• CAPÍTULO 5 •

Olho para o relógio e se aproxima das oito da noite. Eu não sei o que está acontecendo comigo, mas um nó surge em minha garganta e meus olhos ficam úmidos. Bae volta a ligar para Darry, mas ele não atende para não se perder no caminho e volta a focar toda sua atenção em qualquer lugar que não seja eu. A sensação é de que voltamos a ser aqueles dois desconhecidos que entraram nesse carro há quatro dias, a diferença é que há quatro dias eu não me importava em ter que me despedir tanto quanto me importo agora.


– Bom, acho que é aqui que acaba...


Darry puxa o freio de mão em frente a casa enfeitada que conheço apenas por foto e eu preciso respirar fundo algumas vezes para me preparar para a despedida. Ele desce primeiro e dá a volta para abrir a porta para mim como um perfeito cavalheiro e em seguida vai até a carroceria para pegar minha bagagem enquanto a neve cai sobre nossas cabeças. Perco alguns segundos observando o grande sobrado que passarei o Natal e sinto o coração acelerar pela ansiedade de ver meus pais pela primeira vez em sete anos.


– Ansiosa? – minha atenção se volta para ele, que esforça um sorriso.

– Um misto de sensações – dou um longo suspiro. É muita coisa acontecendo aqui dentro de uma só vez.

– Não tem mais porque esperar, vai lá, você chegou. Você prometeu que chegaria até o dia 24 e você conseguiu. Nós conseguimos.


Darry mantém esse sorriso triste ao desviar seu olhar para mim. Toda a minha bagagem está na calçada e eu apenas o encaro, tentando encontrar uma maneira de me despedir de algo que não quero. Ele percebe e toma a iniciativa, tirando as mãos dos bolsos do casaco e me trazendo para um abraço. Nós nos abraçamos algumas – poucas – vezes nas últimas 48 horas, mas dessa vez é diferente.


– Quem diria que uma passagem falsa ia causar tudo isso...

– Tudo por conta do seu golpista charmoso – Darry ri, mas dessa vez eu não tenho vontade de socar seu sorriso. Só queria ter a chance de ouvir sua risada mais vezes.

Nosso golpista charmoso. Você também caiu.

– E cairia de novo – seu olhar se encontra ao meu e desce até a minha boca – Valeu a pena.


Vocês estão ouvindo isso? É o meu coração batendo feito um sino frenético anunciando a chegada do Papai Noel. Darry me traz para mais perto e eu já estou cansada de resistir a ele. Nossos narizes gelados se tocam e meus lábios roçam os seus, mas o celular que vibra em seu bolso nos atrapalha. Ótimo, Bae, você de novo! Ele rejeita a ligação do melhor amigo e dá um sorriso pela minha revirada de olhos.


– Onde paramos?


Ele segura meu queixo e se aproxima mais uma vez, sem pressa e sem se importar com a neve caindo sobre nós. Meus olhos já estão fechados e meus braços ao redor do seu pescoço quando mais uma vez o celular vibra em seu bolso. Bae, eu juro que eu vou até a França para te bater!


– Pode atender a sua francesa, você já rejeitou a ligação no carro, essa é a terceira vez, pode ser importante...

– Vou contar pra ele o novo apelido – sorri.


Retribuo seu sorriso e ele se afasta para poder ouvir o amigo. Eu sinto tanta coisa aqui dentro, chega a ser estranho como ele conseguiu mexer comigo em tão pouco tempo. Provavelmente essa é a última vez que o vejo falar francês, então paro para admirar, mesmo sem ainda entender uma palavra. Minha distração é interrompida pela voz da minha mãe atrás de mim.


– Lilith, minha filha! Finalmente você chegou!


Me viro e meu sorriso se alarga no instante em que a vejo caminhar em minha direção com os braços abertos, sendo seguida pelo meu pai. Não sou mais capaz de conter as lágrimas, são sete anos de abraços guardados comigo. Abraços que pertencem apenas aos dois. Olhando seus rostos com mais rugas e os fios mais brancos me fazem perceber como fui tola. Eu não quero mais passar nenhum Natal longe da minha família.


