a minha única exceção

Ps: Se você não terminou a terceira temporada de attack on titan, aqui contém spoilers!

Tentei ser o mais fiel possível à história original, porém, alguns eventos estão modificados para encaixar melhor dentro do enredo. Espero que gostem, eu estou orgulhosa do resultado final.


Os titãs nos emboscaram, nosso esquadrão se encontrava completamente cercado por cinco deles. Temos experiência para derrubá-los...era o que eu repetia a mim mesma, na esperança de me acalmar. De fato, éramos um dos mais renomados, liderados por ninguém menos do que Levi Ackerman.

Ainda, estar de frente àqueles gigantes me aterrorizava profundamente. Independente de termos vantagem na floresta com o equipamento 3D ou de sermos habilidosos, os números não nos favoreciam.

Cada um precisaria derrubar uma das criaturas, variando de 4 a 10m de altura. Um feito quase impossível considerando que o nosso gás estava quase no limite. Para piorar, o capitão não estava conosco.

Durante o conflito com a titã fêmea, Eren se meteu em problemas. Então, Erwin ordenou que Levi realizasse a proteção do Jaeger, sendo o mais adequado para a tarefa.

Os estrondosos passos se tornavam cada vez mais altos, tudo indicava que era o fim da linha. Porém, eu não me renderia a morte tão facilmente, nenhum de nós iria sem uma luta. Numa singela troca de olhares, colocamos nossa estratégia emergencial em prática.

Petra cuidou do de 4 metros que vinha à esquerda e eu engatei numa das árvores para atingir o médio, de aproximadamente 6 metros. Num deslize, quase fui pega de trás por um menor.

Gunter me puxou e voltamos para o restrito círculo que nos restou. Com o golpe de Petra e Erd, dois dos alvos estavam no chão. A adrenalina me tomou após o susto, respirei fundo em busca de uma solução. Ao meu redor, via que suas posturas remanesciam firmes, apesar do contraste em relação às expressões apavoradas.

O combustível estava se esgotando, o ataque repentino nos impediu de reabastecer. Entre os membros, eu devia ser quem possuía a maior reserva, eu não precisei entrar em combate direto no trajeto. Nunca fui destaque nesse quesito. Longe disso, mas sei me cuidar...talvez eu seja hábil o suficiente para derrubar dois agora.

- Mía?- Oluo me chamou, quebrando meu raciocínio.

- Oi?- encarei-o com a mão nas lâminas.

- Você é a quem tem mais gás, né?- o pânico em seus olhos era evidente.

- Sim...mas posso dar a você se melhorar nossas chances aqui.- engoli seco, o maior erguia o braço em direção a Petra.

- Não, eu quero que você vá buscar ajuda.- franzi as sobrancelhas confusa- Eu e Gunter vamos criar uma distração por ali- apontou para a direita- E você vai atrás de assistência, a passagem estará liberada.

- Você está louco?! Não estamos em posição de dispensar ninguém.- rangi os dentes, perplexa com o plano.

Um baque roubou nossa atenção, Erd matara o titã que tentou agarrar Petra.

- Nós vamos aguentar até você voltar.- o suor escorria em sua testa e eu comprimi os lábios, terrivelmente indecisa.

Confiava cegamente em meus companheiros, só que isso era abusar da sorte. Nas condições que estávamos eu não podia considerar deixá-los, meu coração chegava a errar as batidas. Minha decisão estava tomada, eu lutaria com eles e iria comunicar Oluo. Foi quando escutei o seu DMT disparar, atraindo os gigantes para a extrema direita como me avisara.

- VÁ, MÍA!- gritou e eu instintivamente segui seu comando, não pude desperdiçar a chance que ele lutou para nos dar.

Atravessei a imensidão de troncos, evitei conflitos e matei um dos titãs, que barrava minha passagem. Gritava por socorro, rezando para que alguém me ouvisse na imensidão de árvores. Minha reserva estava quase acabando na hora que o capitão apareceu com a Mikasa, ela segurava Eren nos braços e eles vinham direto ao meu encontro. Desci do galho depressa.

- Okumura? Onde estão os outros?- Levi questionou.

- Nós precisamos da sua ajuda.- acelerei a fala, beirando o desentendimento ao fazer.

O Ackerman checou o ambiente, devia estar verificando se havia perigo no perímetro.

- Onde eles estão?- Eren foi prático, para o meu alívio.

Sem dizer mais nada, guiei-os ao meu esquadrão. Agitada, eu mal controlava o gasto de combustível.

- Ei, você vai gastar todo o seu gás desse jeito.- Mikasa observou.

- Não importa, se vocês ainda tiverem como se movimentar, eu não importo.- respondi, já incapaz de manter a calma.

Levi permaneceu quieto, vestindo o semblante tenso e fechado de costume. Convivemos como família há anos e eu não sabia se admirava ou me assustava com a forma que ele lidava com a situação.

Ligeiramente, aterrissei uns metros atrás da cena e eu caí de joelhos ao enxergar a tragédia: meus amigos estavam todos mortos. Um titã sobrevivente, de cerca de 9 metros, devorava os corpos sem vida estirados pelo solo.

"Só pode ser mentira...eles me prometeram que aguentariam."

A tristeza logo deu lugar a minha fúria, me ergui determinada a vingar meus companheiros. Cerrei os punhos e avancei, pouco me importando com meus escassos recursos. Pondo um braço em meu caminho, Levi me proibiu de passar.

- Você é burra? Está quase sem gás, Okumura.- me encarou sério, a expressão estagnada em frieza.

"De novo isso? Já disse que não me importo."

- E você vai deixar que aquela coisa viver depois de terem matado eles?!- a minha voz subia aguda, o desespero destacado em minha face.

- Eu não disse isso.- Levi ergueu uma sobrancelha, ofendido com a minha insinuação.

Em seguida, se afastou de mim e lançou-se sobre o titã, dilacerando a criatura em pedaços. Assim como eu gostaria de ter feito, o Ackerman descontou sua frustração naquela aberração.

"Se ele estivesse aqui, estaríamos salvos..."

"Não, a culpa foi inteiramente minha por não ter feito meu papel."

"Nada mais justo do que o capitão tirar meu cargo ao chegarmos, eu nem mereço estar na tropa de exploração."

Bufei, irritada com minha inutilidade, eu não servi para salvá-los e agora, não fui capaz de vingá-los. Se eu não tivesse dado ouvidos ao Oluo...talvez estivesse morta como eles. E honestamente, seria melhor do que enfrentar essa culpa, um arrependimento que vou carregar até os meus últimos dias.

Levi retornou, o fino rosto e as vestes encharcadas de sangue. Nos reunimos com o restante dos recrutas, era gratificante saber que Eren estava a salvo. No entanto, a última sensação que me preencheria é a de vitória.

A derrota se destacava em peso no meu peito por ter falhado em salvar meus amigos. Recolhemos o que pudemos dos defuntos e montamos nossos cavalos, a viagem seria longa. O sol estava se pondo, as nuvens tomando conta do cenário e minhas lágrimas escorriam descontroladamente.

Meu choro era silencioso na intenção de não alarmar ninguém, era patético que eu me lamentasse agora. Afinal, do que adianta? Chorar não irá trazê-los de volta.

Infelizmente, parar parecia estar fora da minha capacidade. As paisagens passavam rápidas em meus olhos, incapacitada de notar muito com a água invadindo meu campo de visão, tardei a perceber que o capitão me fitava.

- Mía.- a grave voz me chamou e estranhei o fato de ter me abordado pelo meu primeiro nome.

- Capitão?- engoli o choro, enxugando minha face com as costas da minha mão.

- Tem titãs vindo nessa direção.- arregalei os olhos, checando a dianteira como ele indicou.

Vinham dois em alta velocidade, estávamos um em cada ponta da carroça que carregava os cadáveres e logo atrás da que escoltava Eren.

- O que faremos?- aguardava por suas instruções, eu confiava cegamente em seu julgamento.

- Nós vamos...-vislumbrou sombriamente o veículo entre nós.

