• CAPÍTULO 3 •
Acordo com a falação de Darrel com o mecânico que nos cedeu a noite na oficina. Esfrego os olhos cansados e demoro a focar minha visão nos dois, o senhor inclina os ombros e diz que não pode fazer nada enquanto meu companheiro de viagem lança seu olhar preocupado para a caminhonete. Prefiro ver a carranca ruiva do que essa preocupação estampada.
– Bom dia... o que houve? – digo ao me levantar e seguir até os dois.
– O radiador... esse modelo é antigo, não tem na cidade – Darrel não está explodindo de raiva como anteontem no aeroporto, o que é preocupante.
– Não... Darrel... Darry – corrijo antes que ele me lance aquele olhar – Você sabe que eu preciso chegar até dia 24... Nós precisamos...
– Fique tranquila, senhora, eu encomendei com um amigo, ele me prometeu que até amanhã de manhã o radiador tá aqui. Até meio-dia o carro vai estar pronto – o mecânico me diz, como se não fosse preocupante que amanhã já é dia 23 de dezembro e nós ainda temos um longo caminho pela frente.
– Amanhã de manhã... – murmuro e agora entendo o porquê Darrel não está surtando. Ele também já não tem mais forças.
– O que a gente vai fazer? – minha atenção agora vai para meu companheiro de viagem, que parece tão perdido quanto eu.
– Não dá pra gente ficar na oficina mais um dia, sem dormir a gente não chega muito longe.
– Se vocês quiserem, eu deixo vocês no hotel lá do centro da cidade.
Darrel me olha e eu dou de ombros. Eu preciso de um banho, preciso de um colchão, preciso de um travesseiro que não seja tão deliciosamente perfumado. Mas lá vai mais dinheiro. Eu já nem sei mais o quanto gastamos até aqui e tenho até medo de fazer as contas. Aceitamos a carona e arrumamos nossa bagagem no porta-malas do carro do senhor, que vem conversando por todo o caminho, nos mostrando os pontos principais da cidade e toda a decoração natalina das ruas.
Assim que desembarcamos no hotel do centro da cidade, o homem nos informa que virá nos buscar quando nosso carro ficar pronto. Minha exaustão é tanta que apenas aceno enquanto Darrel anota seu número no celular. Ele pega sua mochila e minha mala e agradecemos aos céus quando o ar quente nos recepciona assim que passamos pela grande porta enfeitada.
Logo estamos do lado de fora mais uma vez. Não há quartos disponíveis até o Ano Novo. Caminhamos pelas ruas geladas, mas nenhum hotel parece ter vagas. Não tomamos café da manhã e eu estou com fome, o que me deixa mais chata do que o normal. Darrel se cansa de ouvir minhas reclamações e entra na primeira cafeteria que encontra, um local pequeno e aconchegante com um pinheiro modesto enfeitado em tons de outono no canto do salão e dezenas de enfeites pendurados pelas janelas e balcões. Em lugares assim eu me sinto dentro de um filme de Natal. Enquanto enchemos nossa barriga e nos aquecemos com o chocolate quente, procuramos e discutimos sobre onde passaremos a noite.
– Desculpa interromper, mas ouvi que vocês estão procurando por hospedagem... – a garçonete que nos atendeu se aproxima com um sorriso.
– Já encontramos, obrigado – Darrel agradece e eu o fuzilo com o olhar. Como assim, já encontramos?
– Já encontramos, porém estamos dispostos a mudar, não é mesmo? – forço um sorriso para ele, que revira os olhos.
– Vocês já foram na pousada aqui da rua de trás? Lá costuma ter quartos porque é bem antiga e não se modernizou com o tempo, então os turistas não se interessam.
– Ah, que bom saber, nós vamos passar lá sim – sorrio com essa luz no fim do túnel.
– Lilith, você está doida?! – Darrel fala assim que a garçonete se afasta – Já não basta o golpe que seu charmoso Henry deu na gente, você ainda quer cair em mais um?
– Você acha que ela vai fazer o quê? Sequestrar a gente e roubar nossas roupas? Porque é só isso que a gente tem.
– Não, ela vai te levar até um caixa eletrônico e te fazer dar mil dólares de boa vontade pra ela.
– Nós vamos até essa pousada, está decidido – cruzo meus braços e arqueio as sobrancelhas – E eu dei mil dólares de boa vontade, já pra chegar até aqui com você, não foi tão de boa vontade assim.