– Vem, vamos entrar, aqui fora está congelando – minha mãe segura minha mão, mas eu estanco meus passos e olho para Darry ao telefone. Ainda não pode acabar.

– Claro, eu só vou... eu só... eu preciso me despedir.


Minha mãe é minha mãe. Não importa quantos anos eu passe longe dela, ela sempre vai saber no momento em que me olhar. Até mesmo a um país de distância ela sabia que eu não havia comprado a passagem, não é mesmo? Seus olhos seguem os meus e eles param em Darry, que acaba de desligar o telefone.


– Boa noite, senhor e senhora Melchior – Darry cumprimenta meus pais com um sorriso e se volta para mim – Bom, eu preciso ir...


Era tudo o que eu não queria ouvir.


– Nesse frio, nesse tempo?! Vamos entrar, eu faço um chocolate quente pra vocês... – minha mãe o convida e tudo o que eu queria é que ele dissesse sim.

– Eu agradeço, mas realmente preciso ir. Tenho um compromisso daqui a pouco...

– Compromisso em plena véspera de Natal? – minha mãe sorri.

– É, mãe, ele tem um compromisso importante – nós dois trocamos um sorriso cúmplice.

– Bom, vocês que sabem. Caso não tenha onde passar o Natal, será bem-vindo em nossa casa. Obrigada por trazer minha menina em segurança.

– Sua menina foi uma ótima companhia. Foi um prazer, senhora Melchior. Senhor Melchior... – ele acena a cabeça para meu pai, que está carregando minhas coisas para dentro de casa.


Aproveito a distração de meus pais com a minha bagagem e vou até ele mais uma vez. Sua ansiedade agora é evidente.


– Está tudo bem? – pergunto.

– O Bae viu um alerta de possível aurora boreal hoje. Ele não tem certeza se vai dar pra ver daqui, mas eu preciso me apressar. O mapa diz que o Lago Minnewanka é próximo, foi lá que minha mãe viu e é pra onde eu vou.

– Isso é ótimo! – dou um abraço apertado e empolgado, sei o quanto é importante para ele – Depois você já sabe pra onde vai?

– Vou ficar por aqui mais uns dois dias, preciso devolver o carro no aeroporto de Calgary dia 26... depois eu não sei. Quem sabe tem um golpista charmoso oferecendo passagem por aqui também?


Minha revirada de olhos seguida de um sorriso o faz sorrir também. O beijo que rejeitei e ansiei na mesma intensidade não aconteceu, mas acho que foi melhor assim, pelo bem do meu coração. O que não acontece é mais fácil de superar.


– Enfim, foi um prazer dividir a minha estrada até o Natal com você – Darry sorri.

– O prazer foi todo meu – retribuo seu sorriso – Mas agora vai! Você tem uma aurora boreal pra ver!


Mais um abraço nos toma e recebo um beijo na testa antes de Darry entrar no carro apressado e dar algumas buzinadas ao seguir seu caminho. Entro na casa dos meus pais e sinto o calor me abraçar. Conheço cada canto do lugar, me admiro com o tamanho do pinheiro enfeitado na sala e com o fato de que minha mãe decorou até a cozinha. 

Alguns biscoitos em formatos de boneco de neve me aguardam junto de um copo de chocolate quente sobre a mesa e é bom estar aqui com a minha família mais uma vez. Finalmente com o estômago cheio, subo até o quarto de visitas – o meu quarto – e minhas coisas já estão sobre a cama. Meus pais me ajudam a desfazer a mala e minha mãe questiona as sacolas de presentes.


– Deixe de ser curiosa! O Natal é só amanhã!

– E essa terceira sacola?


Eu havia me esquecido totalmente. Assim como me esqueci que ainda estou vestida com o casaco dele, que sequer pediu de volta. O presente de Natal que comprei para Darry está aqui, mas eu já não sei se será entregue, assim como não sei se conseguirei devolver sua blusa.


– Filha...? E essa terceira sacola?

– É do Darry – murmuro – Eu me esqueci de entregar.

– Entrega amanhã. Ele vai vir aqui, não vai?


Não, mãe, ele não vai.

