Capítulo 26
18 de fevereiro de 2020.
Marina
Como é bom sentir a brisa do mar em meu rosto e fugir da loucura que é o cotidiano. Sentada aqui a beira dessa praia que tanto amo, vendo meu filho brincar na beira da água, sou tomada por uma sensação de paz que só sinto aqui, perto desse oceano sem fim. Melhor que o barulho do mar só a risada do meu filho, que gargalha depois de tentar fugir de uma pequena onda, que deixa ele todo molhado. Acabo rindo junto quando ele chega próximo de mim com frio, e enrolo ele em uma toalha antes de sentá-lo na minha frente, tentando aquecê-lo.
De repente a realidade me atinge, e me lembro de tudo o que aconteceu, do acidente que tirou a vida do meu menino, de toda a dor e de todo o sofrimento, por isso sei que devo estar sonhando. Lágrimas lavam meu rosto enquanto abraço Théo com todas as minhas forças, e ele então se vira pra mim com aquele sorriso de anjo.
- Não chora mamãe, eu não gosto de te ver triste - ele diz acariciando meu rosto.
- É que a mamãe está com muita saudade de você meu amor, por isso a mamãe está chorando - eu digo abraçando ele novamente.
- Eu sei mamãe, eu também sinto sua falta, mas eu tô num lugar bem legal, cheio de carrinhos pra eu "bincar". É tão divertido! Tem várias "quianças" lá, e o tio que cuida da gente diz que a gente pode "bincar" o dia todo.
- Que bom meu amor, que bom que você está se divertindo. A mamãe só queria que você estivesse se divertindo aqui, sabe? Pertinho da gente - digo chorando copiosamente.
- Eu também queria mamãe, mas o tio disse que vai cuidar de mim, tá? Eu tenho muitos amiguinhos lá, e o tio falou que um deles tá vindo aqui cuidar de você pra mim. Você vai amar muito ele.
- Ah é meu filho? E qual é o nome desse seu amiguinho?
- É Henri mamãe. O tio disse que ele vai ser muito importante pra você, pro papai e pra Maya, e que vocês tem que ser beem fortes, tá bom? Pode "pará" de "chorá" agora.
- Eu nunca vou deixar de chorar por você meu amor. Por culpa da mamãe você não está mais aqui com a gente.
- Não diz isso, mamãe. Você não tem culpa. O tio falou que tudo acontece do jeitinho que tem que acontecer, mesmo que às vezes a gente não entende. E eu tô feliz lá, então você pode "ficá" feliz também.
- Eu te amo tanto Théo! Eu nunca vou deixar de te amar, tá bom?
- Tá bom mamãe, eu também te amo um tantão assim - diz ele abrindo os braços. Depois de ficarmos algum tempo abraçados, Théo se levanta, me dá um beijo e se afasta, até sumir de vista. Dessa vez, eu não tento segui-lo ou gritar por ele, porque sei que ele está indo pra um lugar muito melhor que esse. Ele está indo pra casa.
- - -
Quando acordo chorando, ainda de madrugada, não sinto mais aquela angústia que sentia toda vez que sonhava com o menino que agora sei que era Théo. Apesar da tristeza pela partida dele, eu fico feliz que tenhamos podido finalmente nos despedir, mesmo que em sonho, e que eu tenha conseguido dizer para ele o quanto eu o amo e vou continuar amando pra sempre.
Começo a entender que se era da vontade de Deus que Théo se fosse tão cedo, eu nada poderia ter feito para evitar aquele acidente, e que o melhor que posso fazer para honrar a vida dele é tentar ser feliz e amar a família que ainda tenho. Olhando para o lado, vejo Maya dormindo pacificamente, e penso no quanto ela já sofreu mesmo sendo tão jovem. Vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance pra que ela seja feliz a partir de agora, e que não precise mais passar por nada parecido com esses dois últimos anos.
Saindo do quarto com cuidado para não acordar Maya, vou para a varanda e fico observando o mar, enquanto sinto aquela brisa tão calmante para mim. Observo o lugar onde sempre ficávamos quando estávamos com Théo, próximo a uma barraca de milho cozido, que ele adorava, e recordo de vários momentos felizes que tivemos nesse lugar. Mesmo antes de Maya e Théo chegarem em nossas vidas, eu e Murilo já tínhamos feito muitas memórias aqui, como naquela primeira vez em que viemos juntos, e que foi tão especial.
Pensando em Murilo, percebo o quanto sinto a falta dele. Apesar de ele ter escondido a verdade de mim durante todos esses meses, não posso culpá-lo por querer me tirar daquela vida que eu estava vivendo, já que eu mesma provavelmente teria feito o mesmo por ele. Mesmo que tenha custado muito, considerando todo o sofrimento que causei, ele me recebeu de braços abertos sem pensar duas vezes, mesmo que as expectativas não estivessem a favor dele. Se isso não é uma demonstração de amor enorme, eu não sei o que é. Decido que vou até a cidade amanhã conversar com ele, logo após minha primeira consulta com a psicóloga. Precisamos ter uma conversa definitiva antes de tomar qualquer decisão sobre o futuro.
Já sem sono por causa do sonho, decido descer até a cozinha para tomar uma água. Ao descer a escada, reparo pela primeira vez que faltam alguns porta-retratos na parede, que lembro serem os que continham fotos da minha família. Preciso falar com Cassandra de manhã para que ela os coloque de volta ao lugar onde pertencem, para que possamos olhar com carinho para aquele menino que corria por essa casa a caminho da praia, seu lugar preferido no mundo.
Fico surpresa ao entrar na cozinha e me deparar com a pessoa com quem eu queria falar. Cassandra está sentada à mesa com o celular em mãos, e consigo ver que está tremendo. Quando ela me vê, se levanta rapidamente e me abraça com um fervor que há muito tempo não fazia. Olhando para mim, ela diz com lágrimas nos olhos:
- Era Renata ao telefone, ela disse que houve uma briga entre Murilo e Rodrigo. Murilo está no hospital! - e então ela cai no choro.
Sem me permitir cair em desespero, corro para acordar Maya e meu sogro, explicando o ocorrido, pego a chave do carro do Senhor Roberto pendurada próxima à porta, coloco todos no carro e dirijo a caminho de Itoupava. Passo todo o caminho focada apenas na estrada, para não ter que pensar no que pode ter acontecido com meu marido.
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