- Não, Levi! Eu...- me exaltei ao assimilar sua estratégia, tremendo sob o animal em movimento.

- Não estou pedindo por sua autorização, Okumura.- me cortou e enfatizou sua desaprovação à maneira em que eu me portava.

- Eu posso cuidar deles.- menti, inclinando em posição de ataque.

- Não, não pode.- me cortou duramente.

"Ele acredita mesmo que eu sou inútil?"

Minha feição se contorceu em revolta.

- Não nesse estado.- acrescentou, percebendo o modo como eu interpretei.

- E se o comandante autorizar?- lampejei para Erwin, a metros de nós.

- Está contestando minha autoridade?- analisou-me, suas sobrancelhas rígidas rentes às pálpebras.

- Não, capitão.- suspirei frustrada- Eu só...queria ajudar.

- Você não vai ajudar em nada aumentando esta pilha.- referiu-se a carga que escoltavam e estalou a língua em irritação, desviando o olhar de mim.

Levi executou seu plano, usando os cadáveres para atrasar os titãs razoavelmente para que nós escapássemos. Assistir meus companheiros serem pisoteados era exigir de um autocontrole que eu não tinha, ignorei os ruídos e cerrei os punhos. As lágrimas voltaram a se derramar desenfreadas, eu fiquei totalmente impotente diante daquilo.

Por instinto, rondei os rostos presentes e me deparei com o meu superior, abalado como eu jamais o vira. O papel de decidir imparcialmente, abandonando qualquer emoção em prol do grupo era dele e eu ultrapassei os limites ao discutir.

Reconheci que Levi sofria com as perdas, assim como qualquer ser humano. O problema era que ele mascarava tão habilidosamente que eu esquecia o que havia por baixo do título de soldado mais forte do mundo.

Atravessámos a Muralha Rose, recepcionados pelas famílias dos membros e cidadãos de Trost. Meus pulmões ardiam por uma pausa e chegar na cidade não ajudou no processo. Entregar a notícia de que os entes que eles esperavam nunca mais retornariam estava fora da minha capacidade.

- Recomponha-se, Okumura.- Levi pediu severo, eu ergui a postura e restringi o choro na garganta.

"É, eu com certeza irritei ele."

Admito que parte de mim queria confrontá-lo, gritar que nem todos éramos capazes de lidar tão friamente com a morte como ele. Queria, era direito meu chorar se quisesse, mas mesmo com os nervos à flor da pele, eu compreendia que isso não seria adequado, não aqui. Me contentei em lembrar que eu logo sairia da divisão de reconhecimento, era questão de tempo..e pouco.

——

O meu banho demorou mais do que o usual, meus pensamentos torturaram o que deveria ser minha despedida naquela sede. Enrolei-me na toalha, arrumando meus pertences para partir no momento em que as batidas me interromperam.

- Oi?- pressionei o pano que me envolvia, temendo que abrissem.

- O capitão quer ver você na sala dele.- pela sonoridade, parecia ser Armin e assim, a porta permaneceu fechada.

- Ok, obrigada.- empurrei as roupas para finalizar a mala.

Os passos se afastaram e eu pus uma calça jeans com uma blusa azul básica, saindo para encontrar o Ackerman. Atravessei o corredor e eu demorei em sua maçaneta a fim de criar coragem. Foi aí que acabei virando-a sem aviso.

Levi estava sentado no sofá de coloração amadeirada, segurando a xícara de porcelana de maneira singular (agarrando-a pelas bordas com os cinco dedos) e os azuis olhos me repreendendo.

- Não bate mais?- arqueou uma das escuras sobrancelhas.

- Desculpe.- murmurei, estava esgotada demais para me atentar à formalidades.

- Tudo bem, Mía.- pousou a xícara no pires e eu comprimi os lábios, desacostumada com a súbita proximidade entre nós.

"Era o que, a segunda vez que me chamava pelo primeiro nome hoje?"

- Digo, Okumura...aceita um chá?- corrigiu-se apressado ao notar o erro.

- Claro.- aceitei sem muito entusiasmo, não era uma das minhas bebidas favoritas mas eu sempre tomava em sua companhia.

Ele serviu minha xícara e me convidou a sentar. Um convite que soou como uma ordem e eu me apressei a obedecer, me situando na poltrona de tom semelhante posicionada em frente a sua.

O tapete preto-ciano sob meus pés parecia possuir uma textura macia e desejei não estar calçada para poder confirmar, me distraindo do propósito da minha vinda.

Seu escritório era composto por uma escrivaninha na parede oposta à entrada, onde uma extensa janela dando vista as estrelas se encontrava por trás, e uma estante de livros se destacava nos fundos.

Além do sofá e da poltrona padronizados com a mesma estética e centrados pela lareira, que aquecia o ambiente perfeitamente. A iluminação era feita por duas lamparinas, uma sobre a mesa de centro e a outra sob a superfície constituída por papéis empilhados.

Não havia muito, porém, era visível que todos os itens eram meticulosamente organizados. Minha ronda enfim se encerrou e eu manuseei o artefato de porcelana.

- Por que me chamou, capitão?- beberiquei o chá sem muita vontade, me esforçando para manter a expressão firme.

- Você não gosta muito de chá, né?- abriu um sorrisinho de canto ao retomar sua xícara.

- Que? Eu gosto sim.- engoli uma quantidade maior e acabei fazendo uma careta.

Levi riu, balançando a cabeça em negação e eu corei, devia ser a primeira vez que o via tão relaxado. Era surpreendente e agradável de se ver, principalmente se tratando dele, quem parecia nunca abaixar a guarda.

- Por que não recusa?- perguntou curioso, ainda que buscasse disfarçar esse interesse.

- Eu não odeio chá.- não menti, mas também não contei a verdade, estava realmente perdida quanto ao rumo dessa conversa.

- Ah, o jeito que contorce a cara ao beber diz o contrário.- retrucou, cruzando as pernas.

"Desde quando o capitão repara no que eu faço assim?!"

- Bom, é que você é meio assustador às vezes.- confessei, o sangue esquentando as minhas maçãs do rosto com uma intensidade maior- Eren é testemunha.

Primeiro, estava neutro com minha confissão e depois da menção do cadete, se tornou indecifrável.

"Ok, eu não devia ter falado do Jaeger."

Estremeci, temerosa pelo o que ouviria assim que ele não estivesse mais imerso em suas memórias.

- Okumura, você achou o que? Que eu ia te chutar por não gostar de chá?- agora se divertia com o efeito que exercia sobre mim, sorrindo uma outra vez.

"Ok, menos mal que ele não se incomodou..."

- Você não tem como me culpar por ser precavida perto de você.- fiz um bico e ele revirou os olhos.

- Mas, capitão?- retomei a fala, confortável já que ele parecia estar em seu estado normal de espírito.

- Hum?- bebeu mais um pouco do chá.

- Me chamou para avisar que estou fora, certo?- indaguei cortando o clima, sabia que ele era alguém prático e não arriscaria esperar a sua paciência se esgotar.

O Ackerman me encarou perplexo, tomei o seu silêncio como um "sim" e me preparei para me retirar, deixando a xícara na mesa de centro. Pensei em agradecer pelo chá, mas sentia as lágrimas vindo e qualquer palavra que eu tentasse soltar poderia vir acompanhada de uma cachoeira.

- Como pode ser tão estúpida, Mía?- puxou meu braço e em reação ao seu toque, arrepios percorreram a minha pele.

- Eu sinto muito.- tombei a cabeça, ainda de costas para ele.

- Deve sentir mesmo.- girou-me, forçando a manter contato visual com seus olhos safiras.

- A culpa é inteiramente minha.- eu suspirei, Levi firmou o aperto em meu antebraço- É culpa minha que você precisou informar às famílias deles que eles estavam mortos.- o meu tom de voz decaiu deprimida e ele me soltou- E é minha culpa que eu não tenha feito nada para impedir.

Como eu temia, estava entrando em pânico. E o pior, era na presença dele. A dor das perdas somadas esmagava meu equilíbrio, eu estava frágil como um caco de vidro após ter sido estilhaçado em milhares de pedaços.

