• CAPÍTULO 1 •

Todo o frenesi que dezembro traz junto com a neve já começou e as luzes de Natal já estão bem brilhantes vistas aqui de cima. Todo o departamento de marketing foi embora, mas eu continuo aqui, distraída com a paisagem da janela enquanto aguardo o site da companhia aérea carregar. Eu não deveria ter deixado as passagens para última hora, mas se não fosse assim, não seria eu.


– Ah, é você, que novidade... – ouvi uma voz masculina e quase fiquei cega com o facho de luz da lanterna em sua mão – Lilith, você precisa ir embora, quero chegar na minha casa ainda hoje.

– Ah, Harold, só mais cinco minutos, por favor! – junto as mãos em súplica para o segurança do prédio, mas em vão.

– De forma alguma, eu quero descansar. Por que você não aproveita e vai embora pra curtir suas férias igual aos seus colegas?

– Eu preciso comprar uma passagem pra casa dos meus pais, o site está sobrecarregado... Preciso chegar lá dia 20.

– Ótima ideia esperar chegar o dia 15 de dezembro para comprar passagens para o dia 20, o mês de dezembro quase não é de alta temporada, não é mesmo? – ele sorri ao observar minha feição nada contente em sua direção – Compre da sua casa, Lilith. Meu horário já passou e o seu também. Você tem dois minutos pra entrar no elevador ou você ficará presa aqui até o final das suas férias.


Ele não se importa com as minhas reclamações e meu revirar de olhos enquanto desligo o computador. Sei que ele tem razão e que eu deveria ter comprado as passagens quando minha mãe me convidou para passar o Natal com ela e meu pai ainda no mês passado, mas eu me esqueci. Aliás, eu sempre me esqueço. Me dê um prazo por escrito e me veja concluir algo com maestria o mais rápido possível, me avise casualmente e me veja esquecer para sempre.

Jean-Jacques Rousseau disse uma vez que o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe. Eu prefiro dizer que o transporte público o corrompe. Mais uma vez todo esse êxtase do Natal que faz as pessoas saírem às ruas em massa me fez chegar mais tarde em casa. Largo meu casaco em qualquer canto, tomo meu banho quente e me deito sem nem ao menos um jantar digno. Eu só preciso descansar e não há nada que me impeça, nem mesmo o estresse em não conseguir entrar no site da companhia aérea. Eu posso fazer isso amanhã.

***

Estava tendo um sonho maravilhoso com o Henry Cavill, mas a música que embalava esse devaneio nada mais era do que o toque do meu celular. Nem me dou ao trabalho de abrir os olhos, apenas tateio a mesa de cabeceira procurando pelo aparelho e o atendo de maneira totalmente automática, sem nem ao menos disfarçar a voz de quem acabou de acordar de um dos melhores sonhos do ano.


– Alô? – ou um murmúrio que parece com uma saudação.

Lilith Eve Melchior! – a voz completamente irritada de minha mãe me faz abrir os olhos no mesmo instante e me lembrar do que eu deveria ter feito há cinco dias.

Ah... – é tudo que consigo murmurar antes de sua voz me interromper.

– Me diga, por favor, que você está dormindo no avião a caminho daqui.

– Ah, sim, é claro, avião... – minto enquanto olho o quarto bagunçado ao meu redor.

– Lilith, eu não nasci ontem! Eu sei das suas mentiras desde que você tinha quatro anos! Você se esqueceu, não é mesmo?

– Me desculpa, mãe, eu perdi a hora – "e esqueci de comprar a passagem", eu deveria dizer. Mas obviamente não disse. Olho rapidamente para o horário no celular e já passa do meio-dia. Parabéns, Lilith.

Hoje já é dia 20, Lilith! Você deveria chegar até o fim dessa tarde!

– E eu vou – me levanto segurando o celular com o ombro enquanto tiro meu pijama apressadamente – Bom, talvez não hoje, mas até o dia 24 eu estou aí, eu juro.

– E o que eu vou dizer para o seu pai? Ele está ansioso pra te ver!

– Que passaremos o Natal juntos, mãe. Eu preciso desligar, mas juro que está tudo sob controle.


