III
Um enorme cabo se enrolava ao redor do pescoço, quebrado e torcido como o de uma frágil ave. A máscara anti-radiação foi removida. Por todo o corpo, pedaços enferrujados de objetos de metal como válvulas e lâminas estavam cravados na pele, formando córregos de sangue. As lágrimas irromperam pelos olhos de Carol assim como o mar fez pela escotilha daquele submarino. Mesmo com a máscara de radiação dos colegas, viu que a reação deles era a mesma. Uma voz rouca e grave se uniu aos sussurros, dessa vez falando duas frases em inglês repetidas ininterruptamente num mantra. Sendo em inglês, Carol conseguiu traduzi-las em sua mente com mais clareza:
"Namazu é a origem do Triângulo. Às suas ordens, Capitão Marshall".
A fala parecia vir da mesma porta de onde caiu João. Um barulho de metal rangendo pôde ser ouvido à distância, puxando a atenção do grupo e de suas lanternas. Embora fosse difícil enxergar longe, Carol viu que a porta circular da sala de comando se abriu de volta, tão autônoma quanto fechou.
Os quatro se entreolharam por alguns minutos, petrificados, sem dizer uma palavra. Era quase certo para Carol que os outros tinham o mesmo pensamento: talvez houvesse um assassino físico atrás deles. Beatriz sacou a arma novamente, o que atentou Carol para o fato de que João também tinha uma e não foi ouvido um único tiro de defesa. A legista andou devagar até a sala da morte e o resto do grupo a seguiu.
Carol retirou a arma do traje de João, mas seu estômago foi embrulhado pelo desprezo a si mesma. Sentia-se vilipendiado o cadáver, mesmo que para a proteção dela e do resto do grupo. Apesar de saber que quase não tinha envolvimento com essa morte, um lado dela ainda assombrado pelo passado a culpava pelo colega estar afundando numa poça do próprio sangue. Ele tinha uma esposa com uma filha de dois anos. "Como aquela garotinha vai crescer?", se perguntou.
- Saiam da frente da porta! - advertiu Beatriz - Agora!
Todos recuaram. Carol levantou o revólver para um combate, mesmo não tendo quase habilidade nenhuma com o manuseio de armas de fogo. A porta fechou atráz de Beatriz.
- É uma lavanderia e... - disse ofegante e parecendo bastante amedrontada para uma militar - O tanque estava cheio de água com sangue e tinha o reflexo de um homem morto. Não era japonês. E a lateral da cabeça estava destroçada.
- Marshall - disse Carol - Ou então, o homem a serviço dele. Mataram toda a tripulação e se mataram. Vocês ouvem a voz falando em inglês?
Ninguém admitiu, mas pela maneira que se olharam e respiraram profundamente, sabia que a resposta era sim.
- A não ser que ele tenha enlouquecido e feito isso com ele - disse Elisa chorando e olhando para João - não tem como ser só a radiação.
Carol olhou de volta para a porta circular, ainda aberta. Não sabia que tipo de perigos espreitavam no caminho e a sala de comando poderia se fechar de volta a qualquer momento. Ela não podia deixar mais uma única pessoa morrer. Já falhou com seu colega da mesma forma que com seu irmão. Ao mesmo tempo, precisavam ainda chegar na sala de máquinas onde estava o motor radioativo. Um plano passou pela cabeça de Carol. Era arriscado, potencialmente suicida, mas talvez fosse a únicas forma de salvar todos e impedir um desastre nuclear. A frase em inglês sobre Namazu e Marshall continuava sendo dita.
- Vão para a sala de máquinas verificar a radiação. Eu vou dar um jeito de prender aquela porta e vou ver o que pode ter no periscópio.
- Mas é perigoso ficar sozinha aqui - disse Elisa.
- Vou com a arma do João.
- Ele morreu mesmo com a arma, e ele é militar - disse Beatriz - Eu vou com você.
- Mas o Marcos e a Elisa sozinhos em dois estão mais ameaçados. Confiem em mim, eu sei o que estou fazendo.
O grupo ficou alguns segundos em silêncio, com a voz do soldado de Marshall ainda ecoando. Marcos se aproximou de Carol e colocou a mão em seu ombro.
- Só lembra de falar no comunicador sobre o que quer que aconteça - Marcos olhou para João e disse com a voz trêmula - Meu deus, eu nunca pensei que me formaria em química para lidar com isso. De qualquer forma, se cuide e fique atenta.
Carol apenas fez que sim com a cabeça e se virou para andar rapidamente até a porta circular. Não conseguiria olhar por muito mais tempo para os três e pensar no que poderia acontecer a eles. Ela passou rapidamente pelos esqueletos no corredor. A voz do soldado não mudava de volume, juntando-se ao coral de sussurros. Carol sentia como se cada passo que desse estivesse sendo observado e pudesse ser o último. Escutava passos metal úmido atrás dela e não sabia se eram dos pés de seus colegas. Chegando na porta circular, ela enrolou dois cabos soltos da parede na maçaneta que mais parecia um leme e entrou na sala de comando.
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