Turning Into You


- Billie ? - Justin chama pelo meu nome do outro lado da porta. Parece preocupado.- Billie está tudo bem ? - Ele bate na porta e espera que eu lhe responda. Mas eu não posso responder-lhe pois não ? O que ele faria se ouvisse a sua própria voz vinda de mim ? - Billie por favor, responde.- Eu não posso, eu não posso! - Billie eu vou arrombar a porta.

Meu Deus, o que é que eu faço ?

- NÃO ! - Grito mas nao é com a voz de Jusitn, é com a minha. Ela sai aguda e assustada, mas é a minha linda voz ! Estou a voltar ao que sou ? - Só estou mal disposta, foi da bebida de ontem de certeza.- Sorrio um pouco ao me ouvir e não me sinto tão perdida.

- Precisas de alguma coisa ? - Vejo a sombra do seu corpo encostado à porta.

De repente a minha visão fica turva, a minha mente é levada para um sitio distante. Já não estou na casa de banho, mas noutro sitio completamente diferente.

Olho á minha volta vendo um parque infantil, consigo sentir o vento bater na minha cara assim como o frio no meu corpo. Os meus pés parecem mais pequenos, muito mais pequenos, reparo que estou muito próxima do chão, como se estivesse no corpo de uma criança e não no meu.

"Ty!" A voz infantil sai pela minha boca e concluo que não sou mesmo eu.

Sou uma criança, um rapaz pela minha vestimenta, umas calças de fato treino cinzentas completamente sujas de terra e um blusão enorme azul escuro, tenho um gorro fofo na cabeça. Chamo pelo nome que no meu coração sei que é tão importante mas na minha cabeça não faz sentido. Um outro rapazinho, ao longe, corre até mim com um sorriso no rosto. Está exatamente vestido como eu, tem a pele escura e uns olhos claros. Eu sinto tanto amor por aquele miúdo e nem percebo os sentimentos que tenho. Quem é ele ? E quem sou ? Justin ?

- Billie ? - Sou obrigada a regressar à realidade com a voz de Justin.

Passar de corpo para corpo torna-se tão cansativo que por segundos ainda me pergunto quem sou eu de verdade. A rapariga de cabelos azulados, o rapaz alto ou a criança naquele parque.

- Não, obrigada ! - Respondo ao seu tom alto e preocupado. Ele murmura um "ok" baixinho e afasta-se da porta.

- Vou fazer alguma coisa para comermos.- Diz antes de sair do quarto, como se não me quisesse dar tempo para lhe negar o pequeno-almoço.

Levanto-me sentindo fraqueza nas pernas e olho uma vez mais para mim no espelho. Qualquer pessoa acreditaria que eu sou Justin, eles ouviriam a voz dele, veriam o seu corpo. Não sei o que fazer a este ponto, por isso começo por esfregar a minha pele com uma luva de banho que Justin tem na banheira, mas nada acontece. Chego ao ponto de sangrar com a força que faço, não tenho resultados senão feridas e dor.

Então, sentindo-me desesperada, começo a chorar. Sinto as lágrimas caírem pelas bochechas e vejo os olhos castanhos de Justin me encararem tão tristes. Olho para os seus olhos com intensidade e tenho uma ideia, penso nos meus próprios olhos. No azul claro que tão bem conheço. Imagino a minha cara, o meu corpo, toda eu. Sei que estou a fazer o correto quando a cor começa a mudar, vasos azuis, exatamente da cor que imaginava aparecem no castanho. Demora uns segundos mas finalmente todo o azul preencheu os meus olhos. Sorrio com a minha pequena vitória enquanto aprecio Justin de olhos azuis quando sinto uma dor que percorre todo o meu corpo. Fico na mesma posição do homem do meu sonho, sinto dor em todas as partes do meu corpo.

Pego rapidamente numa toalha e meto entre os dentes, não posso gritar, não posso fazer um som.
Todos os meus ossos movem-se dentro de mim, parecem encolher e esticar, todos aos mesmo tempo. Penso que é só uma dor momentânea quando a minha pele começa a ferver, e nesta altura eu sei o que fazer. Pego numa das extremidades e puxo, ela escorre pelo meu corpo e cai no chão ao pedaços.