- É óbvio que não, por que eu te culparia?- a incompreensão era notória em sua fala.

- Porque...- ergui a cabeça, vacilando entre soluços- Eu falhei, capitão.

Estático, o Ackerman me fitou com a testa vincada e o meu choro persistiu sendo o único ruído do cômodo.

- Não havia outra saída.

- Eu fui idiota, devia ter ficado e a morte teria sido mais digna para mim.- insisti, o arrependimento me esmagando por dentro numa proporção insuportável.

- Já chega.- interviu inflando as narinas e mordi o meu lábio inferior, exasperada.

- Desculpa se não atendo às suas expectativas, nem todo mundo é equilibrado como você.- a frase escapou sem o meu comando e o sarcasmo era acentuado.

"Parabéns, você extrapolou os limites de novo."

- Eu também falhei, eu não estive lá com vocês.- engoliu seco e provavelmente, feriu seu orgulho ao pronunciar essas palavras em voz alta.- Não se esqueça que eu também os perdi.

O ar me faltava, estava entrando em pânico e as paredes giravam diante os meus olhos. A figura esguia do Ackerman subitamente, escurecia conjuntamente. Levi não merecia aturar minhas crises e por mais que a relação de superior e cadete estivesse prestes a ser cortada, eu não tinha essa liberdade. Fui cruel em invalidar seus pesares tão bruscamente e com o ocorrido, as minhas forças pareciam ter sido drenadas.

Hesitante, estendeu os braços de forma desajeitada numa oferta de acolhimento e eu enterrei minha cabeça em seu peitoral, molhando sua ascot branca. Inicialmente, ele manteve as mãos pesadas sobre minhas costas e a sensação de segurança espalhou-se por mim.

Parecia assegurar-se de que eu não cairia e aprender a como se portar num abraço simultaneamente. Levando no seu ritmo para se adaptar ao contato, suavizou o toque e acariciou meu cabelo enquanto eu contornava seu tronco.


Levi

Mía parecia cansada e os soluços diminuíram, perdi a conta de quantos minutos ou até horas se passaram. Ter alguém tão próximo era novo e eu descreveria até como estranho para mim, mas me acostumei. No fim, eu me peguei apreciando o calor trocado.

Ela não pesava e apesar de ter certeza que estava debruçada inteiramente sobre mim, eu não estava desconfortável. Tive minhas dúvidas em testar, nunca fui do tipo afetivo e muito menos cuidadoso. Só que, ao assisti-la tão desamparada, senti como se eu não tivesse opção a não ser impedir que ela desabasse ali.

- Mía.- pausei a carícia nos escuros fios sem me afastar, criando coragem para dizer o que se debatia na minha mente.

Desencostou a mão que estava ao meu peito, me direcionando seus olhos baixos e irritados por ter chorado num período prolongado, o nariz se encontrava igualmente avermelhado.

- Eu estou feliz que...

Pretendia terminar, independente de minhas limitações, quando suas pálpebras se fecharam e ela desmaiou em meus braços. O cérebro dela provavelmente apagou em defesa ao trauma que a exaustou. Encaixei uma mão no vão entre suas pernas e com a outra, agarrei sua cintura, carregando-a cautelosamente para o sofá maior.

Busquei a coberta acinzentada guardada na gaveta inferior da estante e a revesti para que pudesse se aconchegar. Meu sono era irregular e sem previsão para dormir, eu servi outra xícara de chá ao me sentar na poltrona que ela estava antes.

Observei sua boca entreaberta e sua feição serena, havia anos que essa expressão desaparecera. Era bela sem o pânico estampado na cara. Não...eu a achava atraente mesmo com as marcas de preocupação. Um sorriso discreto surgiu ao me contradizer, um pouco perturbado em saber que eu reparava nela assim, mas ainda estava cativado com a cena.

- Eu estou feliz que você está viva, Mía.- sussurrei, escorando a porcelana no suporte e jogando a cabeça para trás.

Se vivêssemos em outra realidade, uma menos dolorosa, talvez eu pudesse ver seus traços suaves mais frequentemente. Talvez eu até pudesse descobrir uma versão minha menos rígida. Talvez lá eu não tivesse que ter passado por tudo isso e me tornado o que me tornei, alguém que sufoca ao tentar demonstrar seus sentimentos.

Estou dizendo bobagens, será que tomei chá demais? Não posso me dar ao luxo de sonhar vivendo em um pesadelo...não há espaço para romance algum em minha vida.

Na tentativa de entender a ligação que se revelou esta noite, cochilei brevemente. O motivo para ter convocado a Okumura era informar o treinamento intensivo que iniciaremos amanhã. Eu tinha que reagir em meio a tantas baixas e Erwin concordava com as medidas, estávamos encrencados com a titã fêmea a solta.

O sol raiou e eu fechei as cortinas da minha sala, considerando que o meu hóspede ainda estava bem nocauteado em meu sofá. Tomei meu banho e fui para o campo, a maioria dos cadetes me aguardavam sonolentos. Sasha e Connie atrasaram 5 minutos e eu os repreendi com repetições extras do circuito de treinamento, Eren estava se recuperando e não compareceria para os experimentos. Por isso, o foco seria nos outros hoje.

Com quase 30 minutos de treino, Okumura apareceu com o negro cabelo preso num alto rabo de cavalo e o uniforme levemente amassado. Estava claramente envergonhada por ter perdido o horário, apesar de nem ter sido avisada.

Visando manter as aparências e não fazer exceções na presença dos novatos, eu agiria imparcialmente. Fora que explicar a razão dela não ter sido informada abriria um tópico desagradável, Armin lembraria de que eu a convoquei para o meu escritório ontem a noite com esse pretexto.

- Está 30 minutos atrasada, cadete. Como punição, você vai limpar os estábulos depois do treino.- pigarreei, conservando o tom sério.

Seu rosto perdeu a cor e quieta, ela abaixou a cabeça...era como se estivesse travando um conflito entre se justificar ou obedecer.

- Eu vim me despedir.- anunciou cabisbaixa e sorriu fraco ao ver a reação de espanto dos demais, isso certamente os despertou.

- Oi?- indaguei, andando até ela.

- Você ouviu bem.- respondeu com os olhos já marejados.

- Vocês.- virei-me para o grupo brevemente- Continuem o treino.- eles assentiram e voltei a mirar sua face- E você, Okumura, vem comigo.- ordenei, virando o queixo em direção a uma casa.

- Certo.

Deixei que ela entrasse primeiro para que eu pudesse fechar a porta com impacto.

- Caiu do sofá ao acordar?

- Eu vou embora, Levi.- repetiu decidida e uma sensação estranha percorreu meu corpo ao ouvir ela pronunciando meu nome.

"Estamos mesmo nos despedindo?"

- Não liga para a causa pela qual os seus companheiros deram a vida?- parti para a ofensiva.

As lágrimas que ela repelia escorreram sem controle e eu fiquei incomodado em vê-la tão vulnerável de novo.

- Eu não sirvo para isso, fui inútil para a tropa.- atropelava as palavras pelo choro.

- De novo isso?- ela assentiu, fechei os olhos e pus meu polegar e o indicador no centro do meu nariz.

- Não é bom o bastante para você, Sr. Ackerman?- evitou meus olhos, sem ter o atrevimento de me encarar para rebater.

- Cadete...a solução é simples, deixe de ser um peso morto.- provoquei na expectativa de que eu a incentivaria ao subestimar sua capacidade.

Sua desistência me tirava do sério, era claro que ela que não tinha 1% de autoconfiança e era a única que não reconhecia seu enorme potencial. Entretanto, ao ler a sua expressão torturada, percebi que minha tentativa serviu somente para que ela tornasse a decisão definitiva.

Mía estava caminhando para a saída, dessa vez de cabeça erguida e senti uma aflição estranha me corroer. Era um desejo egoísta, sim eu sabia que ela teria chance de ser feliz fora daqui, porém eu não suportava essa ideia. Estava farto de ter que me despedir.

