Little Monster


Deslizo o pé pelas botas de salto alto e suspiro sabendo a noite sofrimento que tenho pela frente. Levanto-me com dificuldade e olho-me ao espelho. O macacão que comprei assenta-me como uma luva, é preto e discreto. Não tem um decote extravagante, apenas mostra um pouco do meu peito e ombros, posso não mostrar muita pele mas este tecido abraça cada pedaço do meu corpo perfeitamente. E nunca me senti tão atraente. Faço um esforço para encaracolar as pontas do meu cabelo e pinto os olhos com uma sombra preta e um lápis da mesma cor. Coloco o rímel e tenho que limpar o pouco que borratei com um cotonete molhado. Penso que já estou a perder a paciência quando a porta abre. 

A Esme entra pelo quarto como um furacão, parece entusiasmada. Usa um vestido curto cor de vinho com um batom da mesma coisa e uns saltos pretos.

Ela analisa-me com cuidado e sorri, quando penso que ela vai começar a criticar as minhas escolhas dirige-se a mim, pega na minha mão e faz-me girar.

- Meu Deus, onde está a Billie ? – Mete a mão na testa e faz de conta que procura alguma coisa.- Viste-a ? – Não posso evitar rir-me da sua brincadeira. Olho para baixo para o meu corpo e sorrio porque tenho a luz verde dela. O macacão acaba nas minhas coxas e as botas ficam um pouco mais acima do joelho. Nunca tinha usado assim umas botas e estive quase para usar umas botas rosa de cano baixo com cordões rasas. Estive muito tentada mas hoje tenho que impressionar.

- Vamos ? – Coloco a caixa com o relógio dentro da minha mala, escolhi uma maior para esse mesmo propósito. Espero encontrá-lo sozinho nem que seja por uns minutos para poder dar-lhe a prenda, quero tanto ver a sua reação. 

Tenho pensado demasiado nesta noite, não sei o que pode acontecer e não discuti isso com o Justin nestes dias em que falamos por mensagens.

Mal saí da sua beira quando fomos lanchar juntos ele mandou mensagem e desde aí não paramos de falar. Num entanto, não sei o que esperar, tenho medo de sentir algo que não deva se ele quiser estar com outra rapariga hoje, afinal, eu e ele não temos nada, e se ele quiser pode estar com qualquer rapariga. Eu só... ainda não decidi como me vou sentir se algo assim acontecer.

Sinto que aquela conversa que tivemos nos aproximou de algum modo, numa maneira reciproca e não como antes, que apenas eu sentia essa aproximação só porque já estive dentro da sua cabeça. Ainda tenho as suas lembranças na minha cabeça, e não de coisas que ele me contou, mas memórias que agora são minhas porque eu as vi através dos meus olhos. De uma forma estranha, eu fui ele, eu fui aquela criança a brincar com o Ty e aquele rapaz na festa a olhar para mim, fui eu.

Ty... Ele vai estar lá, eu sei disso. Também fiquei uma boa parte de tempo a pensar em cenários em que eu e ele nos encontramos sozinhos. Sem pessoas à nossa volta que nos impeçam de falar, tenho medo que ele se aproxime. Faço dele um monstro aterrorizante na minha mente, ainda vejo aquela criatura do meu pesadelo que me perseguia, que gritava tão desesperadamente pelo meu sangue, pelo meu sofrimento. Ele deixa-me com os níveis de ansiedade em cima, os seus olhos verdes, a sua postura intimidante e o seu sorriso a fazer troça de mim. Fico a pensar no que faria se ele tentasse chegar perto de mim e o meu cérebro paralisa. Não inventa uma frase para lhe dizer, nem sequer uma palavra. Vamos esperar que não chegue a isso, quando o vir, ando para o lado contrário.

- Estás preparada ? – A Esme pergunta com um sorriso malicioso no rosto. Ela olha para mim e para a minha cara confusa.- Para ver o Justin.- Ela clarifica, sai pela porta da minha casa e observa-me enquanto fecho a porta com as chaves, à espera de resposta.

- Não é como se fosse um grande evento. Já nos conhecemos um pouco melhor, ele nao é nenhum bicho de sete cabeças.- Andamos até ao carro de Caleb que nos fita expectante mas sempre com um sorriso deslumbrante na cara. Sento-me no banco traseiro e Esme no de passageiro.