Minha mãe se despede após algumas broncas que sinceramente não prestei atenção. Como eu pude me esquecer mais uma vez? Eu deveria fazer o Harold pagar a minha passagem, se eu tivesse esperado aquele dia... A quem eu quero enganar? Eu deveria ter comprado essas passagens há um mês. Ligo meu computador enquanto tomo meu café e atualizo a página da companhia aérea insistentemente enquanto escovo os dentes. O bom de ser uma pessoa constantemente atrasada, é que acabo me tornando multitarefa.

Ou o site está com problemas ou de fato não há mais passagens para o Canadá. Levando em conta a minha sorte, aposto na segunda opção. Bufo e jogo a cabeça para trás, apertando os olhos com as mãos. Isso não poderia acontecer. Com uma determinação que não sei de onde surgiu, arrumo minha mala e entro em um táxi em direção ao aeroporto. Não é possível que não haja um mísero voo com um assento disponível, nem precisa mais ser para Calgary, qualquer outro aeroporto canadense está valendo. O importante é chegar lá.


– Sinto muito, senhora, mas o voo está lotado.

– Não tem mais nenhum lugarzinho? – debruço no balcão com meu melhor sorriso, o que nunca adianta nada.

– Não, senhora, eu sinto muito. Temos assentos disponíveis para o dia 26, caso tenha interesse.


Agradeço e saio cabisbaixa pelo lugar. Paro em uma cafeteria ao sentir meu estômago roncar e me sento em uma mesa solitária com meu copo fumegante. O que vou fazer agora? Por que eu tenho que ser assim? Eu deveria ter comprado essa passagem há tempos! Como eu pude me esquecer... Como eu...


– Com licença, atrapalho? – meus devaneios são interrompidos por um homem engravatado muito bonito, por sinal. Não, não chegava aos pés do Henry Cavill, mas dava para o gasto (e que gasto!).

– Não, claro que não – meu murmúrio desanimado não é nada convidativo – Em que posso ajudar?

– Na verdade, acho que eu quem posso te ajudar – ele sorri e, nossa, que sorriso bonito – Me chamo Henry, prazer – ele estende a mão e eu quase esbocei um sorriso ao ouvir seu nome. Que ironia, não?

– Lilith – retribuo o gesto – E como você poderia me ajudar?

– Bom, eu te ouvi procurar uma passagem para Calgary e olha só que coincidência, eu estava indo para lá, mas tive um imprevisto em uma das minhas empresas e precisarei ficar por aqui – ele me estende o papel – O voo sai às sete da noite, caso você tenha interesse.

– Muito gentil da sua parte – sorrio polidamente, mas estou dando saltos de alegria por dentro. Se anjos existem, eles são bonitos, engravatados e se chamam Henry – Quanto quer por ela?

– O mesmo que paguei – ele aponta o valor em seu celular. Definitivamente é mais do que eu esperava pagar, mas é isso ou não ver meus pais no Natal.

– Feito – abro ainda mais meu sorriso.

– Ótimo – ele se levanta e me estende a mão como um perfeito cavalheiro – Vamos, eu te acompanho até o caixa eletrônico.


Esse homem é um verdadeiro anjo. Carregou minhas malas por todo o saguão, me pagou um chocolate quente pois o café anterior estava horrível e ainda aguardou pacientemente a fila do caixa eletrônico. Assim que entrego todos os dólares, ele sorri, beija o dorso da minha mão e se despede, seguindo seu caminho oposto ao meu. Abro um sorriso bobo ao pensar que ele poderia ser o Henry do sonho que tive essa manhã. Ainda rindo de mim mesma, me distraio pelas duas horas seguintes até o momento do check-in.

A fila está imensa atrás de mim enquanto um rapaz discute com a funcionária no balcão. Não entendo o porquê as pessoas descontam suas frustrações em funcionários que não tem nada a ver com qualquer erro da companhia, então apenas reviro os olhos para o estressadinho, eu sou a próxima e ele está segurando toda a fila por algum problema que definitivamente não é meu.


– Com licença – cutuco seu ombro da maneira mais educada possível – Senhor, tem uma fila enorme aqui...

– Mas agora é minha vez, como pode ver – o rapaz responde com rispidez sem nem ao menos se virar, mas tem uma voz imponente que faria outra pessoa se calar (convenhamos, eu sou chata demais para obedecer).

– E eu estou esperando a minha vez há pelo menos vinte minutos, mas você não sai daí! – é, talvez não mais tão educada, mas talvez ele não mereça minha educação.