Darrel suspira e desiste de me questionar. Quem ele pensa que é para falar assim comigo?! Mal me conhece e acha que tem alguma moral para criticar o mesmo golpe em que ele caiu. Pago a conta e saio em passos duros até a rua de trás com ele ao meu encalço, mas sem abrir a boca para nada. Chegamos na tal pousada e sua fachada antiga não é convidativa, mas assim que entramos sentimos o aconchego do lugar. Uma senhora nos atende com um sorriso doce que faz até o coração de pedra desse insuportável amolecer.
–Bom dia, nós precisamos de dois quartos – sorrio para a senhora.
– Ah, eu sinto muito, estamos lotados, época de Natal... – meu sorriso morre e Darrel suspira atrás de mim.
– Ah, tudo bem, obrigada então...
– Ah, não, espere – ela me chama enquanto segue as linhas de um caderno – Temos um quarto sim, ficou vago agora de manhã.
– Um quarto só? – Darrel fala pela primeira vez desde a cafeteria.
– Sim, mas fiquem tranquilos, ele acomoda duas pessoas – ela sorri – Se quiserem ficar, vão precisar aguardar só um pouquinho enquanto fazem a limpeza do quarto.
Aceito sem nem olhar para Darrel, ele que durma na rua se não quiser ficar. Eu preciso de um banho e não vou abrir mão desse quarto porque ele está birrento. Para a minha surpresa, ele aceita no mesmo instante que eu e ainda a agradece. Enquanto aguardamos a liberação, ficamos no hall de entrada e observo cada canto daquele lugar, a árvore de Natal enfeitada em suas cores mais tradicionais, as luzes piscantes emoldurando a janela e a manta xadrez verde e vermelha sobre um dos sofás. Eu definitivamente estou dentro de um filme natalino.
Nosso quarto é liberado e subimos os dois lances de escada carregando nossas malas. Já carregamos tanto elas por aí que quase não sentimos mais todo o peso. Assim que Darrel destranca a porta, ele me encara com os olhos arregalados. Esses malditos olhos bonitos ficam ainda mais bonitos arregalados desse jeito. Sigo seu olhar e eu não queria ter que falar nenhum palavrão, mas...
– Puta que pariu...
É tudo o que sai da minha boca ao ver aquela única cama de casal com um edredom xadrez em tons de cinza e branco que parece macio demais, vários travesseiros e uma manta vermelha que eu nem preciso chegar perto para saber que é quentinha. Minha vontade é me enfiar debaixo de tudo isso e ficar ali até amanhã, mas o problema é justamente que eu não vou me enfiar aí embaixo sozinha.
Aliás eu nem sei como vamos fazer. Vamos mesmo dividir a cama? Olho ao redor e não tem um mísero sofá, um recamier, nada. Só um guarda-roupa de madeira antiga que não daria para dormir dentro, senão eu até arriscaria. Dormir na banheira seria uma opção, se houvesse uma banheira, mas daqui da porta eu já vejo que só tem um chuveiro.
– O que a gente vai fazer? – Darrel pergunta num fio de voz.
– Bom... seu saco de dormir está aí, não está? – essa é minha única saída.
– Você acha mesmo que eu estou pagando um quarto de hotel pra passar mais uma noite num saco de dormir? – ele me encara e sei que ele tem razão.
– Que seja... eu preciso tomar um banho, estou nojenta, depois nós vemos o que fazer. E não vá deitar na cama sem tomar um banho antes!
Separo minha roupa e vou para o banheiro enquanto ele revira sua mochila sentado no chão. Recuperei minha dignidade nesse banho quente e quando saio do cômodo já vestida, ele se apressa para a sua vez debaixo do chuveiro. Me distraio com meu celular – que ficou de lado por boa parte dessa viagem insana – e com todas as mensagens da minha mãe. Respondo que chegarei até o dia 24, mesmo sem ter tanta certeza disso. Quando dou por mim, Darrel está revirando sua mochila com os cabelos ruivos e úmidos pingando em seus ombros e molhando sua regata branca. Oi Deus, sou eu mais uma vez...
– Eu vou sair – digo de repente, chamando sua atenção para mim.
– Onde você vai? – droga, Darry, não me encara com esse olhar ladino...
– Vou procurar um presente para os meus pais. Não pega bem chegar de mãos abanando em pleno Natal, principalmente depois de atrasar quatro dias.
– Faz sentido. Quer que eu vá com você?
– Não precisa. Pode aproveitar bastante a cama até eu voltar – sorrio e lanço uma piscada que me arrependo em seguida.
– Me passa seu telefone então, sabe como é, você não me parece muito boa com caminhos... Se anoitecer e você não chegar, eu te ligo pra saber se ainda está na cidade ou se acabou se perdendo e foi parar no México...