- Espera, não foi o que eu quis dizer!- elevei a voz e os seus passos cessaram.

- Por que quer que eu fique?- virou-se para mim, as sobrancelhas franzidas em agonia.

- Você é importante para a tropa e nós precisamos de você.- era verdade, apesar de ocultar os meus motivos nisso.

- Vai ser melhor se eu for embora.

- Você só está de luto, Okumura.

- Não, eu tenho certeza de que eu acabaria somando a bagagem na próxima missão.- fez menção aos mortos que trazíamos no fim da missão.

A imagem de seu corpo sem vida, que se infiltrou na minha cabeça sem a minha permissão, me transtornou ao ponto de me levar até a frente da porta e bloquear sua saída.

- Vai me proibir de sair agora, capitão?- ironizou, já que para ela, a autoridade não se aplicava mais a mim.

- Nunca mais repita isso.- meus batimentos estavam acelerados, mas o meu tom era sólido e imperativo.

- Já chega Levi, deixa eu passar.- seu olhar era carregado de ressentimento e se aproximou, esperando que eu liberasse a porta

- Não vai.- segurei seu ombro, retendo seus movimentos de um lado e com o braço livre restante, Okumura pretendia retirar minha mão- Não até poder tomar essa decisão com clareza.

Como eu calculava, ela se moveu para me afastar e eu agarrei seu pulso. Mía revirou os olhos, ainda tentando se soltar. Estando praticamente colados e lançando olhares impiedosos um sobre o outro, era possível até sentir a sua respiração irregular.

- Não adianta, nada vai me fazer mudar de ideia.

Numa investida desesperada, invalidei qualquer vestígio de razão em mim e roubei um beijo seu. Ela concedeu passagem a minha língua e nos encaixamos com maestria num ritmo acelerado.

Larguei seu pulso e levei minha mão até o seu pescoço, ela me prensou sobre a porta e a madeira estalou com o impacto. Porém, apesar de corresponder, ela separou nossas bocas e uniu as sobrancelhas em incompreensão.

- Isso...não é inapropriado?

- Eu...- a intenção era me desculpar mas, sem me deixar terminar, ela se inclinou para retomar de onde paramos com a mesma ferocidade.


Mía

"Estávamos prestes a nos bater e de repente, eu estava correspondendo seu beijo? Eu perdi a cabeça, é a única explicação."

- Levi?- o silêncio havia se instalado no ar há algum tempo, ele deve compartilhar do meu sentimento de constrangimento.

Era como se fossemos a fumaça que aparece depois do incêndio, descontamos todas as desavenças nos últimos minutos, apagando o clima turbulento com sucesso.

- Oi?- a hostilidade desapareceu entre nós.- Consegui te convencer?- curvou o lábio num sorriso hesitante, como se não quisesse cantar vitória antes da hora.

- Se eu ficar, ainda vou ter que limpar os estábulos?- ele alargou o sorriso, genuíno como o de ontem.

- Vou tomar isso como um sim.- respondeu a sua própria pergunta, ignorando minha tentativa de escapar da limpeza extra.

E de repente, ele fechou o semblante, erguendo uma sobrancelha ao virar para a porta.


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(escorados na entrada da casa para escutar)

Connie: Eles não estavam brigando como um casal de velhos ainda agora?

Sasha: É, parece que o jogo mudou e rolou até um beijo.- relatou animada e Connie escancarou a boca.

Hange: Ah não, como eu perdi isso?!- lamentou, se encostando na porta também.

Armin: Gente, o capitão não vai gostar disso...vamos voltar para o treino, por favor.

Jean: Ele não vai saber de nada, Armin.

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Levi

- Não vou?- escancarei a porta, Hange quase caiu de susto e Sasha recuperou o equilíbrio num pulo.

Todos tinham os olhos arregalados, sem ousar se mexerem. Exceto Hange, que saiu correndo assim que se deu conta da minha presença.

- Não te falei, Connie? Isso era uma péssima ideia.- Jean deu uma cotovelada no careca, que estava abismado com a traição de seu parceiro.

- Vocês vão limpar o estábulo e a casa hoje- seus ombros tombaram e alguns murmuram reclamações- E eu quero no mínimo, enxergar o meu reflexo no piso quando acabarem.- enfatizei minha ordem e eles engoliram seco.

- Sim, capitão.- pronunciaram em uníssono.

Espiei Mía suprimir o riso no canto e eu sacudi a cabeça em negação.

——

A lua estava cheia, poucas estrelas preenchiam o céu escuro e eu servia outra xícara de chá observando a noite enevoada pela janela. Estava bem acordado como de costume, vagando pelos acontecimentos inusitados do dia, principalmente por aquele beijo. Precisando de ar fresco para pensar com clareza, decidi sair do escritório e dar uma volta.

Eu estava no domínio de treino e avistei uma tocha acesa fincada no gramado, uma mulher estava deitada há alguns metros da luz, admirando a paisagem noturna. Pela estatura e os cabelos escuros, eu sabia muito bem de quem se tratava.

- O que está fazendo, Mía?- estremeceu com minha aparição, levantando depressa em reação.

- Eu não consigo dormir.- levou a mão à nuca, sem graça.

- Bom, eu nunca consigo dormir, quer companhia?- vi seus lábios se repuxarem num sorriso discreto com a minha oferta.

- Claro, capitão.

Nos sentamos num tronco dessa vez, deitar na terra suja era demais para mim. Ficamos em silêncio por minutos e a distância entre nós era considerável também, eu preferi dessa maneira.

- Por que não consegue dormir?- quebrou a quietude, visivelmente intrigada.

- Não sei, sempre foi assim para mim.- dei ombros- E você?

- Toda vez em que fecho os olhos, eu os vejo.- cravou as unhas na madeira levemente.

- Entendo.- foi tudo o que consegui dizer.

Tornei a contemplar a natureza, desconfortável com a ideia de ter que consolar alguém. Por mais que quisesse, eu era um homem de ações e não de palavras.

- Você já perdeu muitos companheiros, né?- sua voz assemelhava-se a um sussurro pelo tópico que abordava.

- Sim.- mal enunciei- E pensar em honrar a memória deles é o que me dá forças para continuar lutando.- complementei, adivinhando sua próxima pergunta.

Uma estrela cadente roubou minha atenção ao transitar em meio ao céu nublado e senti meus dedos sendo entrelaçados. Falhando em perceber sua aproximação por estar distraído, eu demonstrei aversão ao repelir o toque num ato puramente reflexivo.

Segurei sua mão, restringindo seus movimentos numa proporção quase esmagadora e só me dei conta que estava machucando alguém conhecido quando ela grunhiu incapaz de se conter, me acordando para a realidade.

- Desculpe.- soltei de imediato, recriminando o meu comportamento agressivo.

- Não, eu que invadi o seu espaço.- respondeu sem graça, massageando a área ferida discretamente.

- Eu não estou acostumado com contato físico...mas eu não devia ter te machucado.

- Tá tudo bem.- tranquilizou-me, sorrindo singela.- Você só se assustou.

"Não, não está"

- Okumura?

- Sim?

- Eu quero que esqueça o nosso envolvimento de hoje cedo.- ordenei com um tom gélido, procurando passar uma impressão de indiferença.

- Hmm, acredito que haja uma primeira vez para tudo.- disse inalterada com meu pedido e eu a fitei confuso.

- Sinto muito, eu não seguirei essa ordem.- franzi as sobrancelhas, era a primeira vez que ela me desafiava com tamanha convicção- Eu não posso e nem quero esquecer o que aconteceu porque eu gostei de estar com você, é isso. Está fora de discussão.

"Agora ela decide ser teimosa...Deus."

"Mia, você realmente é uma incógnita."

Não pude deixar de sorrir ao ver seu lado destemido, estava impressionado e seu olhar se sustentou intenso sobre o meu ao provar seu ponto. Seus cabelos estavam quase camuflados pela escuridão da noite e eu era capaz de identificar seu suave perfume misturado com o cheiro da floresta. Assim, aproveitando a calmaria com que ela me preenche, tive a confiança necessária para reformular minha frase.

