Acabaram de avisar aqui no 'radinho que chegou mercadoria nova.

— Manda esses dois fazerem o serviço. – apontei com a cabeça em direção aos novatos que jogavam baralho. — Eles passam o tempo todo jogando e fumando maconha. A vida não é um morango e eles precisam saber disso. – voltei a conferir a grana junto com o contador enquanto Orelha foi até os novatos.

— Qual foi da de vocês aí. Vão trabalhar ou só vão ficar coçando o saco aqui e chegar no baile vão bater no peito 'pras mina do morro dizendo que são bandidos? – a voz de Orelha se escutava em alto e bom som. — Se querem se gabar por causa da porra desse trabalho, façam os 'corre de vocês certo, caralho! Andem, tem mercadoria nova pra ser pega. Não esqueçam os 'radinhos de vocês.

Olhei para trás, vendo os dois garotos saírem apressados e sem um pio do local enquanto Orelha estava parado de braços cruzados, esperando que os dois fossem embora.

— É difícil fazer papel de durão com esses moleques. – o mais velho negou com a cabeça suspirando e eu ri.

Fiz um sinal para que o contador se retirasse do local e assim ele fez, deixando Orelha e eu a sós.

— E aí? Como vai ser hoje? – o moreno correu sorridente para se sentar a minha frente.

— Eu ainda estou pensando. Eu quero fazer algo memorável para a Rebecca pra comemorar os nossos dois meses, mas, ao mesmo tempo, quero mostrar o quanto ela é importante pra mim. – me ajeitei na cadeira e o encarei sorridente. — Não só hoje faz dois meses que estamos namorando, como também faz um ano que eu a conheci. Na real ela chegou na minha vida e... Mudou tudo né mano. Hoje eu vejo as 'parada diferente, tá ligado? Sem ela eu não seria nada. A Becca é a mulher que eu quero me casar de verdade.

— 'Aê Silvestre! – Jp balançou meu braço me fazendo rir sem graça. — Eu 'tô muito feliz de ver que tu tá apaixonado real. – se esticou para me dar um tapinha no ombro.

— Eu 'tô planejando fazer um churrasco só pra gente lá em casa, sabe? Daí eu entro e levo ela lá pro quartinho vazio. Lá tem um projetor, quero passar uns filmes por lá pra nós vermos. Quando isso acontecer, vou descer pra pegar a pipoca e vou colocar o anel de compromisso e de noivado lá. Ela vai comer a pipoca e ver os dois lá. O que acha? – sorri animado.

— Eita. 'Peraí, eu só 'tava sabendo do anel de compromisso. – Jp fez uma cara confusa. — O que você tá aprontando Miguel?

— Eu vou dar uma escolha a ela, Jp. E, independente de sua escolha, eu estarei do lado dela. – sorri enquanto o mais velho tinha seu cenho franzido. — Relaxa cara, não é nada demais. Só confia em mim.

— Eu confio. Mas não se esquece que hoje temos muito trabalho a fazer aqui e não estamos nem na metade. Se quer estar livre depois do almoço para ir ao mercado pra comprar as coisas pra surpresa, é melhor o chefe começar logo. – se levantou.

— Nem me lembra. – bufei. — Por que eu fui dar folga pro Nike justo hoje? – neguei com a cabeça enquanto me levantava.

Depois de horas, resolvendo as coisas, finalmente tive meu descanso. Resolvi ir até o mercadinho que havia pelo morro mesmo porque seria melhor que descer e encarar uma puta fila — afinal, tudo o que eu queria também se tinha lá.

Estava subindo para a minha casa quando vi Bia descer correndo. Revirei os olhos e continuei a subir, pedindo a Deus para que ela não parasse para falar comigo.

— Ei Silvestre! – droga!

— O que você quer Bia? Caso não esteja vendo, eu estou ocupado. – mexi as sacolas que segurava para que ela visse e tentei passar, porém ela me impediu.

— Espera aí Silvestre, não vai embora. – dei um passo para trás assim que ela colocou as mãos em meu peitoral.