Ele sorri e mais do que nunca eu quero socar esse sorriso bonito. Reviro os olhos e me controlo para não mostrar o dedo do meio antes de sair, porque, apesar de tudo, acho que ele ainda acredita que tenho um pouquinho de educação (mas ok, eu não tenho). Ando pelo pequeno centro da cidade e por mais que não esteja nevando no momento, o chão está coberto de neve e o ar gelado falta congelar meu nariz. Mas eu preciso focar, por mais que queira voltar para o calor da pousada. Se estou caminhando nesse tempo, é somente por causa dos meus pais. Eles merecem um presente depois de tanta ausência minha.
Volto para a pousada já perto de anoitecer carregando algumas sacolas e ao contrário do que pensei, Darrel não estava dormindo. Estava deitado sob as cobertas e ocupando muito espaço da cama, mas falando no celular. Não o vi fazer ou receber nenhuma ligação desde o aeroporto, mas mais uma vez estou ouvindo – e babando – seu sotaque francês.
– Lilith est arrivée, nous parlerons plus tard, Bae.
Ouvi meu nome, mas não faço ideia do que ele disse. Pior, bae* é bae em todo lugar. Todo mundo sabe que bae é um apelido carinhoso que se refere à pessoa mais importante da sua vida. Eu estou dividindo uma viagem, um carro e agora uma cama com alguém que tem uma bae por aí.
– Já ia te ligar – ele sorri e é até bom ouvir um idioma que eu entendo, mas ainda quero saber o que ele falou de mim com a pessoa dele.
– Achei o caminho de volta – retribuo com um sorriso forçado e ergo as sacolas – E comprei tudo o que precisava.
– Que bom – ele se levanta e calça suas botas – Você comeu em algum lugar?
– Comi algumas castanhas assadas de um carrinho de Natal do centro, mas não foi o suficiente.
– Nesse caso, quer ir jantar comigo?
Darry acabou de me convidar para jantar? E ainda logo depois de desligar o telefone com sua francesa? Ah, Lilith, você assiste comédias românticas demais. Claro que não, é só um jantar. Vocês já almoçaram juntos, afinal de contas. Ele falou seu nome, ela sabe que vocês estão viajando juntos e apenas isso, então é somente um jantar qualquer.
– Lilith? – ele me chama e só então eu percebo que ainda não respondi – Você me ouviu?
– Sim, claro, desculpa...
– E então, quer jantar comigo? Sabe, você pagou o café da manhã, nada mais justo que eu te pagar um jantar.
Claro, é por causa do café da manhã, eu sabia. Abro um sorriso infimamente autopiedoso por ter pensado mesmo que por um segundo que o convite foi por outras razões e aceito, pedindo apenas vinte minutos para poder me ajeitar, já que acabei de chegar da rua. Logo estou pronta e seguimos lado a lado pelas ruas enfeitadas à procura de um restaurante que caiba em nosso orçamento.
Não sei se é esse clima de Natal que torna até os lugares mais simples em ambientes totalmente instagramáveis, mas o restaurante que encontramos tem exatamente essa atmosfera. Os móveis rústicos, a decoração natalina escapando por cada fresta e em cada canto, o pinheiro repleto de enfeites, as luzinhas coloridas ziguezagueando pelo teto, o ambiente à meia-luz. Eu olho ao redor encantada com tudo isso enquanto sinto olhos pesados sobre os meus.
– O que foi? – pergunto com um sorriso ao encontrar os olhos que me encaram.
– Bom, aqui tem muito mais luzes de Natal do que na oficina, então é mais fácil de se distrair com o reflexo...
Ele sorri e abaixa o olhar até o cardápio sobre a mesa, e só então percebo que ele fala dos meus olhos. Queria não sorrir feito boba, mas é um elogio tão sutil que quando percebo, já estou com os lábios curvados. Mas tenha foco, Lilith, ele tem uma francesa em algum lugar desse mundo. Ele tem uma bae. E é lembrando disso que desfaço esse sorriso insistente e corro o olhar pelo cardápio.
Pedimos um vinho enquanto aguardamos por nossos pratos, já que merecemos um mimo depois de tudo o que passamos. Brindamos à nossa viagem que segue pela metade e pedimos aos céus que a outra metade seja tranquila.
– Apesar de tudo, é bom conhecer um pouco do meu país, sair de Chicago e arredores... – digo após mais um gole de vinho.
– Você nunca saiu de lá?
– Ah, só fui até os Estados vizinhos e pra Disney uma vez quando era adolescente. Não conheço nem mesmo a casa dos meus pais. Já você... treze países, certo?