- Sim, achas que vais...- Ela faz uns gestos esquisitos com a mão e eu percebo imediatamente o que ela quer dizer.

- Estás bem ? – O Caleb fita-a assustado com os movimentos.

- Ela percebeu.- Esme diz rindo da sua própria figura. Ele olha para trás, para onde estou sentada, com a sobrancelha franzida. Sento-me no banco do meio e curvo-me para o meio dos lugares deles.

- Ela estava a perguntar se eu vou ter relações com ele.- O seu olhar assustado desaparece e ele decide não responder. A Esme ri mais um pouco da sua reação que para ela parece ser normal. Encosto as minhas costas ao banco e, passados uns momentos, olho para o retrovisor. O Caleb vai alternando a visão da rua para mim, tem uma expressão estranha na cara que não consigo decifrar.

Quando os seus olhos encontram os meus sinto um arrepio pelo meu corpo inteiro, instantaneamente fico alerta, não sei como reagir ao seu olhar que parece não querer descolar do meu. Disse alguma coisa de errado ? Eu e a Esme sempre brincamos deste jeito e ele nunca disse uma palavra. Então porque é que desta vez parece tão... desconcertado ?

- Então...- Esme pergunta e puxa-me para fora dos meus pensamentos. O Caleb quebra a nossa luta de olhares e a vibração na minha pele cessa, finalmente. A sensação é tão desconfortável que deixa o meu coração a palpitar tão rápido que me confunde a cabeça.

- O quê ? – Pergunto de voz tremula.

- Vais ? – Vou o que ? Ter relações com o Justin ? Fico de sobrancelha levantada até perceber que ela não notou nos olhares que eu e ele trocamos, ela não sentiu todas as sirenes na minha cabeça tocarem no volume máximo, não viu o meu corpo reagir. Para ela foi apenas uma pausa quando foi muito mais que isso. Pelo canto do meu olho vejo que ele está a encarar-me novamente, sinto-me intimidada e não sei porquê, porque é que ele está a agir desta forma e porque é que me faz sentir assim ?

- Não.- Respondo simplesmente e a Esme engasga-se com o ar que puxa para os pulmões.- Não sei Esme.- Não tenho desculpa para lhe dar, adoraria que Justin quisesse passar um tempo comigo no seu aniversário mas não sei se ele quer repetir aquela noite. Só de pensar na sua pele na minha fico com ansiedade, com um desejo que não consigo controlar, e parece que nem o meu corpo o controla porque reage imediatamente ao pensamento.

Quem é que eu quero enganar ? Estou assim vestida exatamente para o impressionar, para que ele me queira. Quero-o comigo, quero que ele me queira de novo.

Eu orgulho-me por ter aguentado tanto ao seu lado quando fomos lanchar, não me transformei em ninguém, não mudei nem um pouco. Fiquei eu, o tempo todo. Mas quem me garante que o mesmo não acontecerá se ele me beijar ? Ou me tocar ? Ou dormir comigo ?

Parece que fico demasiado tempo a pensar no assunto porque vejo uma casa iluminada no final da rua. Não tenho tempo para pensar em como me vou comportar lá dentro, não sei qual é a minha estratégia, por isso decido só entrar e depois lidar com cada situação que me for apresentada. Temos que estacionar um pouco longe da moradia enorme por falta de lugar. A Esme e o Caleb andam à minha frente no passeio, ela dá-lhe a mão e sorri como uma miúda apaixonada e não posso evitar sentir uma pitada de ciúmes. Quero sentir o que ela está a sentir neste momento, quero passar pelo mesmo, quero aquele sorriso tolo, quero aquele toque que me faz sentir assim, quero entregar-me.

Gostava de poder ter isso com o Justin mas não sei se podia pensar em ter um futuro com alguém sabendo o que sei sobre mim. Como seria se um dia dormir com ele como da outra vez e me tornar nele sem querer ? Ou se simplesmente acontecer porque estou demasiado nervosa ou stressada ? Como seria isso ?

Puxo a Esme para o meu lado e deixo que o Caleb fique a uma distância segura de nós.

- Se alguma coisa acontecer entre mim e o Justin não me deixes dormir com ele.

- O quê? Porquê ?

