Despertar ou renascer
⠀⠀⠀Sentia-se como se estivesse enredado nas teias complexas de sua própria mente, onde cada pensamento formava um labirinto sem fim, prendendo-o. Era como se seu corpo estivesse preso em um feitiço silencioso. Nenhuma tentativa de movimento se formava em sua mente; ele apenas sentia a certeza de que estava paralisado, como um espectador aprisionado em seu próprio ser. Desejava ardentemente abrir os olhos e descobrir o lugar em que se encontrava, mas seu corpo parecia relutante, negando-se a obediência. Ao invés disso, suas ordens vazias ressoavam em seu interior, como se estivesse gritando em uma caverna deserta, onde cada som se perdia. Mas era impossível, uma força invisível o mantinha em silêncio. Estava ele realmente respirando? A dúvida pairava como uma sombra, porém estava perdido em desatenção. As funções motoras eram como se nunca tivessem feito parte de sua realidade. Cada tentativa de movimento estava oculta sob um manto de inércia.
Imerso em suas próprias profundezas, o homem se esforçou para decifrar o eco do silêncio opressivo que o cercava. Seus sentidos, como pássaros inquietos, buscavam qualquer indício de vida: o sussurro de uma brisa, o bater rítmico de seu próprio coração, a corrente sanguínea nos ouvidos. Qualquer coisa.
E assim, antes que uma lágrima de desespero pudesse se libertar, um murmúrio suave começou a ganhar vida, preenchendo o ar com a melodia da esperança. Entretanto, nada naquilo se assemelhava a algo que Plant conhecesse; era como se o mundo ao seu redor estivesse em constante metamorfose, sua forma ainda sendo esculpida pelas mãos invisíveis do tempo. Um mar de possibilidades se agita, enquanto o vazio ecoa em seu silêncio. O universo repleto de promessas, mas, ao mesmo tempo, paira uma leve sensação de estagnação. Abundância e ausência, onde a intensidade da vida se choca com a serenidade do nada. Uma faixa de areia banhada pelo azul do mar, um bosque denso onde sombras dançam entre as árvores, uma habitação que respira histórias e, por fim, um cárcere que guarda segredos em suas paredes frias.
Ele percebeu um riso de criança ecoando de dentro de uma árvore vazia. Um microfone desafinado tremulava ao vento. Garrafas estouravam em mil pedaços. Uma sinfonia de sons irreconhecíveis... Ele se sentia perdido em um mar de incertezas, um navegante sem bússola, sem saber qual direção seguir. O que lhe rondava a mente era um mistério, perguntas sem respostas. Robert acreditou ter sentido um hálito quente sussurrando em seu rosto imóvel, e, num instante, uma onda de frieza obscura serpenteou por sua espinha.
O ar se fez um salgado, entremeado por minúsculos grãos de areia. Seu corpo, há tempos esquecido, pairava molhado, se deixando levar por uma corrente branda. Era suave, no entanto ainda conseguiu inspirar Robert a buscar a rédea de sua própria vida, temendo ser submerso por aquelas ondas que imaginava serem o vasto mar. Assim que a lucidez o envolveu, ele teve coragem de finalmente desvendar o mundo à sua frente, abrindo os olhos. A escuridão reinava, mas não era o espaço ao redor que estava envolto em sombras; era a sua própria visão, turva e confusa, que gradualmente começava a se revelar em uma nova luz. Ele estava tão distante de si mesmo, mas não no sentido negativo da palavra; havia algo reconfortante em experimentar a leveza da falta de autoconsciência, uma pausa bem-vinda da eterna vigilância interior.