- Obrigado por insistir em mim.

- Quantas vezes forem necessárias...

——



Mía

Durante as semanas seguintes, nós acabamos esbarrando um no outro pela madrugada, a insônia era um mal que agora me atormentava com frequência e Levi enfrentava esse problema desde a sua infância. Na maioria das vezes, a conversa fluía no decurso dos passeios e ele sempre me fazia o mesmo convite: tomar chá em sua sala, o que virou uma piada interna. Ele jamais perdia a chance de mencionar as caretas que eu fazia ao beber.

Em algum momento, Levi dirigia sua concentração para os documentos em sua escrivaninha e eu me acomodava no lençol que era separado para mim. Escutar o som da pena riscando o papel com sua precisa caligrafia funcionava como um sonífero e era suficiente para que eu apagasse em seu sofá com a visão mais sublime existente, a de Levi Ackerman. Descobri também que os pesadelos não me assombravam em sua presença, ter a sua companhia era como adquirir o pacote completo.

O Ackerman levou seu tempo para se acostumar às demonstrações afetivas e eu respeitei seus limites, deixando que ele tomasse a maior parte das atitudes. Por exemplo, dormir numa cama... eu só consegui convencê-lo a experimentar com 3 meses juntos, seu hábito de descansar em cadeiras estava profundamente enraizado.

Em público, éramos cautelosos para preservar a conduta profissional e esconder qualquer tipo de afeição entre nós, cientes de que assumir um compromisso como o nosso certamente causaria problemas desnecessários em nossas rotinas. Nenhum de nós dois estava com pressa para lidar com essa parcela do relacionamento, mesmo tendo completado 7 meses nessa manhã.

Felizmente e infelizmente, o regimento andava demasiadamente ocupado para perceber nosso envolvimento. Tínhamos cuidado de seu tio Kenny há pouco e Historia foi anunciada como a nova rainha.

Fora a descoberta da identidade do colossal e blindado, o que demandou que a operação de recuperação da Muralha Maria fosse executada com pressa, temerosos com a ameaça do desconhecido titã bestial.

Levi veio diretamente aos meus aposentos com o término do jantar, eu havia perdido a minha apetite devido a minha apreensão com a missão de amanhã e estava pronta para dormir. Trouxe consigo um prato de sopa e me entregou, eu o agradeci com um selinho.

- Não precisava.- sorri, enchendo uma colher.

- Você precisa estar em sua melhor forma para essa missão.- desabotoou sua camiseta e pegou uma toalha de banho.- Jaeger tem sido um alvo constante.

- Eu sei.- engoli seco, meu coração palpitava irregularmente e a ansiedade me sufocava todas as vezes em que eu me preparava para ir além das muralhas.

Praticamente engoli o resto da sopa no nervosismo, querendo terminar para dormir. O que piorou a situação, eu fiquei extremamente enjoada e corri para o banheiro no segundo em que o moreno saiu.

Ele segurou meu cabelo e acariciou minhas costas desajeitadamente para me oferecer apoio, eu pus a minha refeição inteira pra fora.

Tomei uma ducha e voltamos para a cama, ele estava longe de relaxar. Sua postura era de constante alerta comigo, Levi sabia o quão atormentada eu ficava na véspera de uma missão importante.

- Eu não vou passar mal de novo, pode ficar tranquilo.- brinquei, virando para fitar seus olhos azuis.

- Eu sei.- permaneceu deitado de frente, me fitando de esgueira com os braços debruçados em seu abdômen.

- Você parece estar desconfortável.- observei e me aproximei.

Encostei minha cabeça em seu peito e me aninhei nele, que elevou os braços para me dar espaço.

- O que você está fazendo?- se virou para que ficasse mais cômodo.

- Gosto de dormir assim, eu posso?- ele revirou os olhos, suprimindo um sorriso.

- Pode.- beijou a raiz do meu cabelo e começou a fazer cafuné.

Foi fácil pegar no sono assim. Contudo, logo o meu subconsciente foi invadido por cenas de meus companheiros mortos, incluindo Levi e com isso, eu acordei aos prantos.

- Ei, foi só um sonho.- lembrou, me apertando contra o seu corpo na intenção de me consolar- Eu estou aqui, vem respira comigo.

Inspirei e expirei na sequência em que ele ditou, deixando que o oxigênio fluísse pela minha circulação.

- Desculpa ter te acordado, sei que você demora para dormir.- sussurrei após ter me acalmado o suficiente para dialogar.

- Eu não estava dormindo- imobilizou o toque em minha nuca- Mía, você tem certeza de que vai amanhã?

- Tenho. - encaixei meu queixo em seu ombro para estabelecer contato visual, sua fisionomia estava carregada de receio- Você estava pensando se...deveríamos nos despedir antes?

- É claro que não- cerrou sua mandíbula em indignação- Se você estiver cogitando um absurdo desses, eu proíbo a sua participação.

- Não tenho permissão para morrer, senhor?- brinquei, tirando os fios de sua franja que invadiam seu rosto delicadamente.

- Não.- rejeitou meu senso de humor duvidoso e suspirou impaciente.

- Seria muito suspeito você me liberar da missão sem explicações.

- Eu não dou a mínima.

Ele contornou minha cintura com resiliência, como se eu pudesse desaparecer a qualquer instante e eu encostei meus lábios nos seus, prometendo que retornaríamos um ao outro.

Logo o cansaço me apagou e despertei somente com o barulho do chuveiro. Pela aparência do cômodo, concluí que não havia amanhecido e Levi estava se arrumando para sair. Então, eu tirei outro cochilo à sua espera, agarrada ao seu travesseiro.

- Mía?- balbuciei um "sim" e ele riu, sentando ao meu lado.

- Eu tenho que me reunir com o Erwin, você vai ficar bem sem mim?

- Eu ainda sou uma soldado aprovada por você, lembra?- arranquei um sorriso de canto seu, demonstrando satisfação com a mudança em minha conduta.

- Até daqui a pouco.- eu assenti e ele beijou minha testa.

- Até, capitão.

——

O dia havia acabado de amanhecer, o palpite de Armin estava correto e Reiner se revelou de dentro das muralhas. Apenas uma das brechas havia sido tapada por Eren e o sinalizador vermelho foi disparado, interrompendo a operação. Recuamos e nos reunimos no alto da instalação, meus batimentos eram audíveis a quem prestasse atenção.

Haviam fileiras de titãs liderados pelo bestial e o colossal escalava em nossa direção, desacompanhado de Bertholdt. Pedregulhos atravessavam o ar e aguardávamos inquietos por um pronunciamento.

Para que não aniquilassem a nossa rota de fuga, o comandante selecionou recrutas para realizar a proteção dos cavalos e eliminar os titãs menores que foram dispersados da formação projetada para nos prender.

Os membros do esquadrão Levi foram escolhidos para ir atrás de Reiner conjuntamente com o esquadrão Hange e o Ackerman ficou responsável por derrubar o bestial.

Enquanto trocamos olhares pelo o que poderia ser a última vez, nossas expressões não vacilaram. Tanto eu quanto ele tínhamos a certeza de que se alguém fosse capaz de nos tirar dessa cilada, seria Erwin Smith e assim seguimos por caminhos distintos.

Eren atraiu Braun e os dois iniciaram combate, as lanças do trovão preparadas para atacar a qualquer sinal de abertura em sua defesa.

A vitória pareceu ter vindo fácil demais ao derrotar o inimigo com uma sequência de disparos, eu remanesci tensa perante o alívio dos meus companheiros. E a minha intuição não me traiu, ele rugiu e um barril foi arremessado para dentro do distrito de Shiganshina.

- É o Bertholdt, se afastem!- Armin alertou e obedecemos ao seu comando de imediato.

Todos temíamos por nossas vidas, cientes de que o DMT não seria veloz o suficiente para evitar que fossemos pegos na explosão. Mas fomos surpreendidos por ainda estar respirando e ter estabelecido uma distância razoável entre o shifter e nós.