- Porque eu não quero. Por amor de Deus leva-me para casa contigo.- Disse à minha tia que ia dormir a casa da Esme, como sempre faço. Mas, se acabar de ficar com o Justin não posso arriscar, não quero que aconteça como da outra vez, não quero sentir aquelas dores horríveis nem quero limpar a sujeira que farei. Ao menos sei que se for dormir com a Esme posso dormir no sofá, ou posso simplesmente... não dormir. Ela olha para mim confusa.- Promete-me que me procuras e me levas contigo.- Imploro uma vez mais olhando intensamente para os seus olhos claros. Ela não entende o porquê de eu lhe pedir tal coisa mas não pergunta de novo, levanta os braços em rendição e suspira.

- Ok! – Levo com um olhar de preocupação e rezo para que ela não esteja pensando coisas falsas sobre o Justin, ele nunca me faria mal ou me deixaria desconfortável. As minhas razões são outras, umas que ela não compreenderia.

A Esme enlaça o seu braço ao meu e acelera o passo para nos aproximar-mos de Caleb que tem olhado para nós discretamente, como se eu não reparasse. A casa à nossa frente é enorme, com um jardim gigante rodeando a casa, deve ter uns dois andares, e está repleta de balões e enfeites. Na porta principal está uma faixa com letras que soletram "Parabéns Justin". Alguém passou muito tempo a preparar tudo isto.

A música fica cada vez mais alta, abafando todo o outro ruído e entupindo a minha cabeça. Agora que estou cá dentro percebo que estou mesmo fora do meu elemento, fico imediatamente insegura e repenso o que estou a vestir. A quantidade de pessoas aqui não é a que imaginava, como é que vou encontrar o Justin com esta gente toda, já é difícil simplesmente mover-me pelo meio desta multidão quanto mais encontrá-lo, o aniversariante.

- Onde estamos ? – Falo alto ao ouvido de Esme.

- Na casa do irmão dele.- Ela fala de volta. Esta é a casa do Tyreme ? Não imaginava que ele tinha assim tanto dinheiro para ter uma casa como esta. O apartamento do Justin também era gigante. De repente lembro-me que não sei o que o Justin faz, se trabalha e o dinheiro é suficiente para pagar aquele apartamento, se apenas estuda e o dinheiro vem de outro lado. Não imaginava que eles viviam com tanto luxo.

Algo raspa na minha mão e larga as mãos entrelaçadas que tinha com a Esme. Quando olho para baixo vejo que o Caleb está ao meu lado, tirou as nossas mãos e agarrou-se a ela. Ele conduz a Esme para longe de mim e antes de se misturar com a multidão lança-me um sorriso maldoso. A Esme nem sequer suspeitou de nada, provavelmente pensa que ainda vou atrás dela. Tento não pensar muito nisso, não quero que ela esteja colada a mim a noite toda não é justo para ela, também tem que estar com ele.

Decidida a ser independente bato em ombros para que saiam da minha frente e ando até à mesa com bebidas. Encho um copo com um liquido vermelho claro com um cheiro enjoativo e encosto-me a uma parede ao lado de um casal beijando-se. Foi o único espaço que consegui ver para poder respirar por um segundo. 

Tento localizar a porta para o jardim, consigo ver umas portas de vidro grandes ao longe e algumas pessoas lá fora, então bebo todo o liquido do copo de golada e pouso o copo na mesa ao meu lado, sei que se o levasse na mão levaria um encontrão e ia acabar por ficar toda suja no inicio da noite. Recomeço o bater de ombros aproximando-me cada vez do jardim.

E quando já sinto o vento na minha cara vejo-o finalmente, o Justin está sentado na piscina, algumas pessoas estão lá dentro a jogar com uma bola gigante mas ele parece nem ver. Os seus sapatos estão ao seu lado e os pés descalços chapinam na água.

Aproximo-me dele lentamente sem saber exatamente o que dizer, vê-lo assim, tão triste e pensativo, dá-me o desejo de ajudar mas se calhar ele só quer estar sozinho. Está curvado sobre a piscina a olhar para a água como se estivesse à procura de algo, usa uma camisa branca e umas calças de ganga arregaçadas até aos tornozelos. Acho-o perfeito neste momento, as luzes embutidas na piscina fazem todo o seu corpo se iluminar com figuras azuis que não param de se mexer com o movimento da água. O seu cabelo está despenteado e tão rebelde e consigo ver a tinta das suas tatuagens através da camisa.