Robert se encontrava à beira do mar, numa praia. A noite se estendia silenciosa, envolta em um manto de escuridão profunda, onde o vento não soprava e as estrelas pareciam ter se escondido em um canto distante do universo. Não havia indícios de que qualquer chuva pudesse vir, apenas o mistério da penumbra. Clima indefinido. Entretanto, a maré alta avançava com uma fúria desconhecida que Robert nunca havia percebido antes. Quando finalmente foi acordado, o estrondo da água o aterrorizou, e ele se levantou de um salto, mas a pressa o traiu, fazendo-o tropeçar e desabar para trás. Levantou-se com a hesitação de uma criança que está dando seus primeiros passos, um misto de temor e curiosidade preencheu seu coração, enquanto a memória do movimento escapava como areia entre os dedos. Dessa vez, a cautela o envolveu. Ele recuou, mas as ondas, como fiéis guardiãs do mar, o seguiram, lambendo seus pés com insistência a cada tentativa de distanciar-se. Robert ficou sem ar, sufocado pela ausência de uma conexão com a realidade.
Rendendo-se à inevitabilidade da água, ele parou, aninhado em solo instável, enquanto as ondas, como se obedecessem a um impulso próprio, recuaram-se por conta própria. Robert ergueu uma sobrancelha, um misto de curiosidade e terror dançando em seu olhar. Ao observar o ambiente ao seu redor mais uma vez, sentiu um frio nas entranhas ao perceber que todos os contornos eram desconhecidos, como se tivesse sido transportado para um sonho estranho e desprovido de familiaridade. As memórias lhe escapavam, deixando apenas a sensação pulsante de seu coração rebelde, martelando com força em seu peito. Sentia-se como um estranho em sua própria pele, sem se reconhecer. Era como se o tempo tivesse decidido apagar os traços de sua memória, deixando-o à mercê do presente, sem saber se havia vivido algo significativo ou apenas deixado os dias passarem em branco. Ele se encontrava em um lugar desconhecido, envolto por brumas de mistério, sem a menor ideia de como havia parado ali. Se ao menos pudesse, ele não saberia para onde suas pernas o levariam. Mais uma vez, ele se deteve a pensar no pânico que o assombrava, mas a verdade é que não conseguia experimentar a essência desse desespero.
Com os pensamentos turvos, o jovem loiro resolveu deixar-se levar pela curiosidade e iniciar uma caminhada vagando sem rumo, em busca de algo que nem sequer conseguia nomear. Talvez se familiarizar trouxesse de volta memórias. Quem sabe, tudo ficasse menos intimidador. Talvez tudo isso não fosse mais do que um devaneio, uma ilusão em que ele se perdia, aguardando um sopro de realidade para trazê-lo de volta à luz.
Robert avançou com passo cuidadoso pela beira da superfície, sentindo a textura engraçada da areia molhada nas solas dos pés, quase levando-o para longe de seus verdadeiros propósitos. Não sabia o que estava procurando, mas esperava descobrir de qualquer maneira. Havia uma voz interior sussurrando que a resposta estava bem à sua frente e um véu o impusesse a ignorar o óbvio, escondendo a verdade. Ele precisava colocar tudo em retrospecto, analisar os fatos. Ele sentia a urgência de olhar para trás, reviver os acontecimentos recentes e dissecá-los com um olhar crítico. Mas a contradição persistiu, pois Robert se sentia em paz, então o que ele realmente buscava? A resposta não se escondia nas ondas revoltadas do mar, nem nas correntes de um vento inexistente. Ele precisava mesmo de uma resposta? Como poderia desvendar os mistérios de algo que mal conseguia formular uma pergunta? Pode sentir o peso da dúvida densificando o ar ao seu redor, tornando as respostas uma miragem distante.
Depois de alguns passos perdidos na contemplação, o jovem de cabelos dourados se deu conta de que havia se encontrado em uma vasta ilha, um lugar envolto em mistério e talvez não tão solitário quanto imaginava. Um desejo fervoroso brotou em seu coração: que houvesse companhia naquele cenário inexplorado, ao menos na esperança de que outros também vagassem por aquelas paragens. Uma aura misteriosa se manifestou quando seus olhos se depararam com um sutil brilho alaranjado, filtrando-se entre as copas das árvores. Essa luz, quase furtiva, se ocultava entre longas folhas e atrás de imensas rochas que guardavam o início de uma cachoeira. Robert decidiu seguir em frente.
