Capítulo 6

Capítulo 6

Depois de negociar com Estebán que insistiu que eu deveria ir para seu apartamento, voltei para casa com alguns doces. A notícia iria chocar mais o Zeca do que chocou a mim. Doces são bons para aliviar a dor e o pânico emocional. Pelo menos funciona para mim.

Quando me recuperei do mini desmaio, estava no carro do alfa Zayas. Meu olhar devia deixar claro todas as perguntas que eu tinha porque sem falar nada ele respondeu todas as minhas dúvidas mentais. Sim, ele tinha gente da matilha que trabalhava no IML assim como na polícia, em hospitais e seus braços eram longos e seus olhos eram muitos. Sim. Ele soube antes de mim que minha mãe estava morta. Ah quando disse que precisava voltar para casa pois meu irmão estava lá ele perguntou se não era uma irmã. Eu dei um olhar gelado. Ele riu e disse que não tinha preconceito, eram só informações incompletas.

Quando cheguei ao redor do prédio e vi que a porta da frente estava escancarada um pouco, o que parecia estranho até que vi a senhora idosa no que morava no apartamento abaixo do nosso, nas caixas de correio. Ela me deu uma carranca não tão amigável e disse — Você deve ser o morador do apartamento dezessete.

—Sim. — eu disse, oferecendo a minha mão. Então ela estava um pouco irritada. Eu morava ali a menos de um ano e dado minha vida mais noturna não conhecia meus vizinhos direito. — Eu sou Danilo Melo.

Ela olhou para a minha mão como se estivesse avaliando o risco de contrair uma doença se ela a pegasse antes de finalmente decidir que valia a pena o risco. —Carlota. — disse ela em um tom recortado, segurando as pedras grandes do colar em volta do pescoço. — Eu moro bem abaixo de você, e não me importo de dizer, espero não ter muita confusão ou reclamações dos outros moradores por causa da bagunça em seu apartamento. Este é um bairro tranquilo e todo esse barulho não ajuda.

— Barulho? — Eu arqueei uma sobrancelha. — Desculpe se eu perturbei você. Recebi um telefonema e tive uma urgência para resolver no meio da madrugada e sei que qualquer movimento a essa hora silenciosa parece um elefante andando.

— Não é o movimento que me incomoda. — ela bufou. — É toda gritaria.

Meu mundo parou. Em um momento, ele simplesmente parou, mas eu já estava me movendo, subindo as escadas de três em três, enquanto a Dona Carlota gritava para mim de baixo. A porta da frente estava aberta e eu explodi, olhando ao redor da sala vazia. Parecia que tudo estava acontecendo em câmera lenta, como se eu estivesse tentando correr pela água enquanto eu rasgava a casa, gritando por José Carlos e de alguma forma sabendo que ele não ia responder.

O quarto estava vazio. Seu celular estava no chão com os fones conectados. Não havia outro sinal de luta, mas realmente não havia nada no lugar errado. Corri de volta para as escadas que minha vizinha idosa estava apenas começando a subir.

— Há quanto tempo você ouviu os gritos? — Eu exigi.

Ela olhou para mim, seu rosto enrugado congelado em choque. Evidentemente, essa foi a coisa mais agitada que já aconteceu no bairro. — Talvez dez minutos atrás?

— E você não pensou em chamar a polícia? — Eu fervi, pegando meu telefone para discar 190. Ela fez uma desculpa indignada, mas eu a ignorei. O telefone estava tocando e a telefonista atendeu, e enquanto eu tagarelava sobre nosso endereço e os poucos detalhes que eu sabia sobre o desaparecimento de José Carlos, senti como se estivesse fora do meu corpo.

Naquele momento, todos os meus medos de que eu estava lidando com a perda de mamãe foram confirmados, porque todo o terror e tristeza e frustração e perplexidade que eu deveria ter sentido estavam me atingindo agora, e foi como se uma barra de gelo derretesse no meu estômago e espalhasse o frio até os ossos.