Quando sinto o arrepio na espinha sei que é o meu sinal para parar de o observar. Faço de tudo para pensar noutra coisa que não seja o Justin, mas é difícil quando estou demasiado nervosa e desejosa por estar perto dele. E mesmo com o som da música e com os gritos de divertimento das pessoas que jogam à sua frente ele ouve-me, não sei como, talvez até tenha sido um pressentimento. Vira-se para mim e esboça um sorriso, depois vejo o seu olhar passar do meu rosto para o meu corpo inteiro. Controlo-me para não me rir orgulhosa do meu feito, consegui impressioná-lo, espero. Sento-me ao seu lado na piscina deixando as minhas pernas para o lado, não quero tirar estas botas enormes.

- Parabéns! – Digo entusiasmada e beijo a sua bochecha. O seu sorriso aumenta assim como o meu, não sei como é que tive confiança para lhe dar um beijo.

- Obrigada.- Responde desanimado.

- Porque estás aqui sozinho? Não devias estar a festejar com os teus amigos?- Ele ri baixo e volta o olhar para a água da piscina.

- Eu não conheço nem metade das pessoas daqui. O Ty é que organizou tudo isto.- Ele levanta o braço e abana-o como se todas estas pessoas e enfeites fossem demasiado.

- Bem...tu conheces-me. Podemos ir lá para dentro, dançar um pouco...

- Não me parece uma boa ideia.- Ele ri baixo e tira os pés da agua.- Eu não danço.

- Eu também não, mas não é por isso que não nos podemos divertir no teu dia ! – Agarro nos seus pulsos e levanto-me, puxo por ele para que se levante comigo. Depois de uns puxões violentos ele desiste de me tentar resistir e finalmente põe-se de pé.

- Mas para onde vamos ? Aquilo lá dentro está cheio.

- Bem, podemos dançar aqui mesmo! – Ele olha para mim confuso, devo parecer maluca ao seu olhar.- Que é ? Vais dizer que não ouves a música daqui ? Se eles podem porque não nós ? – Aponto para um grupo de rapazes e raparigas que estão a dançar, incluindo um casal agarrado que balança como se a música fosse lenta. Vejo o riso que lhe escapa pela boca como deixa para me mover, a musica é alegre e divertida, felizmente bebi, assim arranjo coragem onde não tenho para começar a dançar animadamente. Tenho que trabalhar na minha tolerância ao álcool.

A certo ponto estas botas tornam-se num empecilho da minha missão de animar o Justin. Desço o fecho das botas e noto no olhar atento de Justin, então só faço o movimento tornar-se cada vez mais lento. Levanto a cabeça para o encarar e pisco-lhe o olho, não sei o que se passa comigo hoje, mas gosto, porque o faço sorrir de lado. Sinto-me como naquela noite onde o conheci, exatamente há uma semana, como se tivesse o controlo, como se realmente tivesse algum efeito nele. Adoro esse sentimento.

Livro-me das botas e começo a dar pequenos saltinhos, conforme a batida da música. Canto alto porque sei que ninguém me ouve por cima da musica que toca lá dentro, apenas o Justin me ouve, mas sinto-me confortável o suficiente, só quero que ele se sinta à vontade e se para isso tenho que fazer figura de parva, então é exatamente isso que farei. Fecho os olhos e movo os braços como se o ritmo me conduzisse e abro os olhos para ver um Justin divertido. Ele está de braços cruzados, atento a cada movimento meu, com um sorriso estampado no rosto. Aproximo-me dele e lanço os meus braços à volta do seu pescoço, ainda a mexer-me, deslizando de um lado para o outro, tentando incentivá-lo. O seu sorriso passa para um riso alto que me deixa com borboletas na barriga.

Finalmente os seus pés deslizam com os meus, desço as minhas mãos pelos seus ombros, até aos braços e finalmente aperto-lhe as mãos. Dançamos os dois como dois loucos mas pelo menos divertimos-nos. Ele faz-me rodar com a sua mão e puxa-me para mais perto. Paro tanto pela surpresa de ter o seu rosto tão perto do meu como pelo cessar da música. Outra começa a tocar mas eu não a ouço, todo o ruído é abafado e a única coisa que vejo é o rosto do Justin, não cheiro, não ouço, apenas sinto as suas mãos em mim e vejo o seu lindo rosto.