– Senhor, por favor, aguarde ao lado, vamos verificar sua situação, se acalme – a atendente pede gentilmente e ele cede, mas não sem antes bufar irritado.

– Boa noite – abro um sorriso vitorioso e estendo a passagem para ela – Assento 27-B.

– Ah, não... – a atendente murmura e no mesmo instante o rapaz estressadinho vem em minha direção.

– Qual é o seu assento?! – ele se agita demais para o meu gosto.

– 27-B, por quê?

Não, esse assento é meu! – ele passa as mãos nervosas sobre sua barba por fazer que é tão ruiva quanto seu cabelo e eu estou duvidando bastante de sua sanidade no momento.

– Olha, meu senhor, eu não sei se você deixou de tomar seus remédios hoje, mas eu tenho que chegar em Calgary o quanto antes, então por favor, se controle e deixe o check-in continuar, ok?

Eh... Senhora Melchior? – a atendente me chama e eu desfaço a carranca que encara o rapaz e abro meu melhor sorriso, aguardando para que ela me deseje boa viagem – Não posso realizar seu check-in, o assento 27-B já está ocupado.

– Sim, por mim – o irritante rapaz estende sua passagem mais uma vez.

Como é?! – praticamente grito com a mulher e não me orgulho disso – Olha aqui, eu tenho uma passagem, paguei caro demais por ela e não vou deixar de embarcar nesse avião porque um mochileiro qualquer que esqueceu de tomar seus remédios acha que comprou o mesmo lugar que eu!

– Na verdade, há uma terceira pessoa. E ela já está embarcada, porém fez a gentileza de nos emprestar sua passagem para conferirmos no sistema mais uma vez.


Eu e o mochileiro que insiste nessa história começamos a discutir com a atendente – da mesma maneira que julguei antes – e ela pede nossas passagens antes de sumir mais uma vez por um corredor. O rapaz pega o celular e começa a falar de maneira raivosa com alguém, mas não faço ideia do que esteja falando, pois ele fala francês e eu faltei nessas aulas. Eu não posso perder esse voo, a sensação que tenho é que o maravilhoso e gentil Henry que não é Cavill me deu um doce e a companhia aérea está tirando das minhas mãos, me fazendo querer chorar igual a uma criança.


– Senhora Melchior, senhor Winston... – uma outra mulher surge com nossas passagens, seu uniforme é diferente e sua identificação mostra que é a gerente da companhia – Onde vocês compraram suas passagens?

– Um engravatado me abordou e disse que tinha uma passagem pra vender com urgência – o mochileiro doido dá de ombros.

– Um homem muito charmoso me pagou um chocolate quente e me vendeu a passagem dele, disse que teve um imprevisto e não poderia embarcar – sorrio ao lembrar da beleza do Henry.

– Deixa eu adivinhar, ele teve um imprevisto em uma das empresas dele e te vendeu pelo mesmo valor que ele pagou? – o rapaz cruza os braços ao me perguntar e eu assinto mecanicamente ao finalmente me dar conta do que aconteceu – Como nós somos trouxas – sua voz sai abafada pelas mãos em seu rosto.

– Não, não pode ser, o Henry parecia tão decente...

Henry – ele sorri e eu sinto raiva – É verdade, havia esquecido seu nome. Se eu pego esse cara eu...

– Que bom que resolvemos – a gerente interrompe o rapaz e nos entrega as passagens de volta – Se me dão licença, precisamos retomar o check-in.

– E quanto a nós?! – pergunto já sem nenhum fio de esperança.

– As passagens são falsas, mulher! – aquela voz imponente se altera – Seu charmoso Henry passou a perna em nós dois!


Ele se afasta em passos largos e sua mochila imensa se agita em suas costas enquanto meus passos lentos me levam até uma das poucas cadeiras livres daquele saguão. Debruço sobre minha mala deixando os cabelos escuros caírem sobre o meu rosto e dou um suspiro doído ao me dar conta de que fui enganada, perdi boas centenas de dólares e me deixei iludir por um rostinho bonito. Como eu posso ser tão burra?! Agora só Deus sabe como eu vou chegar em Calgary – pior, como vou chegar em Banff, na casa dos meus pais. Não posso me dar ao luxo nem mesmo de tomar um chocolate quente para me aquecer, porque se tem algo que não posso é gastar mais nenhum centavo que não seja em uma passagem efetiva para o Canadá.