A polícia veio e me arrastou de volta para casa, procurando nas ruas. Eu não sabia se meu comportamento era tão errático que eles supuseram que eu era suspeito ou não, mas pelo menos levaram a sério quando eu contei o que havia acontecido. Eles de alguma forma entenderam através do divagar e do pânico, e ao contrário de Mau, eles ouviram. É... liguei para meu melhor amigo e ele disse que era coisa de adolescente. Eles também fizeram perguntas e eu respondi da melhor maneira possível.

Ele tinha quinze anos.

Não, ele nunca fugiria. Sim, ele fugiu da casa de nossa mãe... mas não faria isso dessa vez.

Não, ele não usava drogas. Ele estava por aqui quando saí para o IML, ele não teve tempo de 'entrar com a turma errada'. Afinal, veio para cá no começo da noite passada.

Não, o nome da sua carteira de estudante ainda não correspondia ao nome da sua certidão de nascimento.

Sim, eu era 'aquele Danilo' que deu o rabo para o alfa Zayas.

Sim, eu era o irmão mais relapso do mundo.

Aquele último pensamento permaneceu não falado e sem resposta, mas todos nós sabíamos. Eu contei a eles sobre a morte de mamãe e minha ida ao necrotério sem avisar o Zeca. Mostrei-lhes a carta do alfa Estebán Zayas sabendo que não era necessário. Provavelmente um daqueles policiais era da matilha. Mais provavelmente, era uma gangue local que tinha visto um alvo fácil. Eles me disseram para esperar um resgate. Alguém ficaria por aqui a noite toda, caso houvesse uma ligação. Eles pensaram rastrear seu telefone, mas o celular tinha ficado no quarto.

Não foi o suficiente, e eu queria sair e procurar por ele, mas eles me disseram que era necessário estar por perto para o caso de os sequestradores tentarem se aproximar. Eles costumavam fazer no prazo de vinte e quatro horas.

Não foi. Passei aquela noite bombardeado com todos os cenários horríveis que minha imaginação e todas as outras notícias tinham a oferecer. Eu sabia que meninos trans eram um alvo para a violência. A ideia de alguém ferir meu irmãozinho era o suficiente para me deixar louco, e a única coisa que me mantinha unido era o fato de que ele precisava de mim aqui, pronto para o caso de a ligação chegar.

Isso nunca aconteceu. Quando meu telefone finalmente tocou, meu coração afundou porque reconheci o número. Era Maurício, meu amigo ligava por notícias. Eu quase não respondi, mas o policial do outro lado da sala assentiu e eu não tinha energia para explicar que não havia esperança.

— Olá?

— Dan? Cara, você parece uma merda.

Eu me senti pior. — Você que dizer alguma coisa fora o óbvio?

— Eu estou totalmente me sentindo idiota, estúpido e culpado. — ele disse, sua voz arrastada o suficiente para que eu pudesse dizer que ele tinha bebido alguns drinks.

— Sim, para de enrolar e fala logo — Eu esfreguei meus olhos. O café que o jovem estagiário dos policiais continuava me trazendo não estava fazendo muito efeito, mas o sono não era nem mesmo algo que estava em minha mente. O esgotamento foi mais profundo do que qualquer causa física, como estar acordado nas últimas vinte e quatro horas.

— Você sabe, meu novo empregador é dono do que se pode chamar de agência de informações no mundo paranormal. Muita gente vai até seu escritório, mas às vezes eles ligam ou vão até onde ele está. — ele disse casualmente. — E ouvi o nome da sua mãe algumas dessas vezes.

Meu coração caiu. Eu olhei para a tecnologia de áudio que checou quando ela percebeu que não eram os sequestradores, mas ela não percebeu. — O que quer dizer? O que falavam da minha mãe? — Eu exigi. Não por afinidade a ela, mas porque poderia ser alguma dica para o paradeiro do Zeca.

— Pois aí é que está. Eu não sei. Não prestei atenção já que sua mãe é muito procurada por sua ocupação. Uh, sem ofensa. Eu só quero dizer que ela sendo uma prostituta bem conhecida eu não liguei muito. Mas, agora, eu deveria ter ficado mais alerta. Eu só ... não sei... me sinto desleixado.

— Não se culpe. Não é como se você soubesse que ela iria aparecer morta e o Zeca desaparecer na sequência.