Continuo a puxar e a puxar até toda a pele mais morena se transformar na pele pálida que é a minha. O cabelo castanho cai no chão e os fios azuis aparecem na minha visão. Finalmente o meu interior para de doer, estou na minha estatura, todos os meus tamanhos estão direitos. A pele foi substituída. A toalha na minha boca está encharcada em sangue, e só então percebo que, enquanto os meus ossos mudavam de sítio, os meus dentes caíram e deram lugar aos meus, assim como as minhas unhas.

Caio no chão respirando fortemente, já não sinto dor, tenho um espasmo ou outro mas a dor finalmente deixou-me. Não tenho forças para me levantar, sinto que todo o processo me levou à exaustão. As lágrimas continuam a rolar pela minha face, mas desta vez eu sei que é a minha.

Que pesadelo é este? Os meus pulmões parecem não querer funcionar, eu tento mexer o meu corpo enquanto faço um esforço para concertar o meu cérebro que parece estar destruído. Nunca me senti tão confusa como me sinto agora. Quero gritar, quero chorar, quero simplesmente desmaiar aqui neste chão frio do banheiro e só acordar quando tudo isto fizer sentido.

Ainda tentando testar a teoria do sonho toco na pele que saiu de mim e que antes pertencia a Justin. Tem uma viscosidade inigualável, e saiu de mim. Aqueles cabelos morenos são os de Justin. Eu fui ele, e nem sei o que fiz ou como o fiz. Eu tornei-me nele enquanto dormia ? E não senti a dor avassaladora que senti agora ? Será que isto acontecia todas as noites e por isso é que encontrava o meu cabelo na almofada? O que é que eu sou ? Sou um monstro !

Obrigo as minhas pernas a levantarem, peço para que elas me dêem força nem que seja só para chegar a casa. Faço o que fiz há pouco e deito toda aquela pele, incluindo os meus dentes, unhas e cabelos, pela sanita. Tento não vomitar de novo, mesmo sabendo que deitei tudo o que tinha na barriga para fora. Deito a toalha ensanguentada ao lixo e rezo para que ele não a encontre e simplesmente deite o lixo fora sem olhar para o que lá contém.

Pensar que tudo aquilo saiu de mim, esteve em mim, faz-me sentir enojada comigo mesma. Deixo a casa de banho como estava e entro no quarto, procuro pela minha roupa e visto-me rapidamente com medo que ele venha.

Quando estou vestida corro pelo apartamento de saltos na mão, estou quase na porta quando ouço a sua voz.

- Onde vais ? Estou a fazer ovos e bacon.- Não posso olhar para ele, não consigo. Tenho medo, aliás, estou completamente traumatizada, e receio que se olhar para ele tenha que passar por tudo aquilo de novo. Sinto o cheiro da comida e novamente o ácido do meu estômago sobe-me à garganta.

- Justin eu preciso de ir para casa. Eu não estou bem.- Ouço Justin a aproximar-se, abro a porta e preparo-me para sair.- Obrigada por tudo.- Falo simplesmente e tento fechar a porta mas o Justin para-me.

- Não gostaste de aqui estar ?

- Gostei, eu só... estou mesmo mal disposta.

- Eu levo-te a casa.- Vejo as suas calças de fato de treino pretas ao meu lado mas obrigo os meus olhos a não o encarar.

- Não preciso Justin. Eu arranjo o caminho sozinha. Obrigada.- E quando ele larga a porta eu fecho-a atrás de mim. Não o posso ver mais na minha vida, só de pensar na sensação dos meus ossos tomarem uma forma diferente sinto que vou desmaiar.

Será que isto acontece com todas as pessoas em quem tocar, ou em quem pensar ? É algo que vai acontecer sempre ? Com que frequência ?
Preciso de me fechar num sitio onde ninguém saiba nem possa chegar até mim.

Corro até ao elevador e ouço a porta ser aberta de novo. Carrego no botão que me leva para fora, e de olhos colados no chão ouço a porta do elevador fechar, sabendo perfeitamente que Justin estava a observar-me.