– Ei, toma aqui – um cutucão na minha cabeça faz com que eu levante meu olhar derrotado para o mochileiro que me estende um copo.

– Você quer me envenenar? – aceito o copo, ao menos aquece minhas mãos.

– Eu quero envenenar o seu charmoso Henry, não você. Não entendo como fui tão burro de cair no papo dele!

– Ei! Eu também caí!

– Foi burra também – ele dá de ombros e seria ótimo virar o chocolate quente em sua cabeça e ver os fios alaranjados ficarem marrons.

– Quem você pensa que é pra me cham...

– Já chega, tá bom? – ele me interrompe – Nós dois fomos burros. Você ainda caiu no charme, mas eu fui ainda mais burro porque não tinha absolutamente nada pra cair e ainda assim, aqui estou eu!

– O desespero nos faz tomar decisões impensadas às vezes.

– Aos desesperados, então – ele bate seu copo de isopor contra o meu – Você já sabe o que vai fazer?

– Sobre o quê? – ainda estou distraída tentando entender quando foi que saímos de uma discussão para um brinde de chocolate quente.

– Sobre o aquecimento global, o que vai fazer? – ele revira os olhos e volta a falar antes mesmo que eu tente compreender – Sobre Calgary, é claro! Como pretende chegar lá?

– Eu não sei – dou um suspiro cansado. Eu não faço ideia, essa é a verdade – Já não tenho muito dinheiro depois de dar praticamente mil dólares para aquele desgraçado atraente e preciso chegar até dia 24 na casa dos meus pais...

Mil dólares?! – ele arregala os olhos junto de um sorriso incrédulo que beira a piedade – Ele me cobrou 600 e eu achei um absurdo.

Mas que filho da puta! – bato o copo contra minha mala, fazendo chocolate quente respingar em minha mão – Definitivamente eu sou mais burra que você!

– Bom, você é quem está dizendo e eu não vou discordar – dá de ombros – Mas eu tenho uma sugestão.

– Encontrar ele no aeroporto e fazer devolver cada centavo que roubou da gente?

– Você acha que ele ainda está aqui?! – esboça um sorriso – Eu não tenho grana pra mais uma passagem, você então, não preciso nem dizer. Mil dólares... – suspira – Enfim, a gente pode alugar um carro e dividir os gastos da viagem... Sabe, combustível, aluguel...

– Você acha que existe qualquer possibilidade, por menor que seja, de eu viajar com um completo estranho que há pouco mais de uma hora estava gritando comigo na fila de check-in?!

– Você acreditou que um completo estranho, porém charmoso, estava te vendendo uma passagem de avião em cima da hora e que isso daria certo – dá de ombros e sorri – Mas você tem razão, eu sou um completo estranho só que sem charme e isso não daria certo, então fique aí esperando por um milagre de Natal que não existe enquanto eu vou pedir carona até o Canadá.


Ele dá duas batidinhas na minha mala e segue pelo mar de gente que transita por aqui. Eu o acompanho com o olhar e odeio o fato de que ele tem razão quando diz que eu estou esperando por um milagre de Natal que não vai chegar. Mas como eu mesma disse, o desespero nos faz tomar decisões impensadas às vezes. Agarro a alça da minha mala de rodinhas e sigo a cabeça ruiva daquele rapaz alto de mochilas enormes pelos corredores, odiando também o fato de que ele anda rápido demais.


– Ok, você venceu – o seguro pela mochila, o fazendo estancar os passos – Vamos alugar um carro e chegar em Calgary.

Olá meus amores!
Como estão?!

Essa vibe de Natal me pegou já em Novembro e eu assisti uns trinta filmes natalinos no último mês, então isso despertou a vontade de escrever um conto temático (e eu ando com um bloqueio tão grande em Flores Artificiais que mudar o foco me ajudou um pouco).

Esse foi só o primeiro capítulo e eu espero que estejam gostando, como disse, é um conto, então não esperem por uma história longa. Ah, é um clichê de Natal, então esperem o puro suco do clichê dos filmes aqui.

PS: Na mídia coloquei como vejo os protagonistas, mas fiquem à vontade para imaginarem como quiserem.

Beijinhos ♥

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