Vejo as veias do seu pescoço pulsando do nosso exercício e sinto a sua respiração acelerada na cara. Fito os seus lábios grossos e rosados e de repente sinto-os colados aos meus.

Estamos novamente, tão perto um do outro. Não sabia que sentia tanto a falta do seu beijo até sentir os seus lábios nos meus outra vez. São tão cheios e quentes, encaixam perfeitamente nos meus. Imediatamente sinto a ansiedade e nervosismo, como se o meu coração me quisesse saltar pela boca. As minhas pernas ficam fracas por uns momentos e a sensação de formigueiro conhecida entre as minha pernas aumenta. Não é a primeira vez que sinto o seu toque ou que sinto isto, mas é como se fosse. Estou nervosa e a minha cabeça está a mil, não sei o que vai acontecer, mas sei o que quero que aconteça, aliás, só tenho pensado nisso a semana inteira ! E ele está aqui, a beijar-me como se me desejasse.

Quero pedir por mais quando ele se afasta.

- Não queres... sair daqui ? – Ele está a perguntar o que eu acho que ele está a perguntar ?

- Para onde ?

- Lá em cima.- Ele abana a cabeça para o piso de cima.

- Mas esta não é a casa do Ty ?

- É a minha casa também.- Ele ri.- Eu cresci aqui.- Oh. Então foi aqui que ele esteve toda a sua vida, antes de se mudar. Esta casa é grande, é linda, e saber que ele teve esta sorte de ter uma boa família e de poder viver bem deixa-me mais do que feliz por ele.

Abano a cabeça e a sua mão agarra na minha, ele guia-me até dentro da casa, pelo meio de todas aquelas pessoas divertidas e inquietas. Subo as escadas atrás dele respirando fundo depois de ser esmagada pela multidão que parece estar a ter a noite da sua vida. Chegando a um corredor fundo, percorremos-lo quase até ao fim.

Uma rapariga anda na nossa direção, não anda, cambaleia ate nós, como se não tivesse controlo nas suas pernas, os seus olhos buscam cada canto das paredes como se tentasse compreender onde está e não conseguisse. Está tão bêbada que mal se aguenta em pé. Ela passa por nós e continua o seu caminho confuso, o Justin não lhe presta muita atenção mas eu acompanho-a com os olhos. Ela para por alguma razão mesmo no topo das escadas, ri alto e tenta fazer algo como uma dança mas é demasiado desastrada com todo aquele álcool no corpo. Depois parece lembrar-se de algo e olha para trás, para uma porta mesmo em frente às escadas, ela anda até à porta e abre-a, entra lá dentro e fecha de novo a porta. O que é que ela pensa que vai encontrar lá? Se calhar só quer descansar.

Estou prestes a voltar a minha atenção para o Justin quando vejo a figura enorme de Caleb subir pelas escadas, ele tem o olhar fixo na porta onde a miúda entrou. Anda apressadamente como se tivesse que lá entrar desesperadamente. Será que ele a viu entrar e quis entrar também ? Será que eles se conhecem ? Se não se conhecessem porque é que estariam lá dentro juntos ? E se ele lhe quer fazer algum mal ? Não... o Caleb não faria isso. Ele está com a Esme. Mas onde é que ela está?

O Justin abre a porta do quarto e entra enquanto eu fico especada a olhar para trás, à espera de algum sinal, de ver um deles sair e assim poder respirar. Podia ter sido apenas um erro, a rapariga podia só querer ir à casa de banho e enganou-se, podia haver um motivo que não uma traição ou... algo pior.

A porta não se abriu mais.

- Billie ? – Não sei há quanto estou apenas a fitar aquela porta, mas pela expressão no rosto de Justin foi algum.

- Desculpa, eu só preciso de ir ver se a Esme está bem... Volto em 5 minutos ok ? - Ele parece desiludido, até medroso. Aproximo-me dele, e beijo a sua bochecha.- Hey, eu só tenho medo que ela esteja sozinha. Eu não vou fugir desta vez. 5 minutos.- Isso parece deixá-lo mais aliviado.