Hoover adiou a transformação ao avistar seu parceiro imobilizado e Arlert aproveitou a oportunidade para tentar comunicação. Era uma jogada de distração para que eu, Moblit e Hange avançássemos despercebidos na obstinação de encerrar o blindado.

Nos deparamos com outro problema ao despistar o colossal, Reiner estava deitado e a sua nuca coberta pela posição, ele era intocável com a armadura que lhe restou.

Concluímos que ele deveria ter recebido instruções para se proteger e antes que pudéssemos ter a chance de bolar uma estratégia, o estrondo confirmou que nos precipitamos ao confiar na falsa ideia de segurança que Hoover nos deu.

Todo este perímetro queimaria, estávamos dentro de sua área de alcance. Era o fim.

Eu estava posicionada entre Moblit e Hange quando a combustão tomou conta e os meus ouvidos tiniram. Fechei os meus olhos enquanto o impacto me arremessava para longe e a imagem de um Ackerman sorridente iluminava a minha escuridão, a morte não parecia tão severa.

- NÃAAO!- o agonizante lamento me arrancou de minha ilusão.

Com dificuldade, eu recuperei os meus sentidos e levantei. O que me arremessou para a segurança foi Moblit, tanto eu quanto Hange sobrevivemos por conta dele...que nos empurrou para um poço e se sacrificou no processo.

- Hange, nós precisamos sair daqui.- ofereci auxílio para que levantasse, sua expressão estava cristalizada em desconsolo.

Utilizamos o equipamento 3D para alcançar o topo, eu ativei meu modo de batalha e me convenci que teria tempo para lamentar as perdas em uma outra hora. Era isso ou desabar por completo em meio a zona de guerra.

Encontramos Jean, Sasha, Connie e Mikasa derrubando Reiner, Hange disparou a lança do trovão no local que faltava. Captando de imediato que pretendiam quebrar os dois lados de sua mandíbula e forçar uma abertura em sua cavidade bucal. Mikasa deu o golpe final e eles arrancaram o traidor da carcaça.

- Cadê o Armin?- Zoe perguntou ao grupo.

- Ele e o Eren estão lutando com o Bertholdt.- Mikasa explicou, sua preocupação era notória ao mencionar seus dois amigos de infância.

- Eles vão dar conta, precisamos confiar neles.- ela assentiu- Vocês tiveram alguma notícia do capitão?- continuei, esperançosa.

- Nenhuma.- Jean me respondeu.

Respirei fundo, ainda incapaz de desligar a preocupação irracional com Levi, o aperto no meu coração crescia oposto a lógica...e independente de reconhecer sua habilidade, nada me convencia. Agora eu realmente entendia a angústia de Mikasa.

- Mía?- meramente fiz contato visual para avisar que estava escutando, eu estava alheia em meu delírio.

- Vá atrás dele.- me liberou, adivinhando o motivo da minha desatenção.

- Eu tenho ordens para acompanhar você, Hange.- disfarcei, não podia arriscar expor os meus sentimentos e os colocar acima da missão.

- Você vai acabar morrendo se continuar avulsa assim. Vai, eu estou autorizando.

- Obrigada!- sorri e recebi um aceno seu, como se fosse um "não há de que."

Rumamos em direções opostas e eu prossegui com cautela para não ser notada, contornando a briga. E no trajeto, eu quase mudei de destino ao enxergar Eren desacordado em sua forma de titã, Jaeger estava jogado no muro.

"Armin é capaz de solucionar isso..eu provavelmente só atrapalharia no meu estado."

Me firmei na extrema esquerda da muralha meu corpo inteiro tremeu ao ver que todos marchavam para a morte, as pedras os surravam juntamente com os cavalos que montavam. Simultaneamente, também disparavam sinalizadores verdes, o que impossibilitou minha busca pelo moreno devido ao embaçamento.

"Tem que haver um motivo, Erwin não enviaria os soldados sem um plano. Pensa!"

E então, percebi que a formação de titãs estava sendo derrubada de um lado. Eu reconheceria aquele padrão de ataque em qualquer lugar, era ele...e estava usando os titãs para avançar com o DMT. Todas as peças se encaixaram, a fumaça foi arquitetada para que o Ackerman chegasse de surpresa ao Bestial.

Meu cérebro alertava sobre o perigo: "Não vá...isso é loucura."

E o meu coração argumentava contra: "Eu posso aumentar as chances dele se eu for."

Sem conseguir me conter, eu copiei os seus movimentos e matei a sequência de titãs do outro lado para me aproximar. Minha técnica estava impecável e o meu gancho encaixava com exatidão, me permitindo cortar suas nucas acuradamente. Nenhum movimento meu era desperdiçado. A adrenalina que me subiu era minha aliada dessa vez, era como se eu fosse capaz de qualquer coisa por estar agindo em seu nome. Minha mente estranhamente clara ao fazer.

Migrando do último titã ao bestial, eu optei por remover o seu apoio e atraquei minha lâmina em seu calcanhar esquerdo. Despreparado, ele se desestabilizou e eu rapidamente mirei o seu outro calcanhar para que não tivesse o perigo de que se regenerasse.

Levi me fitou transtornado, seu rosto estava coberto por sangue e eu cometi o deslize de me distrair com sua presença, sendo agarrada pelo macaco. Minha silhueta foi praticamente esmagada e antes que qualquer atitude pudesse ser tomada, ele me atirou nos destroços de uma casa. Pela pancada, eu não pude fazer mais nada...e a inconsciência me abraçou prontamente.

——

- L-Levi?- murmurei estranhando a claridade que queimava a minha retina, o que me confortou foi saber que eu tinha a sua companhia.

Flashbacks do combate infestaram o meu cérebro..fui atordoada com as lembranças do conflito com Reiner, o sacrifício de Moblit e a imensidão de cadáveres espalhados na luta contra o bestial.

- Você o pegou?!- ele negou com a testa vincada.- Foi por minha culpa?- diminui o entusiasmo, Levi balançou a cabeça em negação mais uma vez.

- Eu achei que tivesse perdido você, Mía...você tem noção do inferno que eu tive que suportar?!-massageou a têmpora, suas veias pulsavam visivelmente sobre sua pele nevada.

- Eu...me desculpa- me encolhi sobre o leito hospitalar e uma pontada de dor me afligiu por ter me movido- Eu não raciocinei ao ver que você estava em perigo, eu só parti para a ação.

- Eu não estava em perigo, Erwin e uma centena de soldados morreram para que eu fosse bem-sucedido em matar aquela praga.- gesticulou enfurecido, sua entonação repleta de frustração.

- Então, você garante que se a situação fosse contrária, você não se intrometeria?

- Esse não é o caso.- cortou o assunto, comprimindo os lábios e bufando em seguida.

- Entendi, você pode me proteger e arriscar a sua vida para isso, mas não aceita quando fazem o mesmo por você.

- Eu. não. preciso. de. proteção.- quase silabou, argumentar contra ele era como pôr lenha na fogueira ascendente e por isso, repensei meus métodos.

- Levi Ackerman, será que você não pode entender que eu fui imprudente porque eu te amo e cada mísera célula do meu corpo reage à isso?- a declaração veio naturalmente e um alívio substituiu a culpa guardada em meu peito, anestesiando a dor que atracava até para respirar.

Seu semblante irado finalmente se amansou, ele baixou o olhar na pretensão de disfarçar o rubor e deixou que as mechas escuras caíssem sobre o seu rosto.

- Vejo que está acordada, podemos conversar? - o médico adentrou, interrompendo nossa interação.

- Sim.- assenti e o incômodo físico voltou acentuado.

- Você vai ficar para ouvir os resultados?- analisou Levi brevemente.

- Vou.- cruzou os braços, novamente na defensiva.

- Então, você deve ser o pai.

- Não, ele não é meu pai- articulei descontraída e a quietude se instalou na atmosfera - Oh...você quis dizer...- entendi o real significado de sua pergunta e minha face se contorceu em constrangimento, fui incapaz de finalizar a frase.