— Beatriz, eu não tenho tempo. Licença. – tentei passar novamente mas sem sucesso.

— A polícia fez uma surpresa aqui no morro e tá lá na sua casa. Pronto, falei. – fechou os olhos e os punhos. — Por isso eu não quero que você vá, porque eu não quero que você seja preso. – a ruiva me encarou novamente.

— Qual... Casa? – tentei manter a calma.

— Na... Da sua mãe. Eles não sabem que você se mudou. – mordeu os lábios apreensiva.

— Puta que pariu Bia! – derrubei as coisas no chão num ato de desespero. — Cadê minha mãe e minha irmã? Elas estão bem? – coloquei minhas mãos em seus ombros e a balancei.

A ruiva me encarava assustada enquanto eu a balançava; era como se ela não esperasse que eu agisse daquela forma.

— E-e-eu não sei Miguel... Quando eu estava descendo, só os vi entrando. Quando eu saí de casa, minha tia falava com a sua mãe no telefone mas eu... Não sei. – ela parecia preocupada de verdade.

— Olha... Leva essas coisas lá pra casa, tá legal? – a empurrei para que ela saísse da minha frente.

— Miguel! Você tá maluco? Eles vão te prender se você for lá!

— Foda-se, eu não ligo! – olhei para ela. — Só faz o que eu te pedi! – voltei a correr o mais rápido que eu conseguia.

Por favor Deus, que minha mãe e minha irmã estejam bem. Elas são as únicas pra mim, são a minha única família.

Rebecca Alves

— Filha? Você não ia sair com o Miguel? – minha mãe chamou minha atenção enquanto eu mudava os canais num loop que parecia não acabar.

— Eu achava que sim mãe. – suspirei.

Eu havia marcado de sair com Miguel às seis da tarde e, agora já eram oito da noite e eu não conseguia falar com ele de jeito nenhum. Se me fazer mofar no sofá fazia parte da surpresa, eu não queria mais saber dela.

— Você já tentou falar com ele? O Miguel não é de te dar bolos. – minha mãe se sentou ao meu lado e eu ri sem humor.

— A senhora não o conhece mãe. – neguei com a cabeça.

Se tem uma coisa que Miguel era capaz era me dar bolo, nisso ele era experiente. Mas eu não imaginava que ele fosse fazer isso comigo; não novamente depois da nossa conversa, não no nosso aniversário de dois meses.

— Becca, escuta, o Miguel disse que queria fazer uma surpresa pra você, né? Mas ele pode estar ocupado. Por que você não faz a surpresa? Ele ia gostar se você o surpreendesse. – olhei para ela que fazia carinho em meu cabelo.

— Mãe... Até que não é uma má ideia. – sorri. — Eu vou pegar minha bolsa e ir até a casa dele. Não me espere em casa hoje. – me levantei num pulo e peguei minha bolsa que estava em cima da mesa de jantar e logo saí de casa.

Assim que cheguei a casa de Miguel, toquei a campainha bastante nervosa. Havia comprado sua pipoca favorita de micro-ondas — que era de caramelo — e algumas cervejas para ele e um refrigerante para mim. Também estava com o relógio que daria a ele de presente e estava bastante ansiosa para que ele visse.

Ao abrir a porta, toda a minha ansiedade se foi e, eu só não joguei as sacolas no chão, porque ainda tinha controle das minhas mãos.

— Bia? O que faz aqui? – minha voz ficou falha.

— Becca? Eu não sabia que o Silvestre esperava visitas, ele não me disse nada. – sorriu. — Ele saiu pra resolver umas coisas mas já volta. Quer esperar? – não pude deixar de notar que ela vestia uma camisa de Miguel, geralmente a que ele deixava fora do guarda-roupa para eu usar como pijama.

— Não... Não precisa. Eu... Lembrei que tenho que resolver umas coisas também. Obrigada. – sorri minimamente sem mostrar os dentes e me virei para ir embora.

Então era por isso que Miguel não havia me mandado notícias ou me ligado. Era porque aquele desgraçado estava me traindo com aquela vaca. Justo no nosso dia... Como eu fui estúpida!