– Sim – ele sorri – Comecei a viajar assim que fiz dezoito anos, a primeira viagem foi ao México, presente de aniversário da minha mãe. Aí eu me apaixonei por essa vida e desde então não parei. Já visitei todos os continentes, com exceção da Antártida.
– E eu feliz que vou sair dos Estados Unidos pela primeira vez – sorrio mais uma vez. Incrível como o vinho deixa meus sorrisos mais frequentes.
– Nunca é tarde pra começar – ele dá de ombros e relaxa na cadeira.
– Tarde não é, mas acho que deveria ter começado um pouquinho mais cedo. Eu não falo nada além de inglês.
– Você acaba aprendendo um pouco em cada país. Eu não sabia nada de espanhol quando fui pro México e hoje falo bem, apesar de não ser fluente.
– Só sei dizer "gracias" e "yo no hablo español" – dou de ombros.
– Então se eu disser "estoy cenando con una chica muy linda que tiene unos ojos que me aceleran el corazón" você não vai saber o que eu disse, certo? – mais uma vez ele sorri, mas agora seu sorriso esconde algum detalhe que não consigo decifrar.
– Não, me parece tão difícil quanto francês – retribuo seu sorriso – Mas quero saber o que você disse.
– Disse apenas que estou jantando com você.
Ele dá de ombros e antes que continue a falar sobre suas viagens, seu celular vibra sobre a mesa e o nome Bae aparece na tela. Ele rejeita a ligação e se desculpa em seguida, mas isso me faz lembrar mais uma vez que não posso ceder aos seus encantos bilíngues. O jantar é servido e nossos assuntos agora voltam para a minha vida, que definitivamente não é tão empolgante quanto a dele.
– Me formei em Marketing, trabalho em uma editora mediana há pouco mais de um ano, deixei minha casa uma bagunça antes de ir ao aeroporto, passo meus fins de semana assistindo séries e matei meu peixe de estimação há dois meses sem querer. Fim.
Darry ri e é uma droga gostar do som da sua risada sabendo que Bae está ligando mais uma vez, fazendo o celular vibrar sobre a mesa. Ele está pronto para rejeitar a ligação quando digo para atender, se sua francesa está insistindo tanto, deve ser importante. Mais um pedido de desculpas e seu sotaque francês se inicia, não ajudando muito em minha distração. Eu poderia ouvi-lo por horas.
– Tentei ser o mais breve possível, desculpe – ele diz assim que desliga a ligação e também o aparelho – Onde paramos?
Ele coloca mais vinho em nossas taças e volta a comer enquanto eu me mantenho em silêncio. Não me lembro onde paramos porque tentei a todo custo entender o que ele falava e já disse que minha memória não é das melhores, então uma informação acaba sobrescrevendo outra. Bae está lá fora em algum lugar do mundo esperando por ele enquanto ele está aqui, em algum lugar do Minnesota jantando com outra garota, com o telefone desligado para não ser incomodado.
Acho que Darrel percebeu a minha mudança repentina, pois pagou a conta assim que terminamos aquela garrafa de vinho – o que não demorou – e me chamou para ir embora. Mais uma vez estamos caminhando lado a lado pelas ruas nevadas, sentindo nossos narizes congelarem e vendo a fumaça sair de nossas bocas.
Não trocamos muitas palavras pelo caminho, apenas apontamos uma ou outra decoração e eu comento que sinto falta do Natal no meu apartamento, pois desde que meus pais foram embora a tradição foi junto com eles e eu nunca tive coragem de decorar nada, por mais que sinta saudade de ter os enfeites espalhados pela casa.
Assim que chegamos ao nosso quarto, o assunto que tanto evitamos desde essa manhã se torna necessário: como faremos para dormir? Não entendo muito bem o que ele diz de dentro do banheiro enquanto escova os dentes e troca de roupa, mas concordo de maneira automática enquanto procuro meu pijama – que por sorte é um pijama de inverno, porque a última coisa que preciso é de uma camisola curta e à vontade demais.
– Então é isso – ele diz ao abrir a porta do banheiro e sair com uma calça de moletom e aquela mesma regata branca que estava mais cedo, atraindo totalmente o meu olhar – O único jeito é dividir a cama, então é só fazer a barreira de travesseiros e está tudo certo.
– Você acha que vai dar certo? – "Os olhos dele estão lá em cima", meu subconsciente me lembra.
– Você acabou de concordar com isso quando eu sugeri.
– Ah, é claro – finalmente foco meu olhar no seu e abro um sorriso – Vou escovar os dentes e colocar meu pijama, faça a barreira enquanto isso, por favor.