— Sim, claro, apenas não jogue depois na minha cara minhas próprias palavras. — ele provocou. Eu o ignorei. — Eu não tinha dado muita importância para pessoas procurando sua mãe. Mas, pensando nas perguntas eu achei um telefonema meio estranho.

— O que foi tão estranho?

— Bem... eu só escutei um lado da conversa. Mas, deu a entender que a pessoa do outro lado da linha era um lobo. O nome da matilha me escapa agora. Ah, mas ele falou um nome que me intrigou. O alfa Zayas estava no meio da conversa. E depois meu "dono" temporário saiu do quarto para falar com mais privacidade. E não consegui ouvir mais nada.

Eu cobri minha boca, tremendo de raiva. Eu sabia antes mesmo que ele falasse que nome seria. — O que Estebán Zayas tem com a minha mãe?

O destino era uma cadela e mordia mais do que a minha canela no momento. Eu senti meu coração doer.

Quando saí do telefone, os policiais pareciam me olhar estranho, ou era apenas minha impressão depois do estresse das últimas horas. Chamadas foram realizadas, atualizando os oficiais que haviam sido mandados para cá sobre as novas informações. O policial chefe estava começando a olhar como se ele tivesse pena de mim mais do que ele suspeitava de mim. Não que eu pudesse culpá-lo de qualquer maneira.

Eu senti como se estivesse saindo da minha pele. Cada momento que passava sem outra ligação era tortura.

Essa porra toda parecia claramente ser o meu castigo, por não sentir muito pela morte da minha mãe, que todo o rancor que senti por ela minha vida toda não diminuiu com sua morte. Dizem que quando alguém morre "vira santo" pois só lembramos das coisas boas que essa pessoa fez. Não foi esse o meu caso. Tudo que eu conseguia lembrar era como me fui rejeitado por ela. Por ser quem eu sou. Por nascer como nasci. E o alívio na minha alma porque o Zeca não iria ver esse lado de mamãe nunca.

Como Estebán Zayas estava ligado à minha mãe era um mistério para mim. Eu tinha me virado fazendo bicos para pagar as contas desde que saí de casa e isso foi há dez anos. O fato de que quem quer que seja levou Zeca ao invés de cortar sua garganta e deixá-lo para eu encontrar é que ele poderia ser, de alguma maneira, uma moeda de troca. Para que? Para quem? Todas essas questões me fizeram querer estar mais por dentro de como funcionava o mundo dos lobisomens, suas matilhas e suas rivalidades.

Eu começava a pensar que o encontro no Black Collar não foi tão casual assim. E se desde o princípio Zaya tinha ido atrás de mim deliberadamente? O que um homem, quer dizer lobo, iria querer de um cara sem nada como eu?

O que quer que fosse, ele poderia tê-lo. O pouco que eu tinha em minha conta poupança, a casa da minha mãe, minha vida. Se ele quisesse que eu me ajoelhasse e implorasse pelo meu irmão, eu faria isso em uma fração de segundo, e assim que ele estivesse seguro, eu iria gastar cada respiração que eu tinha para fazê-lo sofrer tanto quanto nos fez.

Mais horas se passaram. Eu perdi o controle delas e perdi o interesse em contar. Nada aconteceu. Nenhuma chamada, sem notas, sem nada. O homem, ou seja lá que ser for, que levou meu irmão não se dignou a deixar nem uma nota ou dar um telefonema. Nada.

A manada de policiais, especialistas e técnicos diminuiu até que restou apenas o técnico de áudio e um único policial. E eu desconfiava que deveriam ser da matilha daquele bastardo. Ambos eram novos, ambos com o rosto fresco enquanto mandavam seus colegas para casa para descansar.

A investigação não terminou, eles insistiram, mas quando eu finalmente tive coragem de perguntar quanto tempo tinha passado, eles me disseram que nós superamos a marca de quarenta e oito horas.

Eu sabia o que aquilo significava. Todo mundo sabia. As chances de encontrar Zeca vivo estavam diminuindo a cada hora, e agora, minha esperança estava pendurada por um fio.