Fecho a porta do seu quarto e corro até ao outro, rodo a maçaneta e abro a porta à espera de encontrar uma cena horrível, mas não, a única luz que entra no quarto é a que vem da minha porta aberta. A miúda loira e bêbada está deitada numa cama, completamente espalhada nos lençóis, ressonando alto.

Entro imediatamente e fecho a porta atrás de mim. Fico no escuro, ouvindo a musica lá de fora um pouco abafada e o ressonar da miúda.

Um feixe de luz passa por baixo da porta que parece ser uma casa de banho. Uma sombra passa de um lado para o outro, o Caleb está lá dentro, não pode estar em mais lado nenhum. Aproximo-me e encosto o ouvido à porta, ouço gemidos do outro lado, coisas a cair no chão, algo a bater no azulejo. O que é que ele pensa que está a fazer?

Tenho que perceber, eu simplesmente não posso acreditar que o Caleb trouxesse alguém para aqui para fazer...essas coisas sem a Esme.

Rezo baixinho para que a porta esteja aberta e possa apanhá-lo em flagrante e sorrio ao ver que ele se esqueceu de a fechar. Abro-a devagar, com medo de ter que magoar a minha melhor amiga ao dizer-lhe que o seu namorado é um traste, não quero ter essa conversa, odeio dar más noticias.

Espreito e preparo-me para encarar o que tenho que encarar.

Ele está de costas para mim, está sozinho, e os seus gemidos não são de prazer e sim de sofrimento. Não é o Caleb, não pode ser, a pele das suas costas são cor de noz, e o Caleb sempre foi alto mas nunca foi tão musculoso. Ele cai de joelhos no chão, passa as mãos nos braços, espetando as suas unhas na carne, arrancando-a com facilidade, a pele passa de branca para castanha.

Completamente rodeado da mistura viscosa que tão bem conheço e despojado de qualquer roupa está o Ty, respirando aceleradamente.

Só quando vejo os últimos ossos das suas costas voltar ao normal é que percebo o que tenho à frente. Inspiro demasiado forte e acabo por ter um ataque de tosse. Não consigo compreender o que está a acontecer, parece que o meu cérebro só entende aos poucos.

O som que faço ao inspirar o ar para os meus pulmões atrai a sua atenção, ele olha para mim apavorado, e eu correspondo a esse olhar com o mesmo sentimento.

- On..ond...- Tento falar mais não consigo, não consigo formular as palavras que quero dizer. Não sei como me sentir, alguém como eu ! Alguém igual a mim, será verdade ? Estou a sonhar ? Ele avança sobre mim, puxa pelo meu braço com força para dentro da casa de banho trancando a porta.- Onde...

- Onde está o Caleb ? Eu acho que tu sabes.- Ele pega nas roupas do Caleb... quero dizer... pega nas suas roupas e começa a vestir-se. Abro a boca umas quantas vezes para falar mas nada sai. Quando ele acaba de se vestir e me olha é que o sinto... aquele arrepio que sempre senti quando o tinha por perto, aquele arrepio que me percorre a espinha e me diz para fugir. Ele é como eu, exatamente como eu, como ? Como é possível? Será que ele sabe o que eu sou ? Será por isso que ele me seguiu ? Mesmo que ele saiba... eu não o posso mostrar.

- O que é que tu és ? – Ele encosta-se ao lavatório e cruza os braços, fita o chão e sorri. Depois olha diretamente para mim, aqueles olhos verdes penetram-me a alma e o sinal na minha pele é ativado novamente.

- Viste isso ? – Ele desencosta-se e aproxima-se de mim, eu recuo, e recuo, até bater de costas na porta. Não posso recuar mais, ele está mesmo aqui, mesmo à minha frente. Os seus dedos passam pelo meu braço devagar e eu sinto o arrepio de novo.- Sentes isso ? Essa reação ? – Abano com a cabeça esquivando-me do seu toque, ele sorri satisfeito pela minha falta de confortabilidade.- E tu ainda perguntas o que é que eu sou ? – A sua mão agarra o meu queixo e vira a minha cara na sua direção. Aproxima os nossos rosto e sorri ainda mais.- Eu sou exatamente como tu Billie.- O seu sussurro quase que me separa a alma do corpo, o segundo quer desistir e o primeiro quer fugir.