Ele cerrou os olhos, escondido atrás de uma das pedras, e vislumbrou uma silhueta curvada, de costas para ele. Ela se apresentava como uma enigmática figura, adornada por longas ondas de cabelo negro que caíam como um manto, cercando suas costas. Ela exalava uma aura gelada, um fenômeno curioso, pois Robert via aquele noite como um abraço morno e perfeito. Ela se encolhia, seus braços a envolverem-se como se buscassem um abrigo entre eles, enquanto se curvava em direção à imensidão das chamas. O calor da fogueira era vivo, embora para ela, aquela quentura parecesse incapaz de a aquecer. Até que, com um leve movimento, ela endireitou a coluna e se afastou da chama crepitante da fogueira e seus ombros trêmulos relaxaram visivelmente. Ela se virou tão rapidamente que Robert prendeu a respiração, impressionado com a intuição afiada da jovem.
Ah, na verdade, não se tratava de uma garota... Era um homem de traços etéreos, cuja face parecia esculpida em suaves linhas. Seus longos cabelos negros, repletos de cachos exuberantes. Os olhos eram como janelas de medo, arregalados e carregados de incertezas, reluzindo um brilho de desconfiança enquanto se fixavam em Robert.
⠀⠀⠀── Quem é você? ─ a pergunta, carregada de cisma, reverberou na mente de Robert, como um eco persistente que o deixou momentaneamente paralisado.
Seus olhos se arregalaram e seus lábios se entreabriram, enquanto ele tentava reconstituir o que restava de sua clareza.
⠀⠀⠀── Robert. ─ a palavra escapuliu de seus lábios, libertando uma respiração que há muito aguardava para ser exalada. Seu nome flutuava em sua mente como uma melodia esquecida, reconhecível e ao mesmo tempo evasiva.
Isso acendeu em seu coração uma luz tênue de esperança.
Embora a curiosidade borbulhasse dentro dele como um riacho, ele se conteve e não perguntou o nome do sujeito que tinha à sua frente. A hesitação o dominava, pois notava que o outro não exibia um ar amistoso. Seus olhares se entrelaçaram em um silêncio prolongado, perdido na vastidão do tempo. Robert se alienava, incapaz de decifrar as expressões no rosto do outro. Porém o observou com atenção, admirando o charme sutil daquelas vestes sombrias e sofisticadas. Em contraste, ele estava vestido com suas calças jeans justas e uma blusa feminina repleta de flores, como se tivesse saído de um alegre dia de primavera. Uma tensão pairava no ar. Ambos estavam inquietos, cientes de que deviam agir, mas sem conseguirem identificar o verdadeiro chamado que ecoava em seus corações. O desconhecido manteve a mandíbula cerrada, parecia segurar a raiva, fazendo com que Robert se afastasse.
⠀⠀⠀── O que você quer, Robert? ─ o tom que pronuncia seu nome fez o loiro se sobressaltar, como se uma sombra fantasmagórica tivesse se aproximado repentinamente. Era como se o próximo soubesse da sua alma e nutrisse mágoa por ele. Quem sabe a primeira vista não deixou uma impressão das mais agradáveis.
⠀⠀⠀── Eu... eu não sei. ─ conseguiu responder, com certa tristeza.
⠀⠀⠀── Você realmente não sabe? ─ indagou o moreno, arqueando as sobrancelhas. Ele soltou um suspiro profundo, balançando a cabeça em direção ao tronco onde se acomodava. Robert lançou-se adiante, sem um traço de hesitação. ── Eu também não sei o que quero. Na verdade, não sei muito mais do que isso. Só que... Há algo de profundamente errado aqui ─, murmurou, sua voz carregada de desconfiança, não direcionada à Robert, mas sim ao ar tenso e carregado do lugar que os cercava. ── Este lugar, Robert. Não confio nele. ─ continuou, curvando-se em direção ao homem com a mesma intensidade com que se inclinara para o fogo momentos antes.
⠀⠀⠀── Por quê? ─ foram as únicas palavras que escaparam de seus lábios, sua voz tremendo de ansiedade, como se compartilhassem um segredo.