Eu não queria ter me despedido. Ou eu sou muito iludida ou ele também não queria se despedir. Mas nós cumprimos o combinado, chegamos ao nosso destino no dia 24. Vou até a varanda do quarto e olho para o céu à procura de algum sinal das luzes do norte, mas não vejo nada. Meu pai pergunta o que tanto procuro no céu e eu o questiono se é possível ver a aurora boreal daqui.


– Aqui em casa é muito difícil, é mais fácil lá do Lago Minnewanka.


Ah, pai, você não imagina o quanto eu queria ouvir isso...
Eu sei que já nos despedimos e eu não deveria sair quando mal fiquei com meus pais, mas...


– Você pode me emprestar seu carro, então?


Minha mãe diz que acabei de chegar e já quero sair, mas meu pai joga as chaves em minha direção. Eu disse que chegaria até o dia 24 e cheguei, mas não disse que passaria a virada para o dia 25 aqui dentro. Pego o presente de Darry, agradeço meu pai com um beijo no rosto e saio em disparada pela porta. Pouco passa das onze da noite e o mapa indica que estou a vinte minutos de distância do Lago Minnewanka. Só preciso chegar até a meia-noite.

O estacionamento está vazio, então é fácil encontrar a caminhonete estacionada. Mas... está escuro e eu não sei para onde ir. É, eu não contava com isso. Ando feito besta pelas trilhas do lago mas não vejo ninguém, até que vejo de longe um foco de luz. Ou é o Darry ou meu Natal se transformará em um filme de terror. Meu otimismo prefere acreditar na primeira opção.


– O que você está fazendo aqui?! – a lanterna de Darry nos meus olhos quase me cegam.

– Eu... – o que eu estou fazendo aqui? – Eu esqueci de entregar o seu presente de Natal.

Lily... – Darry sorri e eu sinto que valeu a pena – Você veio até aqui por conta de um presente de Natal?

– E também pelo seu casaco. Sabe, vai que você decide ir pra um lugar ainda mais frio depois daqui... um casaco a menos vai fazer falta.

– Ah, sim, só por isso então? – ele larga a lanterna e vem até mim.

– Claro! Por qual outro motivo seria?! – meu sorriso entrega uma série de motivos que antecedem presente e casaco.

– Que bom que você veio – ele me abraça e eu quero derreter – Eu também esqueci de entregar o seu presente.


Eu também vou ganhar um presente?!
Pareço uma criança quando ele se afasta até sua mochila e vem até mim com uma caixinha embrulhada.


– Feliz Natal, Lily.


Abro a pequena caixa e retiro um globo de neve com uma casinha de biscoito de gengibre decorada. No fundo da caixinha, um cartão de Natal com o desenho de uma árvore repleta de luzinhas.


"Seus olhos possuem as melhores luzes de Natal.

PS: Tu me haces sentir cosas que yo no sabía que podía sentir. Me haces querer echar raices.

Darry"


– O que está escrito em espanhol? – pergunto já com os olhos brilhantes pelo presente.

– Você vai ter que descobrir – ele encolhe os ombros ao sorrir – Você comentou que não decora sua casa desde que seus pais vieram pra cá e que sente falta disso, então essa pode ser a primeira decoração pro próximo ano. Embaixo do globo tem nossos nomes, a data e a cidade, pra você não se esquecer.

– Como se eu pudesse me esquecer – sorrio de volta e estendo seu presente – Mas não sou só eu que sairei presenteada! Aqui, eu espero que goste.


Eu fico ansiosa até quando sou eu que dou o presente, incrível. Darry retira da embalagem o porta-retrato de madeira rústica com uma pequena árvore de Natal entalhada. O cartão que fiz não é tão bonito quanto o que ganhei, mas escrevi:


"Esse porta-retrato é
para emoldurar a memória da sua mãe através das Luzes do Norte"


Eu não imaginei que ele fosse se emocionar com um presente tão simples, mas a pouca luz que sai da lanterna ilumina os olhos marejados. Darry coloca a sacola com o porta-retrato no chão e me abraça forte. Quero morar nesse abraço.


Muito, mas muito obrigado – ele sussurra em meu ouvido.

– Eu não sabia que presente te dar, então pensei em algo que completasse sua jornada até aqui.

– Lily... – ele sorri e nossos rostos estão perto demais mais uma vez – Você foi o presente deste Natal.