- Ela está gr-grávida?- Levi gaguejou e eu encarava o profissional fixamente, agora paralisada pelo choque.

- Ah, é por isso que foram tão descuidados, não estavam cientes da gestação. Eu sinto muito mas...você sofreu um aborto espontâneo, Senhora Okumura.

- Por que?- questionei debilmente e os meus dedos fincaram o tecido do edredom avidamente.

- 5 costelas suas estão fraturadas e pelo o que me relataram, o dano físico somado com nível de estresse em que você foi exposta, podem ter sido fatais para o feto.

As lágrimas inundaram minha vista impetuosamente e eu procurei esconder minha devastação entre as minhas palmas, chorar piorava minha condição numa proporção insuportável mas a tristeza que me retalhava por dentro conseguia ser pior.

- Eu vou dar um momento a vocês.

O médico pigarrou e saiu para nos conceder privacidade.

- Você não deveria chorar...vai doer mais.- encostou sutilmente em meu ombro- Foi melhor assim.

- Como você pode dizer uma coisa dessas?!- solucei fitando sua face, incrédula com sua insensibilidade.

- Nós somos soldados, Mía...e a cada vez que saímos em expedição, as chances de retornar diminuem. Colocar uma criança nesse nosso mundo caótico seria uma puta irresponsabilidade.

- Era o nosso filho. - ignorei seus argumentos, nada seria capaz de me conformar ou amenizar o que me destroçava por dentro.

- Eu sei, eu não sou um insensível por completo...só estou tentando ver pelo lado racional.- pegou minha mão e eu não entrelacei nossos dedos.

- Me deixe sozinha, por favor.-me livrei do seu enlace, deixando os meus braços caírem sobre o meu colo.

- No fundo você sabe que eu tenho razão.

- Levi, eu preciso que você saia.- repeti, desviando o olhar do dele.

——

Fisicamente, a minha recuperação progredia numa escala aceitável graças aos cuidados de Hange, que me ajudava com os curativos sempre que podia pegar uma folga do cargo de comandante.

Em contrapartida, minha sanidade mental estava longe de ser recuperada, eu ainda estava brigada com Levi e o fantasma da criança que poderia ter sido nossa me assombra diariamente. Eu me sentia sozinha e pela primeira vez, estar lesionada foi útil considerando minha escassa motivação para me manter de pé.

Pelos rumores, os treinos estavam mais pesados devido ao constante mal-humor do capitão. Ninguém estava lidando bem com as circunstâncias atuais, a pressão era inerente depois de tantas perdas e a fuga do blindado com o bestial.

As mudanças pareciam intermináveis. Armin estava inseguro por ter sido escolhido ao invés de Erwin, olhares maldosos frequentemente lhe eram direcionados; Hange sentia a sobrecarga de estar na liderança e Eren parecia cada dia mais distante de sua antiga personalidade.

Recentemente, tivemos uma reunião para decidir o que fazer com os materiais encontrados no porão, o impasse entre divulgar ou esconder as descobertas sobre a escandalosa verdade. No fim, autorizaram a publicação nos jornais, que expunha os segredos guardados por Grisha Jaeger e criou-se contenda na população incerta quanto à veracidade dos fatos.

Nessa tarde, as homenagens seriam prestadas aos guerreiros que sobreviveram e aos companheiros caídos, contando com a presença dos três regimentos. Vestimos as fardas longas e nos preparamos para atender ao evento. As formalidades já me cansando no pensamento.

Durante o percurso, sentei entre Levi e Hange, que puxou assunto para compensar o silêncio constrangedor. Na cerimônia, Jean me abordou assim que eu entrei, percebi que o Ackerman tencionava a postura e ergueu uma sobrancelha à medida em que nos distanciamos.

- Mía, tá tudo bem?

- Oi, Jean. Levando e você?- forcei um sorriso e ele curvou o lábio para a direita, desconcertado.

- Nós estamos preocupados, Mikasa, Eren, Armin, Sasha e Connie me mandaram para ver como você estava.

- A última missão foi difícil.- preferi não me aprofundar, baixando o olhar.- E vocês?

- Você não vai sair do reconhecimento, não né?- indagou franzindo o cenho e eu agora sorria genuinamente - Nós estamos aqui para você.

- Não vou, obrigada por se preocuparem.- acariciei seu ombro e Kirstein abriu um sorriso.

- Isso é um alívio.

- Ei, vai começar. Todos em fila.- o capitão de fez claro ao anunciar o início aos membros, engrossando ao chegar próximo a nós dois.

Nos enfileiramos sob a ordem de Levi e recebemos as condecorações, seguindo o protocolo de ajoelhar e beijar a mão da rainha.

——

Após jantarmos, eu me despedi da mesa e fui me preparar para deitar, trancando a fechadura. Fiz minhas higienes e me troquei, o cobertor estava na altura do meu nariz quando avistei minha maçaneta virar.

- Como você entrou aqui?- me sentei na cama, me certificando que o lençol cobria minhas vestes.

- Eu tenho a cópia que você me deu.- girou a chave entre os dedos e trancou o quarto novamente.- E o que você quer esconder com esse cobertor? Eu já vi tudo.

- O que você quer, Levi?- corei, afrouxando a coberta.

- Eu atrapalho? Está esperando alguém?- a antipatia era destacada em sua entonação.

- É claro que não, olha a hora.- o moreno ficou na ponta da cama, me encarando com ressentimento.

- Espera, você está com ciúmes de hoje cedo?- disparei a pergunta, não acreditando no que eu dizia.

- E eu tenho algum motivo para desconfiar do cara de cavalo?- posicionou as duas mãos no colchão e inclinou o corpo para me fitar com intensidade.

- O Jean é uma criança para mim, fala sério.- levei a mão à testa, ofendida com a acusação.

- Ele não parece se importar- persistiu na paranoia- Ficou todo feliz quando você pegou no ombro dele.- acrescentou entredentes.

- Do que isso realmente se trata? Você nunca foi de ser ciumento.- cortei o papo, eu o conhecia bem para entender que esse não era o ponto.

- Eu realmente não sou.

Levou alguns minutos para que ele criasse coragem, Levi se sentou ao meu lado e suspirou antes de começar.

- Você tem me enlouquecido, Mía. Eu não consigo mais ficar longe de você. - confessou cabisbaixo.

- Eu também sinto a sua falta, mas...você me deixou sozinha no momento em que eu mais precisei de você.

- Você me pediu espaço e eu respeitei.- se defendeu, cruzando as pernas.

- Eu estava de cabeça quente, você tinha acabado de dizer que estava feliz por eu ter perdido nosso filho.

- Eu não disse isso. Mía, eu não quero voltar nessa história.

- Não, você só me deu desculpas. Você carrega o título de soldado mais forte do mundo e se seguir a lógica, seu argumento perde a validade já que você é o que tem mais chances de voltar vivo. Eu quero saber o verdadeiro motivo de você não querer ter filhos.

- O mundo continua não sendo um lugar apropriado para crianças crescerem.- rebateu prontamente, se esquivando da questão.

- Não podemos escolher ou mudar o universo em que nascemos, o que nos resta fazer é tentar encontrar a felicidade com o que temos. Nunca pensei que você fosse do tipo de aceitar limitações, Levi.

- Ok, você quer mesmo saber? Não é uma história agradável.

- É por causa da sua infância? Você nunca comentou sobre...o que sei é que você foi criado por Kenny.

"Talvez eu esteja sendo invasiva demais."

- Eu nunca comentei porque eu não tive uma.

- Você não precisa me falar, se não quiser.- enfatizei que respeitaria suas limitações.

Pelo pouco que eu conhecia por ter tido que enfrentar seu tio com o esquadrão, eu devia imaginar que era um tópico sensível para ele.

- Não, você tem todo o direito de saber.

Seu relato foi extenso, ele não omitiu nenhum detalhe e eu pude conhecer seu passado traumático: a perda de sua mãe, ter passado fome e depois, ser inserido em um ambiente em que a violência era o único caminho por Kenny...Levi nunca teve a chance de ser criança. Eu estava mais emotiva do que o normal nesses últimos dias e não pude conter as lágrimas ao pensar no que o fiz passar com minha teimosia.

