♪Pianíssimo

 "É fácil tocar qualquer instrumento musical: tudo o que você tem a fazer é tocar a tecla certa na hora certa e o instrumento se tocará sozinho."

— Johann Sebastian Bach

♪♪♪



Ara era uma grande amiga, mas também uma bela tagarela. Ela contava sobre tudo, principalmente as últimas novidades sobre brigas, traições, começos e fins de relacionamentos de músicos famosos. Quando esse monólogo todo começava minha mente vagava para outro lugar.

E desta vez foi para os bolos cheios de chantilly, chocolate, doce de leite e tudo que há de bom... quero dizer, tudo que mais engorda neste mundo. Não que eu me importasse com alguns quilos a mais na minha barriga, isso não faria diferença nenhuma e também com o tanto que ando de um lado para o outro os perderia rapidamente.

—... Eu sabia que os dois ficariam juntos desde o princípio, porque eles são perfeitos um para o outro! — Arabesque continuava a contar sobre todos os "babados imperdíveis" do mundo musical. — Você sequer sabe de quem estou falando, não é?

— Desculpa, mas não — suspirei. — Esse tipo de assunto não me interessa, Ara. Precisa entender que eu acho essas fofocas super entediantes...

— Poderia pelo menos fingir que era interessante! Para agradar essa sua maravilhosa amiga que tem! — ela jogou seu cabelo para trás com todo o estilo que conseguia ter.

— Mas é convencida essa mulher! — exclamei rindo.

— Só disse verdades, Lyra. Você que não quer acreditar nelas.

— Vou deixar que se iluda — brinquei.

— Que malvada! — choramingou e depois nós duas caímos na gargalhada.

Era isso que gostava tanto naquela loirinha, seu jeito descontraído e brincalhão de ser alegrava meus dias. Era um pequeno raio de sol nos meus dias.

—Ah! Estou atrasada! — Ara deu um pulo. — Combinei com Cel que iríamos almoçar juntas. Desculpe por sair assim na pressa, Lyra... Prometo que durante as férias marcarei encontros bem interessantes para nós!

A violinista saiu correndo pela rua e me deixou rindo de seu jeito meio louco até de andar.

Encontrei-me sozinha mais uma vez, Klavier e Jean tinham ido embora muito tempo antes, os dois irritados com a briga que tiveram. Não era novidade estar rodeada apenas pelo vento e bolas de feno.

Voltei a encarar a vitrine da cafeteria, um bolo seria uma ótima companhia neste momento de solidão.

Ouvi o sino tocar assim que abri a porta do lugar. Não havia muitas pessoas por lá, apenas uma garota ao fundo com os olhos presos em seu notebook e um menino comprando bala no caixa com um sorriso bobo.

Aproveitei que os melhores lugares estavam disponíveis e me sentei próximo à janela para observar o vai e vem das pessoas.

— Bom dia, Lyra! O que deseja? — Frida veio me atender com um sorriso que vinha de orelha a orelha.

— Bom dia, Frida. Vou querer um expresso e aquele bolo com doce de leite que está na vitrine, ele está me chamando faz meia hora!

A mulher riu e foi preparar minha dose de cafeína.

Uma música tocava no ambiente, era um jazz, mas estava muito baixo para identificar algo além disso.

Não demorou muito para que meu café chegasse e um pedaço grande de bolo estivesse em minhas mãos, que foi o primeiro que ataquei.

Era doce demais.

No começo estava muito bom, porém depois de algumas garfadas aquela quantidade de açúcar começou a ficar enjoativo. Cansava muito rápido.

Parecia um pouco com algumas pessoas que conheci quando mais nova, no começo eram simpáticas e com o tempo a simpatia se transformou em falsidade e julgamentos desnecessários.

Mas este não era um bom momento para pensar no passado.

Terminei de beber meu café e pedi outro logo em seguida que não demorou a chegar.

O aroma tão fácil de ser reconhecido desta bebida me aconchegava neste dia nebuloso e estava sempre presente nos bons momentos da minha vida.

Observei a movimentação da rua, um grupo de meninas com uniformes do ensino médio atravessaram a rua e entraram na cafeteria, era cerca de cinco garotas, cada uma com um estilo diferente. A que mais me chamou a atenção era uma de óculos e aparelho, seu cabelo encaracolado estava preso em um coque de bailarina. Ela andava na frente e foi a primeira a fazer o pedido e se sentar em uma mesa lá no fundo.