Ele sabe, ele sabe o que eu sou, e sabe que tipo de reação me provoca. Quando me seguiu pelas ruas, quando me viu no shopping... ele sabe exatamente como me provocar. Ele sabe o que me faz sentir e gosta disso.

Olho novamente para a pele colada ao chão, e os cabelos... e os dentes... e sei a dor pela qual ele passou. Sei as dores interiores de ter tudo rodando e tomando uma nova forma, sei as dores de dentes e unhas quando são substituídas. Sei a agonia pelo qual ele passou e quase que sinto pena dele, até me lembrar de quem era aquela pele.

- Onde está o Caleb ? – Ganho coragem para falar, a minha voz sai chorosa.

- O nome dele nem é Caleb, foi só um rapaz que eu conheci há uns tempos.

- Espera.- Empurro o seu peito para mais longe, ele está demasiado perto e eu não consigo respirar.- Tu podes mudar só por uma memória de há muito tempo atrás ? – Ele abana com a cabeça.

- Tu não ? – É a minha vez de abanar a cabeça.

- Eu não consigo controlá-lo. Só me tornei uma vez completamente, das outras vezes só parcialmente ou durante o sono.

- O quê ? Há quanto tempo sabes sobre isto ?

- Uma semana acho eu. Só me tornei nele uma vez, como tu fizeste agora.

- Nele ? – A sua expressão fria congela.

- No Justin.- Ele sorri como se tivesse lembrado de alguma coisa.

- Foi por isso que sabias o meu nome. Entraste na cabeça dele.

- Não de propósito ! Eu... não sabia o que tinha acontecido comigo, eu não sabia que eu era um... um...- Não me ocorre nenhuma palavra senão uma.- Monstro.

- Um monstro? É isso que pensas que nós somos ? – Dou de ombros e vejo a sua reação agravar-se. As suas mãos fecham-se e tremem com a força que ele faz, ele desvia a sua atenção de mim para outro lado qualquer, como se estivesse a controlar-se.

- Eu não sei o que somos. Só sei que mudei de forma em alguns minutos e foi a pior dor da minha vid...

- Minutos ? – Abano a cabeça afirmativamente.- Transformaste-te no Justin em minutos ?

- Eu transformei-me no Justin durante o sono. Mudei para mim novamente em minutos.- Ele arregala os olhos e tomba a cabeça para cima confuso.

- Não sentiste nada durante o sono.

- Não.- Confirmo, ele parece ainda mais confuso.

- Ok.- Ele respira fundo e avança de novo na minha direção. Parece tomar uma decisão imediata e de repente a sua mão está à volta do meu pescoço, colando-me à porta da casa de banho. Levo a minha mão direita ao seu pulso e aperto-o com força, e com a outra mão espeto as minha unhas no seu ombro.

- Larga-me.- Guincho com o pouco ar que tenho nos pulmões. O que é isto? Não estávamos apenas a conversar? Agora está a tentar matar-me ?

- Ouve bem o que eu vou dizer.- Tento puxar o ar para dentro com dificuldade e acabo por tossir. Mexo os lábios implorando para que ele não me mate, para que me deixe ir.- Tu não vais dizer nada sobre o que viste aqui. Não me vais dirigir a palavra, e se me vires vais correr na direção oposta.- Oh, é o que eu tenciono fazer seu traste maluco ! Tento equilibrar-me nos bicos dos pés, ele tem força o suficiente para me manter no ar.- Não vou deitar tudo a perder por tua causa monstrinha.- O meu corpo cai no chão e finalmente tenho a garganta desimpedida para poder finalmente respirar. Inspiro o mais que consigo enquanto agarro o pescoço como se assim o ar passasse com mais facilidade.

- TU ÉS LOUCO!- A minha voz sai rouca mas ele ouve. Primeiro um pé e depois o outro, levanto-me e enfrento-o. Olho de relance para o seu pulso vendo-o completamente negro, como se apenas o meu toque o tivesse pisado. Ele acompanha o meu olhar e arregala os olhos ao ver a sua pele escura e inchada.

Abro a boca para gritar com ele, levanto os braços para lutar e para me poder defender se ele atacar novamente mas ele vai embora.

Abre a porta e simplesmente sai, deixando-me sozinha. Ainda lutando pelo ar, confusa e chocada. 

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Então gostaram amores ? Espero que sim !
Deixem uma estrelinha 🤩
Beijos !

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