– Darry, eu... eu não sei o que dizer...

– A frase em espanhol do cartão significa "você me faz sentir coisas que eu não sabia que podia sentir. Me faz querer criar raízes". E é verdade. Eu não sei como isso aconteceu, mas...

– Aconteceu aqui também.


Cansada de tentar resistir, abraço seu pescoço e finalmente experimento a boca que tanto venho desejando. Meu coração volta a bater feito um sino de Natal e duendes dão piruetas no meu estômago quando Darry abraça minha cintura e aprofunda o beijo que nos deixa sem fôlego. Se eu soubesse que seus lábios eram tão bons assim, teria me entregado na primeira oportunidade. Encosto minha testa na sua e abro os olhos, me deparando com um brilho diferente no chão. Olho para cima e...


– Darry... Darry! Olha!


Aponto para o céu e ele me acompanha. Eu não sei descrever tamanha beleza. Tons de verde dançam em seu próprio tempo no céu e eu começo a chorar ao testemunhar algo tão espetacular e singular. Darry se ajoelha e deixa algumas lágrimas escaparem enquanto sussurra algo ao vento. Algo que pertence somente a ele e sua mãe.


– Meia-noite – murmuro quando ele se levanta – No mesmo horário que sua mãe viu.

– Eu nunca fui muito de acreditar em milagres de Natal, mas acho que depois dos últimos dias eu preciso rever os meus conceitos... Feliz Natal, Lily.

– Feliz Natal, Darry.


Darry sorri e me dá mais um beijo antes de pegar sua câmera e registrar incontáveis momentos dessa noite tão única onde as Luzes do Norte se exibem no céu escuro, bailando seu ritmo em uma melodia que somente elas podem escutar, mas que nós entendemos também.

Minha mãe me ligou diversas vezes durante a madrugada, mas bastou eu entrar pela porta na manhã de Natal de mãos dadas com Darry para ela compreender onde eu estava. Mostramos todas as fotos que tiramos e realizamos a troca de presentes logo após o almoço. Darry não reservou nenhum hotel, então minha mãe o convenceu a ficar com a gente até o Ano Novo.

A semana entre o Natal e Ano Novo passou até que rápido, nós devolvemos a caminhonete na manhã do dia 26 e, após muita briga, fomos ressarcidos pelo gasto mecânico. Nos dias seguintes eu e Darry aproveitamos a companhia dos meus pais e fizemos até uma festa de Ano Novo, só nós quatro. Meu primeiro beijo do ano também foi dado assim que o relógio virou à meia-noite.

Agora, enquanto ele e minha mãe conversam lá embaixo, eu faço as malas aqui em cima. As despedidas acontecem na calçada e eu prometo que voltarei no próximo Natal. O convite se estende para Darry e ele diz que só depende de mim. Entramos no nosso novo carro alugado e somos só nós dois novamente na estrada, mas dessa vez não temos pressa em chegar a lugar algum.


– Acho que eu encontrei meu bom motivo para querer ficar e criar raízes.

– E eu, alguém que me faz voar.


Darry se inclina e me beija. Mais um beijo entre tantos que já trocamos nos últimos dias. Eu jamais pensei que fosse viver algo assim. Quando cheguei naquele aeroporto no dia 20 de dezembro, jamais pensei que terminaria o Natal ao lado de uma pessoa incrível, presenciando o espetáculo mais lindo da natureza. Que passaria meu Ano Novo e os dias seguintes em plena felicidade.

É, Darry, acho que agora eu também acredito em milagres de Natal.

Olá meus amores!
Acho que nunca escrevi algo tão leve e clichê e foi estranhamente satisfatório. Fiquei tão empolgada com esse conto que escrevi tudo em três dias e ele ficou quatro vezes maior do que planejei.

Espero que tenham gostado da jornada de Lilith e Darry na estrada para o Natal, pois foi um prazer poder escrever essa história.
Tenho planos para mais dois contos natalinos (mas quem me conhece sabe o quanto eu sou enrolada), então pode ser que em breve eu surja com mais uma história para aquecer o coração nesse clima de fim de ano.

Beijinhos e até mais! ♥

FELIZ NATAL!

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