Era engraçado ver o comportamento dos adolescentes, no futuro essas mesmas pessoas ficariam com vergonha do que fizeram, mesmo que as memórias guardadas sejam boas.

— E mesmo com todos os dramas idiotas, é uma bela fase da vida — murmurei com um sorriso de canto.

— Eu diria que é uma fase construída pelas merdas que fazemos — disse uma voz aveludada, olhei um pouco para os lados para encontrar seu dono. — Bom dia, Lyra.

— Bom dia — falei um pouco confusa. — Edward.

— O lugar está vago? — perguntou ao lançar um olhar para a cadeira a minha frente.

— Sim...

Ainda estava um pouco desorientada. Por que diabos ele decidira se sentar ao meu lado sendo que havia várias mesas desocupadas no café?

O escritor tirou seu casaco e o colocou atrás de sua cadeira, em seguida se sentou. Seus olhos cinza percorriam detalhadamente todos os cantos e pousavam, vez ou outra, em algum ponto específico, entre eles o pequeno vaso de flor que se encontrava em cima da mesa. Sua mão se esticou para tirar uma das tulipas que estavam ali, mas do nada parou. Sua mente parecia transformar cada detalhe do ambiente em algo diferente, encontrando uma maneira de deixá-los únicos. Seus pensamentos trabalhavam mais rápido do que olhares eram capazes e apenas de observá-lo já ficava um pouco tonta. Eram muitos pensamentos se chocando de uma vez só.

Depois de alguns segundos seu olhar recaiu em mim e notei um pequeno sorriso se formar no canto de seus lábios, era como se soubesse que eu o assistia em silêncio e se divertia com aquilo.

— Bom dia, Edward! O que irá pedir? — Frida apareceu com uma caderneta toda sorridente.

— O de sempre — deu de ombros.

— Muito bem! — ela se virou e começou a andar, mas depois voltou como se tivesse se esquecido de dizer alguma coisa. — Edwen, você esqueceu isso — ela deixou a caderneta na mesa. — na última vez que veio.

— E você leu? — o olhar cortante e ameaçador do escritor a fez dar um pulo e começar a sacudir os dedos em sinal negativo freneticamente.

— Você sabe que nunca faria isso! Respeito sua privacidade! — exclamou um pouco alto demais, fazendo os poucos clientes ali nos encararem.

Frida saiu rapidamente e foi para trás do balcão.

As adolescentes também olharam para nossa mesa e depois de algum comentário que uma morena fez, começaram a rir. Pergunto-me o que será que ela falou?

— Essa mulher está nos encarando desde que entramos aqui, que esquisita! — olhei confusa para Edward, sem entender seu comentário. — É isso que elas falaram.

— Você conseguiu ouvir?! — falei espantada.

— Claro que não, apenas fiz uma deduzi — deu de ombros, em seguida sorriu debochadamente. — E convenhamos, a senhorita não é muito discreta.

— E presumo que o senhor seja uma nova versão de Sherlock Holmes para dar deduções tão espetaculares — comentei com sarcasmo.

— Sou uma releitura dos clássicos, senhorita Scherzo — ele não me parecia incomodado com meu comentário, pensei que ficaria irritado igual Edgar. Confesso que me surpreendi. — Resolvo mistérios como Sherlock. Posso ser romântico como Romeo...

— Não se esqueça que ele morre no final — o interrompi.

— E eu posso mudar o final como escritor. Se eu quiser, posso escrever que Julieta morre no primeiro capítulo e então Romeo começa a investigar quem havia cometido tamanha atrocidade, mal sabia ele que era o próprio primo de Julieta, que não me lembro do nome agora, e que ele tramava matar Romeo logo em seguida. E no fim todos acabam mortos, menos o primo. Talvez mudar a época que se passa a história deixaria tudo mais emocionante... Que tal era vitoriana?

— Pare de divagar, Senhor Capriccioso! — revirei os olhos.

— Senhor o quê? — deu risada.

Fiquei em silêncio. Havia chamado-o assim involuntariamente, o apelido apenas saiu sem que tivesse chance de trancá-lo no fundo da minha alma para nunca mais pronunciá-lo.

Por sorte, a gigantesca porção de cafeína de Edward chegou e o fez pensar em outra coisa.

Aproveitei a oportunidade e pedi mais um expresso, pois o meu já havia acabado.

Depois de beber um gole demorado de sua bebida, voltou a me encarar.

— Vamos Lyra, me diga — ele apoiou a cabeça em uma das mãos e deu um sorriso divertido.