- Desculpa, eu não devia ter sido tão dura com você.- afaguei seu rosto, afastando os fios de seu cabelo.

- Você não sabia, já passou.- envolveu minha cintura e eu me ajeitei em seus braços- Eu também te devo desculpas por não te apoiar.

Indiretamente, nós concordamos que crianças não farão mais parte do nosso relacionamento.

- Nossa, você deve me achar uma chorona.- lamentei, acarinhando sua nuca.

- Você é.- riu nasalado- Mas eu invejo sua habilidade de expressar o que sente.

- E eu a sua de se manter neutro.- me desvencilhei dele no intuito de estabelecer contato visual, ele estava sorrindo.

Tombei minha cabeça levemente para a esquerda, hipnotizada com a sua capacidade de me fazer amar cada traço seu. Eu não conseguiria listar um defeito seu sequer, nem se a minha vida dependesse disso.

- O que você está olhando, Okumura?- franziu as sobrancelhas.

- É impressionante o quanto você é bonito.- elogiei com um ar de descrença, cruzando os meus braços.

- Vem cá.- deu uma palmadinha em sua coxa, me chamando para perto.

Passei minhas pernas por cima das suas e sentei em seu colo, ele me apoiou mantendo as mãos em minhas costas enquanto eu envolvia seu pescoço em meus braços.

- Você é muito mais.- sussurrou rouco em meu ouvido, fazendo com que eu arrepiasse em reação a sua voz.

- Levi?- senti o volume em sua calça crescer.

- O que? Já faz muito tempo...- mordiscou meu pescoço lentamente e beijou meu queixo em provocação.

——

1 ano se passou desde que a Muralha Maria foi retomada e os titãs da província foram eliminados, o reconhecimento estava saindo em expedição para ver o mar. Eu levei um semestre inteiro para recobrar minha saúde mental e cumprindo com o que prometeu, Levi esteve lá em todos os momentos.

Nosso relacionamento nunca esteve tão bem, os conflitos desapareceram e os meus sentimentos pareciam se intensificar a cada dia. E às vezes eu até me questionava: como é possível amar alguém nessa proporção?

A viagem durou algumas horas mas valeu a pena, Eren nos guiou até a praia que conheceu pelas memórias de seu pai e nos deparamos com algo inimaginável. A vista era espetacular e se não tivesse tantas pessoas vivenciando aquela experiência comigo, eu pensaria que era um sonho. Descemos dos cavalos e eu tirei minhas botas na primeira oportunidade, deixando que o calor da areia invadisse a sola dos meus pés.

De início, me mantive afastada com Levi, que estava hesitante pela inconstância das ondas e o tanto que ainda havia de desconhecido nelas. Hange avançou incapaz de conter sua curiosidade e Jean, Sasha e Connie se divertiam ao ver o quão salgado o oceano era. Armin abriu o maior de seus sorrisos, os olhos brilhando de admiração, Mikasa correspondeu seu sorriso desajeitadamente e Eren apontava para o horizonte.

- Larga isso, Hange, pode ser venenoso!- eu dei risada ao escutar ele repreendendo o seu comportamento.

Contudo, a preocupação excessiva também me fez associá-lo a uma figura paterna e então, eu fechei o semblante sem perceber, trocando o meu sorriso por uma expressão torturada em questão de segundos.

- Mía?- me chamou, analisando meu comportamento.

- Oi?- fiz o meu máximo para não alarmar ele, suavizando minha feição.

- O que aconteceu?

- Nada.- menti, não queria estragar o momento com minha melancolia desnecessária.


Levi

Mia chorava em silêncio, provavelmente não querendo incomodar e estava focada em observar seus amigos. Porém, independente de seus esforços para esconder, eu a conhecia bem o suficiente para pressupor os motivos de sua tristeza.

- Isso é sobre o bebê?- perguntei, apesar de ter certeza da resposta.

- Desculpa, eu sei que nós concordamos em enterrar essa discussão.- baixou a cabeça e eu peguei sua mão.

- Eu acho que podemos tentar de novo.- meu coração palpitou nervoso em propor.

- Eu não quero que você concorde só para me agradar.- levantou o olhar ao me dizer, as lágrimas ainda escorrendo em seu delicado rosto.

- Não, eu estive pensando esses meses...e se eu dou conta do Eren, eu aguento qualquer coisa. Ainda mais se o bebê puxar para você.

- Sério?- repuxou seus lábios num sorriso radiante e ruborizou.

- Sim, eu quero um recomeço e esse seria o melhor caminho.

- O que te fez mudar de ideia?

- Você, que sempre dá um jeito de ser a minha única exceção, Mía Okumura.- firmei o enlace formado pelas nossas mãos.

- Eu te amo.- encurtou a distância entre nós para dizer.

- Eu também te amo.- ela arregalou os olhos e me deu um selinho em seguida, eu quase perdi o equilíbrio pela surpresa.

- Ei, ainda estamos em público.- me afastei e ela soltou minha mão.

- Desculpa, eu me empolguei, é a primeira vez em que você diz que me ama.- checou o ambiente, todos pareciam absortos em suas atividades.

- Achei que não precisava de palavras para que você soubesse.

- Então, nós já podemos começar a discutir nomes?

- Vamos com calma aí, você ainda nem está grávida.

- Ok, mas escuta essa!

"Lá vem"

- Fala.- cruzei os braços, esperando pelo pior.

- Que tal Kenny se for menino, em homenagem ao seu tio?- brincou e eu fechei a cara.

- Nem brinca com isso!

- Tudo bem!- levantou as mãos em sinal de rendição- Meu Deus, você devia ter visto a sua cara.- caiu na gargalhada e eu balancei a cabeça em negação.

"Preferia quando ela tinha medo de mim."

- LEVI! EU SEMPRE SOUBE!- Hange exclamou e correu em nossa direção.

"Agora pronto."

- Ah, a Mía e o Capitão? Todo mundo sabia.- Eren se intrometeu, Armin desviou o olhar não querendo se comprometer e Mikasa deu ombros, concordando com a afirmação.

- Como assim?!- Mía encarou-os, boquiaberta.

- Teve o dia do treinamento em que fomos punidos por flagrar vocês.- Connie começou- E todos os outros dias, vocês são muito óbvios.- Sasha complementou.

- Nossa e quando eles brigaram, os treinos foram insuportáveis. Achei que iria morrer.- Connie continuou a reclamar, gesticulando animadamente ao relembrar aqueles meses.

-É, eu achei que fosse morrer naquela cerimônia por ter interagido com ela.- Jean comentou amargo com a memória e eu ergui uma sobrancelha, fingindo desentendimento.

Mía sussurrou um "desculpa" a Jean e Hange interrompeu a conversa em grupo.

- Ok, agora eu tenho perguntas para vocês.-deu uma palmada em nossos ombros, exigindo a nossa atenção.

- Quais?- respondeu simpática.

- Acho melhor não dar corda, Mía.- aconselhei, sabendo que seu interrogatório seria infinito.

- Quem tomou a iniciativa?

- Ele.

- Mentira?- Mía negou e Hange murmurou um xingamento- Eu sempre apostei na Okumura com o Erwin.

- Até o Erwin sabia?

- Claro que sim, ele te conhecia tão bem quanto eu.- não pude deixar de sorrir, imaginando que tipo de discussões eles tiveram acerca da minha vida amorosa.

"Com tantas coisas importantes acontecendo, eles tiravam tempo para isso?"

- Hange? O que te faz pensar que eu tomaria a iniciativa?

- Ah, que bom que você perguntou! Eu tenho uma teoria muito bem elaborada!

Suspirei, ciente de que Hange e ela não acabariam tão cedo. E sendo honesto, eu não queria que acabasse...esse momento era o que eu tinha de mais próximo à uma definição de felicidade em minha conturbada vida. Mía era a única exceção dentro do meu universo caótico e eu agradecia todos os dias por ter sido a sua.

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