A batida na porta praticamente a cortou. Eu queria acreditar que era uma boa notícia, mas de alguma forma, eu sabia a verdade. Isso significava que só poderia ser o tipo de notícia que prolongava a agonia ou derrubava tudo de uma só vez. Eu estava esperando outro oficial uniformizado quando abri a porta e, em vez disso, me vi olhando para um homem que atormentava meus pensamentos a uma semana. E ele não parecia nada amigável.

Estebán usava um sobretudo marrom escuro que chegava até o chão. Seus ombros eram largos e ele era alto o suficiente para que eu tivesse que olhar para cima. Seu cabelo escuro teria chegado perto de suavizar suas feições severas, mas a barba e a dureza em seus olhos o faziam parecer frio. Outro mundo. Aquele olhar que tão raramente aparecia nos olhos dos clientes da minha mãe e que também vislumbrei no Zeca.

Minha voz ficou rouca, minha garganta se apertou. — O que você...

— Esperei até agora por uma ligação sua. — disse ele, segurando o meu olhar. Antes que eu pudesse chamá-lo para fora, seus olhos se estreitaram e algo sobre eles me segurou em tração. Eu não conseguia me mexer ou falar, embora tudo que eu quisesse fosse sair correndo dali e me trancar no quarto. — Relaxe. Eu não vim aqui para brigar.

O policial que ficou preso comigo por toda a parte da manhã veio e me deu um olhar estranho. — Alfa Zayas? —Ele franziu a testa. —Desculpe, eles não nos disseram que você estava vindo.

— Procedimento padrão para esse tipo de coisa, não é? — Ele perguntou, colocando um braço ao redor dos meus ombros e puxando-me um pouco mais perto. — Sua casa é bem... simples.

— Em se comparando com outros prédios desse bairro aqui é até ajeitadinho. — disse o policial. — Ligamos para os sentinelas de outras matilhas vizinhas e irão mandar um relatório a qualquer momento.

— Ok. — Estebán murmurou pensativo, como se ele realmente estivesse envolvido no resgate do meu irmão. Como se ele não tivesse sido mencionado num telefonema suspeito. Era suspeito para mim, pelo menos.

Eu fiquei congelado, segurando a maçaneta como se ela estivesse presa a mim. Não importa o quanto tentei, eu não conseguia me mexer ou até mesmo falar.

— Feche a porta, Danilo.

Eu queria dizer a ele para ir para o inferno, gritar: 'Porque seu nome foi citado na mesma conversa onde o nome da minha mãe apareceu? Você sabe de alguma coisa?' Em vez disso, eu fechei a porta como se ele estivesse no controle das minhas ações.

O outro policial não pareceu pensar em nada. Eles conversaram por alguns minutos e eu fiquei parado ali perto da porta, observando-os como um idiota passivo, incapaz de falar com ele do jeito que eu queria.

— Por que vocês dois não almoçam cedo? — Estebán finalmente ordenou. Eu não tinha certeza se a voz dele tinha o mesmo efeito de comando sobre eles, mas o técnico de áudio e o policial olharam um para o outro e assentiram. Uma vez que eles saíram, Zayas fechou a porta e esperou até que seus passos desvanecessem pelas escadas para me olhar, como se ele estivesse contando com o fato de que eu estaria lá parado como uma boa vadiazinha, esperando pelo próximo comando.

Ele parou e me olhou, seus olhos de avelã sem pressa enquanto passavam por mim. Meus punhos cerraram e tremeram ao lado do meu corpo, esforçando-se para quebrar qualquer controle "abracadabra" que ele tivesse sobre mim. Cada olhar era uma avaliação, como se ele estivesse me provocando com sua consideração casual.

— Então. — ele disse aborrecido. — Você deveria me ligar assim que descansasse. Foi o acordo quando te trouxe do necrotério.

Ele não via que tudo tinha mudado? Que meu irmãozinho desapareceu? E a culpa corroía minha alma deixando um oco no peito?

**

Olá lobinhes, 

E agora?? O que tá acontecenu?? Quem pegou o Zeca??

E a pergunta mais importante... o que Estebán Zayas tem a ver com tudo isso?

Espero conseguir responder ao longo da trama. 

clica na estrelinha. deixe seu comentário. faça essa autora feliz. ;-)

bjokas e até a próxima att. 

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