— Não é nada! — neguei instantaneamente.

— Acho que é sim... — seu sorriso aumentou. — Você ficou vermelha quando percebeu o que havia dito, então não acredito que seja algo sem importância.

— Sinto lhe frustrar, Senhor Aspirante a Escritor, mas realmente não é nada importante — tentei mostrar meu mais convincente sorriso, porém acho que ele não caiu no truque da expressão confiante.

— Se não é importante poderia me dizer... — ele rodava o dedo na borda da xícara, esperando por uma resposta. — Não seja tímida, Lyra...

— Se está tão curioso descubra sozinho, releitura do Sherlock — falei e logo em seguida uma mulher veio entregar meu pedido.

Um silêncio começou a reinar e uma pergunta começava a martelar na minha mente.

Ainda não sabia o motivo de Edward estar aqui.

— Mas me diga... — iniciei uma nova conversa após beber um pouco de café. — O que faz aqui?

— Sinto que lhe devo desculpas por algum motivo — encarou o alto suspirando.

— Desculpas pelo o quê? — falei.

— Você sabe muito bem sobre o quê — ele me lançou um olhar acusador. — Mas quer ouvir da minha boca, certo?

— Exatamente, Edward — foi a minha vez de juntar as mãos e apoiar meu queixo nelas.

— Você gosta de ver os outros rastejando pela sua atenção? — ele sorriu de um jeito que causaria arrepios de medo a qualquer um. — Quão cruel a senhorita pode ser?

— Se pensarmos que meu professor é Edgar, digamos que... Muito.

O escritor deu risada por alguns segundos para depois voltar a sua expressão mais fechada.

— Sinto que fui rude com você quando nos encontramos no Conservatório — suspirou.

— Se você foi rude quando saiu correndo feito um louco só porque uma conhecida o viu tocando violino? Provavelmente — comentei. — Até agora não entendi por que diabos você agiu daquele jeito — suspirei.

— Como alguém que odeia os músicos é capaz de ser um deles? Foi isso que pensou, não foi?

— É claro! Você nos insulta, diz que reproduzir uma partitura é fácil e nós nos achamos gênios por causa disso e no fim, você também faz a mesma coisa! Sabe o quão estranho e contraditório o senhor é? Você diz algo, mas suas ações mostram o oposto! Não consigo te entender! — senti os olhares dos clientes e funcionários em nós, talvez eu tenha falado alto demais...?

Terminei de beber meu café, Edward parecia perdido em seu próprio mundo e não fazia questão de falar qualquer coisa que fosse.

Ficamos em silêncio por um bom tempo, mas não era algo tão desconfortante. Observar minha xícara vazia parecia mais interessante e menos complexo do que entender os motivos mirabolantes que deixaram aquele violinista tão contraditório.

Os minutos passavam e nós continuávamos quietos, até que ele decide recomeçar um diálogo:

— Edgar te chamou para seu concerto na sexta? — perguntou.

— Claro que não — dei uma pausa. —Você o conhece, é mais fácil ele cobrar uma taxa extra aos alunos.

— Concordo — ele riu. — Mas vocês se conhecem há bastante tempo, você foi a primeira aluna a ter aula com o Diabo.

— Como você sabe disso?! — exclamei surpresa. — Ninguém conhece essa história além dos envolvidos!

— Será mesmo? — arqueou a sobrancelha. — Não se esqueça que eu conheço Edgar a mais tempo do que você, garota. Ele me contou na época, depois eu só juntei os fatos — deu de ombros. — Enfim, eu tenho um ingresso para a apresentação de seu "querido" professor, se estiver interessada.

— Ele te deu dois ingressos?! — fiquei perplexa. — Impossível!

— É óbvio que não, ele só me deu um.

— Então por que você me daria a sua entrada?

— Porque eu não vou — deu uma pausa. — Eu o ouvi ensaiar todos os dias, já estou cansado de ouvi-lo tocar as mesmas peças várias e várias vezes. E outra, eu preciso terminar logo meu livro, não tenho tempo para gastar com um pianista.

— Então por que não vende esse ingresso? Tenho certeza que todos já esgotaram e muita gente se mataria para ter.

— Dá-lo a você é o meu jeito de pedir desculpas. Apenas aceite — ele deixou a entrada em cima da mesa junto com uma nota de cinquenta reias. — Pelo café — explicou e em seguida saiu do café.

— Você é um homem estranho, Capriccioso... — murmurei. 

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