Só chego a casa depois de duas viagens de autocarro, felizmente quando saí da sua casa percebi que conhecia mais ou menos as zonas e que transportes apanhar. Recebo olhares de todas as pessoas por quem passo, sei que será provavelmente pelo meu vestido mas na minha cabeça algo me diz que cada pessoa que me analisa com os olhos sabem o meu segredo, sabem o monstro que sou. Abro a porta e corro para o meu quarto mesmo ouvindo os gritos incessantes da minha tia a chamar por mim, tranco a porta do meu quarto e rezo para que ela perceba que não quero falar agora, que só quero estar sozinha. Desfaço-me do vestido e visto uma camisola grande e longa o suficiente para cobrir as minhas coxas e abro a cama me enrolando nos lençóis fofos. Ao menos aqui estou protegida. Aqui posso deixar as minhas lágrimas cair e ninguém as verá.

Observo as minhas mãos, como é que umas coisas tão finas e pequenas se podem ter transformado nas mãos de Justin ? Como me posso ter tornado numa cópia tão fiel de alguém em apenas minutos ? O que é isto ? Um dom ? Uma maldição ?

Quem não gostaria de ser outra pessoa ? Mudar de corpo, mudar de pele por uns tempos. Parece um sonho para alguém como eu, mas aquela dor, aquela sensação na mudança faz-me pensar que isto é um pesadelo, e nada mais.

Mas, porquê eu ? Porque Deus me criaria como um monstro? Se calhar os meus pais sabiam o que eu era, e por isso deixaram-me, por isso fugiram. O meu pai fugiu no dia em que soube que a minha mãe estava grávida e a minha mãe desapareceu nos dias seguintes ao meu nascimento. Ambos abandonaram-me, deixaram um fardo nos meus tios que me criaram como se eu fosse deles, mas eu não sou. Sou só uma miúda que nunca foi desejada e que agora é amaldiçoada sabe-se lá porquê. Devo ter sido um valente assassino na outra vida para merecer isto.

Só percebo que adormeci quando acordo sobressaltada com o som da campainha, chamo pela minha tia mas a falta de resposta faz-me pensar que se calhar saiu. Pego no telemóvel enquanto me levanto e vejo que tenho inúmeras chamadas não atendidas de Esme, deve estar a perguntar-se porque é que ainda não disse nada, ou se calhar só quer saber como correu a noite. Por uns instantes penso na possibilidade de ser ela a tocar, mas ela tem a chave, ou talvez seja apenas a minha tia ou prima voltando quando se esqueceram da chave em casa. Saio do quarto ainda só vestindo a camisola enorme e as minhas pantufas.

Torna se impossível desviar o olhar depois de nossos olhos se encontrarem novamente.

- Justin ? - É possível que eu o esteja a imaginar ? O seu olhar cai dos meus olhos para as minhas pernas descobertas, por alguma razão sinto vergonha, mesmo que aquele rapaz já tenha visto tanto de mim, e eu dele, ate demasiado.

- Saíste tão rápido de minha casa... só queria saber como estavas.- O seu tom despreocupado. Justin veste apenas uma t-shirt branca e umas calças cinzentas, tem um colar ao pescoço do que me parece uma cruz.

- Eu estou bem Justin.- Só a expressão faz-me sentir culpada, analiso-o tanto, a sua face triste e o seu corpo, que tenho que olhar para a minha pele com medo que ela mude de novo.
Passo a língua nos dentes esperando que caiam e prenso as unhas contra a porta que estou a segurar e mantenho a outra mão fechada em punho temendo que elas saiam. Fico á espera da dor agonizante interior, mas ela não chega.- Como sabes onde vivo ? - A pergunta transporta me para um Justin preocupado, que liga para Caleb que tem o numero de Esme.

- Esme.- Dizemos ao mesmo tempo. Justin ri e passa a mão pelo cabelo de um jeito tão sexy que me leva a noite de ontem. O meu corpo sobre o seu, sentindo a sua pele na minha, os seus lábios contra os meus, hmm... o seu sabor delicioso.