⠀⠀⠀── Sem vento à vista? As ondas incessantes? Acordei sentindo um frio cortante, e mesmo o fogo parecia incapaz de me aquecer. Pensei que estava doente e aceitei o que há de pior, até que você entrou em cena... e trouxe calor. ─ ele articulou com cautela, pesando cuidadosamente em cada palavra. Era inexpressivo, como se não pudesse revelar suas emoções sem antes saber como o outro reagiria primeiro. ── Permita-me compartilhar algo com você, meu querido. Não pode haver ondas sem vento.
Ele esboçou um sorriso sutil, e Robert percebeu que aquele intercâmbio de palavras ia muito além da narrativa em si; era uma reflexão sobre o próprio contador. Um manto de egoísmo envolvia aquele homem como uma névoa densa. Algo tão peculiar quanto aquela ilha, mas ele também irradiava uma lucidez impressionante. Robert não seria o primeiro a levantar essa questão.
⠀⠀⠀── Notei uma estranheza também. ─ confessou, com um olhar perdido nas chamas que se debilitaram gradualmente. Ele se distraía na confirmação vaga de como sua presença trouxe calor ao estranho. Mas, por que o sujeito não enfatizou isso?
⠀⠀⠀── Comecei a achar que estava perdendo a cabeça. ─ comentou ele com uma leveza no tom, como se a loucura não o preocupasse de fato. Ele deslizou a mão pela jaqueta preta de tecido acetinado. Com um movimento casual, retirou uma elegante caixa de cigarros e, enquanto os lábios se curvavam em um sorriso pequeno, posicionou um dentre eles. ── Você tem um isqueiro?
Sem hesitar, Robert puxou um do bolso traseiro da calça jeans, mas em vez de entregá-lo, elevou a chama pulsante em sua direção. O fogo iluminando o semblante de quem o observava; este, com a cabeça levemente inclinada para frente, lançou a Robert um olhar enigmático. O loiro descobriu, quase por acaso, que levava um isqueiro consigo, como se aquele pequeno objeto estivesse à espreita em seu bolso, aguardando o momento certo para se revelar.
Um longo instante de silêncio confortável se desenrolou. A chama da fogueira improvisada, que antes brilhava com alegria, agora se apagava. Um tênue fio de fumaça serpenteava pelo ar, capturando seus olhos e prendendo sua atenção.
No entanto, as transformações ocorreram de maneira tão sutil que só se deu conta quando já estava encolhendo e esticando seus braços frios. O homem bizarramente quieto à sua direita emanava uma calma imperturbável, repousando com uma elegância serena enquanto sua atenção parecia tão profunda que os olhos mal se permitiam cerrar. O cigarro se consumia entre seus dedos gélidos, liberando nuvens de fumaça no ar enquanto as cinzas se desfazem, espalhando-se sobre seus sapatos antigos e polidos. Robert sempre teve uma predileção pela tonalidade verde musgo, mas naquele dia parecia não convidá-lo a admirar a beleza da cor. Os olhos do homem eram como poços sem fundo, vazios e opacos, capazes de hipnotizar Robert, que não conseguia desviar o olhar deles. Ele fez uma analogia entre sua silhueta e um corpo inerte, cada contorno e cada traço imerso em um sono profundo e eterno. Um corpo sem vida. Num instante súbito, o homem olhou de volta, ainda vago. Robert estremeceu, o frio cortante invadindo seu corpo, e voltou seu olhar para a chama vacilante à sua frente.
O fogo opaco lembrou os olhos que acabara de testemunhar.
⠀⠀⠀── Como fez o fogo? ─ indagou, imóvel e sem piscar.
⠀⠀⠀── Com as minhas mãos. Sou bom com elas. ─ a voz indiferente retornou.
⠀⠀⠀── Como um superpoder, você diz? ─ perguntou outra vez, seus lábios curvando-se em um sorriso astuto. Olhou discretamente para o outro por trás das mechas douradas que caíam suavemente sobre os olhos, se mantendo escondido.
⠀⠀⠀── Sim, Robert. Como um superpoder. ─ ele afirmou.
E pela primeira vez Robert captou um sorriso honesto que alcançou seus olhos escuros, e talvez um pequeno brilho escondido neles que conseguiu emitir calor direto em sua alma confusa e fascinada.
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