II
Carol não conseguiu se mexer. Diferente da visão curta de Elisa, segundos e segundos se passaram e o comandante continuou lá, observando, chegando mais perto. As vozes ficavam cada vez mais altas e deixando menos margem para a hipótese das ondas. O comandante se curvou para o lado da cabeça de Carol, como se quisesse chegar em seu ouvido coberto pelo traje. Ele começou a falar em japonês com a voz embargada. Carol identificou algumas palavras: "Namazu", "dragão", "morte", "ver a superfície" e o nome "William Marshall". Seus olhos começaram a lacrimejar e a frase foi cortada por um grito vindo de fora do quarto.
- Carol!
Ela se virou repentinamente com o susto. Não conseguiu identificar de quem era a voz, embora soubesse que era de um homem. Quando Carol olhou para trás, o comandante havia desaparecido. Beatriz e Marcos, o responsável pelo grito, entraram no quarto.
- Estamos te chamando há quase dois minutos - disse Beatriz.
- O que aconteceu? - perguntou Marcos - Você tá ofegante.
- Eu que pergunto, o que houve?
- A porta do corredor fechou e não conseguimos abrir - disse Beatriz - E parece que ela fechou sozinha. Talvez algum problema no mecanismo, talvez haja tripulantes vivos e isso seja uma emboscada bizarra.
Carol lutava para afogar a frase "talvez haja fantasmas aqui e nós perturbamos o sono deles".
- Vocês sabem quem é um tal de William Marshall?
- Como assim? O que isso tem a ver com a porta?
- Talvez isso possa nos ajudar a entender o que está acontecendo e escapar.
- Como sabe disso? - perguntou Beatriz.
Carol não conseguia simplesmente responder que um militar cadavérico sussurrou em seu ouvido e depois evaporou no ar, então andou pelo corredor sem responder. Era difícil admitir que terminaria a vida aprisionada em um submarino radioativo e potencialmente assombrado, e inconcebível pensar que sua cidade natal poderia se tornar uma nova Chernobyl. Lembrou-se da icônica frase do filme Alien: "No espaço, ninguém pode ouvir você gritar". O mar, agora, era o espaço, e o Alien, seja na forma de fantasmas ou radiação, espreitava em cada canto daquela nave amaldiçoada. Devia haver alguma forma de acabar com isso. Carol pensou nas palavras que o suposto fantasma lhe disse. "Ver a superfície".
- Precisamos voltar ao periscópio - disse - Mas com a porta presa... como?
- O que o periscópio tem a ver com isso? - perguntou Elisa.
- Eu... - Carol hesitou antes de conseguir falar - O comandante morto do submarino falou comigo. Ele falou do Namazu, de um tal de William Marshall, que talvez tenha sido o assassino da tripulação e falou em ver a superfície. Talvez isso seja uma espécie de dica.
Marcos e Beatriz a encararam, mas não conseguiram responder.
- Vocês também ouvem as vozes, não é? Elisa está de prova, tem algo de muito errado acontecendo aqui. Mesmo que a radiação tenha efeito na nossa cabeça, como explicam a porta se fechando?
- Gente - interrompeu Beatriz - Onde está o João? Não estou vendo ele.
Marcos retirou o rádio comunicador do bolso do traje e falou com dificuldade por causa da máscara:
- João, cadê você? Não pode sair de perto do grupo sem nos avisar.
Nenhuma resposta foi ouvida. Marcos tentou se comunicar mais uma vez em vão e todos os outros membros do grupo testaram em seus comunicadores. Nada.
O silêncio se fez no ambiente, apenas com as vozes das paredes. Conforme a equipe olhava para os lados, andava lentamente pelo corredor claustrofóbico e nenhum dos quatro via seu colega, Carol sentiu o cochicho suave das paredes ficando mais e mais pesado, imitando a pressão das águas que aumenta à medida que se afunda. Ela se viu atingindo a Fossa das Marianas quando um outro som se juntou à sinfonia: o sonar, denso e fantasmagórico como o chamado de uma criatura na noite.
- O som não deveria estar vindo daqui - disse Beatriz - Ele é emitido para fora. O mecanismo que faz o sonar fica no nariz do submarino.
Estavam quase no final do corredor, com a segunda porta circular à frente revelando o dormitório principal com diversas beliches espremidas e mais esqueletos. Não conseguia dizer com certeza, mas Carol teve a nítida sensação de ver vultos alí dentro. Carol e Elisa iluminaram a penúltima sala do corredor a ser observada, uma espécie de cozinha com um armário de portas de vidro quebradas. Provavelmente servia para armazenar comida. Garrafas e latas cobriam o lugar junto às algas, mas não havia nenhum resto de alimento podre. Uma mesa estava no centro com quatro cadeiras.
- Olha isso - disse Carol apontando para o braço de uma das cadeiras, onde repousava a mão de um esqueleto com o traje da marinha queimado.
Cada uma das cadeiras tinha um esqueleto sentado com seus braços para fora. Quando a lanterna chegou à quarta cadeira virada para o armário e o membro que se projetava dela ficou mais nítido, Carol viu que não havia apenas ossos naquela mão, mas carne e pele que se mexiam, com os dedos tamborilando. Ou, talvez não. Prestando mais atenção, nem ossos, nem músculos, nem mesmo o tecido da roupa pareciam fazer parte daquele braço, translúcido como fumaça.
No vidro rachado acima, o reflexo era parecia bem mais palpável que o braço etéreo. Era um homem com um enorme buraco de tiro no lugar do seu olho esquerdo. Em seu peito, outros cinco buracos jorravam sangue. O coração de carol disparou. Elisa apertou seu antebraço apreensiva, o que indicava que também reparou na mesma coisa. Ao observar o reflexo no vidro, era possível ver a figura virando a cabeça na direção da porta e se levantando.
Carol não conseguiu nem mesmo gritar, apenas empurrar Elisa para longe e fechar a porta com violência. Gritos foram emitidos da última sala.
- É o João - disse Elisa.
Carol conseguiu ouvi-lo gritando "socorro". "Tasukete". Antes que qualquer um pudesse agir, os gritos pararam com um estalo. O sonar parou e o silêncio se fez, enquanto a equipe andava rumo à porta, e então veio o estrondo do cadáver sangrento de João caindo no piso.
1013 palavras
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top