Não é nada demais, certo? Nós compartilhamos a carroceria da caminhonete ontem, mesmo que por poucas horas. Também não é a primeira vez que vou dividir uma cama, já dormi com outros caras antes. Mas é a primeira vez que vou dividir uma cama com alguém que tem outro alguém. Ontem eu não sabia disso, mas hoje eu sei.
Volto para o quarto e ele já está deitado sob as cobertas enquanto quatro travesseiros separam o meu lado do seu. Me espremo no pouco espaço que tenho e reclamo baixinho que Darrel tem mais conforto que eu, mas ele não me ouve pois está de costas para mim. Desejo boa noite e apago a luz do abajur, será uma longa e desconfortável noite.
Já deve ter pelo menos uma hora que nós estamos deitados nessa cama e até agora eu não preguei os olhos. Cada vez que ele se vira, praticamente me vira junto nesse colchão de molas. A cama não parecia tão pequena quando chegamos e eu vou surtar a qualquer momento se continuar sem conseguir me mexer direito. Antes que eu possa tentar me virar mais uma vez, ele acende o abajur do seu lado e se senta, bagunçando os cobertores.
– Não dá, essa foi uma péssima ideia – sua voz não é de alguém que estava dormindo há pouco tempo, então ele está tão acordado e injuriado quanto eu.
– Sim! – concordo de imediato ao me sentar também. Ele finalmente percebeu que a melhor saída é ir para o saco de dormir.
– Assim vai ser melhor...
Darrel, por que você está jogando os travesseiros no chão...? Darrel... por que você está tirando a única barreira que nos separa? Darry... eu acho que nós não pensamos na mesma solução...
– Bem melhor... – ele sorri e volta a se deitar.
– Ah, claro, bem melhor... – retribuo com qualquer feição que lembre de longe um sorriso.
Mais uma vez desejamos boa noite e ele apaga o abajur, mas nenhum dos dois se vira. Dois tontos encarando o teto. Quer dizer, uma tonta encarando o teto, ele já deve estar de olhos fechados. Minha mão encosta na dele sem querer debaixo das cobertas e eu me afasto no mesmo instante, mas logo ele volta a aproximá-la.
– Obrigado por ter aceitado jantar comigo – ele sussurra e eu chego a prender minha respiração por um instante, pareço até uma adolescente.
– Obrigada pelo convite – sussurro de volta.
– Sabe... – o sinto virar na cama e o abajur do seu lado se acende mais uma vez – Eu não estou arrependido dessa viagem.
– Você teria evitado muita dor de cabeça se tivesse me deixado esperando pelo milagre inexistente de Natal e pedido carona até o Canadá – deixo de encarar o teto para olhá-lo e não me surpreende que ele esteja virado para mim.
– Mas não seria a mesma coisa – um sorriso sutil toma seus lábios, que é tudo o que eu enxergo nesse momento.
– Duraria alguns dias a menos.
– A demora está valendo a pena.
A forma que Darry sorri enquanto corre seu olhar dos meus olhos até minha boca faz borboletas baterem as asas freneticamente no meu estômago e eu sinto meu corpo arrepiar quando sua mão acaricia meu braço sob as cobertas conforme ele se aproxima. Tirar a barreira de travesseiros não foi uma boa ideia porque agora eu não tenho como me proteger da minha vontade de continuar. Oi Deus, sou eu de novo... mais uma vez. Me livra da tentação, por favor, nunca te pedi nada...
– Darry... – minha voz sai quase num sussurro – Você não deveria fazer isso. Você tem uma bae.
– Quê?! – ele se afasta e franze o cenho para mim – Eu tenho uma... o quê?
– Não se faça de desentendido agora...
– Lilith, eu não sei...
– Só vamos dormir, tá bom? – o interrompo – Amanhã é dia 23, o carro fica pronto e nós precisamos de uma boa noite de sono pra seguir viagem, certo?
– Como quiser.
Acho que o alto suspiro antes de apagar o abajur não foi intencional, mas eu ouvi mesmo assim. Demoro a dormir, mas a respiração pesada ao meu lado entrega que o cansaço o venceu até que rápido. Quando estou quase pegando no sono, sinto um abraço em minha cintura e um ar quente em minha nuca. Darry está abraçado a mim e por mais errado que isso possa ser, é assim que me entrego ao sono.
*Bae é uma gíria muito comum nos Estados Unidos usada para se referir a pessoa que amamos.
Existem dois significados para o termo BAE, um é "Before Anyone Else" ("antes de qualquer outra pessoa", e neste sentido, se refere a pessoa mais importante da nossa vida) e o outro é apenas uma abreviação de Babe ou Baby.
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