— Rebecca? Que bom que já está aqui. – fui tirada de meus devaneios por alguém que parou na minha frente. Olhei para frente e vi que era Miguel.

Ah que ótimo! Ele vai fingir que nada aconteceu.

— Desculpa não te ligar mais cedo. Aconteceu algo e...

— É sério que você vai se fazer de sonso Miguel? – meus olhos se encheram de lágrimas e minha voz embargou.

— Como é? Do que você está falando? – ele parecia confuso. Meu namorado realmente era um ótimo ator.

— Não precisa mais fingir Miguel. Eu estou decepcionada com você, de verdade. Depois de tudo que conversarmos, você realmente deixou o Silvestre vencer.

— Rebecca... Eu realmente não estou entendendo do que cê tá falando...

— Porra Miguel! Eu já sei de tudo, só para! – exclamei alto recebendo atenção de algumas pessoas que passavam ali. — Eu acabei de vir da sua casa e a Bia estava lá, usando sua blusa. – ri sem humor. — Eu não sei porquê não estou surpresa que o dono do morro, o 'fodão estivesse me traindo esse tempo todo. O pior de tudo foi que eu descobri isso no dia do nosso aniversário, quando a trouxa aqui resolveu te fazer uma surpresa porque achou que você estivesse ocupado na porra do seu trabalho de merda! – gesticulei com os braços.

— Rebecca, calma aí, não é nada disso que você tá pensando. Eu juro que tenho explicações para te dar. Só vamos para a minha casa, por favor. Nós conversarmos lá melhor e... – o moreno tentou encostar em mim mas eu desviei.

— Eu não quero mais voltar naquela porra de casa! Miguel, de todas as formas que você podia me magoar, essa foi a pior de todas. Eu confiei em você e, enquanto isso, o Silvestre aí estava fodendo com as garotas do morro. – deixei uma lágrima cair. — Olha, por favor, não tenta falar comigo hoje, tá legal? Você me decepcionou pra caralho e eu não quero ver sua cara hoje. – neguei com a cabeça e o empurrei para que ele me desse passagem.

— Rebecca, calma aí. – Miguel segurou levemente em meu braço.

— Miguel... – me virei para ele com a vista embaçada por conta das lágrimas e dei um forte tapa em seu rosto, que estralou.

Ele ficou sem reação e mais uma lágrima caiu. Sem que ambos dissessem algo, eu fui embora. Fui embora o mais rápido possível daquele morro.

Resolvi ir para casa depois daquilo. E, depois de horas no ônibus, finalmente havia chegado no Leblon. Julia e Marina não estavam em casa e eu agradeci mentalmente por isso — assim eu poderia chorar à vontade sem que elas ficassem no meu pé querendo saber o que havia acontecido.

Eu ainda não conseguia acreditar que Miguel havia me traído. Eu o conhecia, mais do que ninguém, e sabia que algo não batia. Mas hoje eu estava muito magoada e, por isso, preferi ir embora porque não queria resolver as coisas de cabeça quente. Eu o amava demais e, se ele realmente havia me traído, seria uma tortura ter que terminar o que tanto batalhamos conseguir.

Chorava encolhida no sofá quando meu telefone começou a tocar. Deixei que tocasse sem ao menos verificar quem era. Eu não queria falar com ninguém, apenas queria ficar quieta na minha. Mas, novamente, ele tocou e eu percebi que, se eu não atendesse agora, quem for que estivesse ligando não desistiria.

— Alô? – atendi sem ao menos ver quem era.

— Rebecca? Meu Deus, graças a Deus você atendeu! – era Nathaly. — Eu preciso te falar algo urgente do Miguel.

— Nathaly, de verdade, eu não quero saber do Miguel hoje. – funguei. — Nós brigamos e eu não quero ouvir nem o nome dele.

— Rebecca mas é sério. O Miguel acabou de ser preso.

— Como é? – naquele exato momento eu parei de chorar e me sentei no sofá.

Como assim o Miguel foi preso?

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top