- Billie ? Eu queria falar contigo...- Ele arrasta as palavras que me deixam em agonia. Se calhar não me livrei de todas as provas que fazem de mim um monstro. Ele encontrou minha pele, ele sabe.

- Billie ? Quem está a porta ? - Fecho os olhos com força ouvindo a voz da minha tia atrás de mim. Estou lixada.- Oh... Olá! - Ela abre a porta por completo e vê Justin, a sua cara muda do choque para alegria total. Ela beija as bochechas de Justin, que ri envergonhado e eu o acompanho.- Querida, é o teu namorado ? Quando estavas a pensar apresentar ?

- Ele não é o meu namorado tia.- Arregalo os olhos ao seu comentário, Justin vai fugir daqui a sete pés se ela continuar com esta conversa. Nunca mais vai me querer ver, e... não era isso que eu queria ? Justin observa-nos com um sorriso brincalhão na cara, o que tem isto de engraçado ? - É apenas um...Amigo.- Saboreio a palavra e decido que é um termo demasiado apressado para duas pessoas que acabaram de se conhecer, num entanto, é definição perfeita para a minha tia. Ela acena a cabeça e pisca o olho para Justin que sorri educadamente.

- Então vou deixar vocês pombinhos sozinhos.- Ela sorri mais uma vez.- Foi um prazer...

- Justin.- Ele completa a sua frase.- Igualmente senhora Eilish.- Deixo o ar que nem sabia que estava a suster, sair dos meus pulmões. Ela faz o caminho de volta à cozinha e deixa-nos sozinhos de novo.

- Desculpa.- Digo sentindo minhas bochechas queimar.- Bem, como podes ver... eu já estou bem.

- Consigo ver isso.- E lá está aquele sorriso adorável. E eu deixo me hipnotizar por ele, infelizmente, porque já sinto a minha pele se eriçar e a pouca prática que tenho diz-me apenas uma coisa, foge.

Analiso a sua imagem uma ultima vez e nem sei porquê, parece que tudo se tornou num filme em câmara lenta. Vejo a sua postura descontraída, os seus braços descobertos cobertos de tatuagens, a camisola branca que é transparente o suficiente para eu ver a tinta preta na sua pele através dela, o brinco brilhante que tem na orelha, o maxilar cerrado, as bochechas rosadas, os olhos penetrantes. Tenho que me afastar, já.

- É melhor ires Justin...

- Mas eu pensava que nós pudéssemos...- Passo a mão pelo braço e sinto a pele ficar mole, imediatamente os meus olhos caem no chão, não posso olhar para ele. Não quero desfazer-me aqui.

- Agora estou ocupada Justin, podemos falar noutra altura ? - E mesmo antes que ele me responda bato com a porta na sua cara sentindo-me imediatamente arrependida. Corro ate ao meu quarto rapidamente e fecho a porta atrás de mim.

Apenas um pedaço do meu braço esquerdo está mudado, encontra-se coberto de tatuagens que agora reparo ser um olho detalhado e ao seu lado, uma rosa. Sento-me em frente ao espelho e examino o braço, à volta das tatuagens está a minha pele e parece que apenas aquela área foi afetada, num entanto, se ele visse, pensaria que sou um monstro. E não estaria enganado. Por momentos penso o que o fez tatuar estas imagens, que significado têm, quais os seus motivos para marcar a pele com elas ?

Olho para mim, para o meu corpo, e reparo que mais nenhuma parte mudou. Quando os meus olhos me encaram pelo espelho é que noto que isso não é verdade. A cor neles transformou-se no castanho brilhante de Justin, há quanto tempo estou assim ? Justin teria notado alguma coisa certo ? Ele teria dito algo! Então quando mudei ?

Aos poucos, depois de um tempo a lembrar-me do azul dos meus olhos ele começa a inundar-me a íris. A pele tatuada cai dando lugar à original e eu sei que estou longe do perigo, por agora. Não quero voltar a sentir o meu corpo torcendo e retorcendo procurando tomar outra forma. E sei que se há pessoa que faz estes sintomas aparecerem é Justin, tenho que me manter o mais longe possível daquele rapaz.

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