Cap. 8 - Demônios
— Está bem, Trovão! Acalme-se, por favor!
Ivy desceu de seu cavalo após se embrenharem juntos na Floresta do Norte. A garota podia sentir o medo de seu companheiro quando o sol caiu e deixou tudo simplesmente um breu.
— Ele já deve estar chegando...
— Se está falando do meu irmão, ele não vem. — A garota se virou tão depressa que seu vestido acabou se enroscando em um dos muitos espinhos das roseiras selvagens que cresciam por ali.
O príncipe apenas riu.
— Está rindo de que? — E puxou o tecido com raiva, fazendo-o rasgar. — Por que o Príncipe Aron não veio?
O coração dela batia rapidamente e sua mente era incapaz de compreender como o rapaz havia simplesmente surgido ali do nada.
— Estou rindo de você. — O cavalo ali perto relinchou com medo quando o príncipe passou ao seu lado. Seria ele também um vampiro? — E meu irmão não veio por que está de castigo.
Cassian riu como se o irmão fosse apenas uma criança levada, mas o rei já havia dito que Cassian era apenas um ano mais velho que Aron.
— Que tipo de castigo? — Ela tentava com todas as suas forças não ser arrogante com o príncipe, mas ele fazia por merecer.
— Está trancado em seu quarto com um guarda vigiando sua porta dia e noite. — E tentou acariciar Trovão, mas este não permitiu e começou a bater as patas, agitado.
— Se afaste dele! Não está vendo que não gostou de você? — Ao ver que Cassian continuava ao lado do cavalo não pensou duas vezes em ir até ele para empurrá-lo.
— Ei! Isso são modos? — E lançou a ela um falso olhar de indignação.
— São sim se você não obedece!
— Pare de falar tão alto! Quer acordar os demônios da floresta? — E lançou a ela um olhar sombrio.
— Demônios? Ah, tenha dó! Acha que eu acredito nessas historinhas para assustar crianças? — Sentiu-se indignada com a visão que o irmão de Aron tinha dela. A de uma criança ingênua.
— Não estou brincando com você, sua ingrata. — Ele não parecia muito contente e isso era de se esperar. — Meu irmão me mandou aqui para falar com você e é o que estou fazendo. Aqui. — E estendeu um papel enrolado como um pergaminho. — Este bilhete é dele, ao que parece agora sou um pombo-correio.
— Obrigada.
Ivy tentou segurar o riso pelo último comentário, não daria a ele a satisfação de rir de uma de suas piadas. Guardou o bilhete no decote para ler na segurança de seu lar e se preparou para subir nas ancas no cavalo outra vez. Assim que lançou uma das pernas, o animal relinchou e empinou agitado, fazendo com que caísse no chão por sobre o braço.
— Aiii... — Resmungou com a dor e tentou desviar das patas do cavalo, que saiu trotando, tentando, por algum motivo, fugir dali. — Trovão, volte aqui!
— Ele não vai voltar... — O olhar de Cassian estava sombrio e por algum motivo ele a ajudava a se levantar. — Machucou muito? Temos que sair daqui agora. — Sua voz também estava diferente, extremamente baixa, quase um sussurro.
— Meu braço está doendo, mas minhas pernas estão boas. — Para provar, se ergueu de uma vez e olhou ao redor, assustada com o arrepio que lhe correu a espinha. — Por que temos que sair daqui?
— Os demônios. Eles estão saindo e procurando almas para devorar. Tem alguma tocha de verdade aí? Uma que não seja um feitiço?
— Não. — Ivy não conseguia definir se ele estava ou não pregando uma peça nela, mas a sensação de mau presságio que sentia fez com que acreditasse nas palavras dele.
— Então temos um problema. — E encarou-a tão intensamente que pôde sentir o calor que emanava o ar na presença do príncipe.
— Os demônios vão nos atacar? — E riu para tentar quebrar a tensão.
— Como foi que adivinhou? — Ele usou um tom sarcástico que a irritava profundamente. — Estou falando sério, mocinha, é melhor sairmos daqui ou arrumar um jeito de fazer fogo naturalmente. Do contrário, nunca mais sairemos dessa floresta.
Ivy não pôde mais ignorar a seriedade do que ele dizia, passou a caminhar ao lado dele tentando enxergar no chão alguma pedra ou madeira ressecada que pudessem usar para fazer fogo. Palha também seria bem-vinda. Encontrou duas pedras que serviriam, mas não foi apenas as pedras que encontrou...
— Príncipe! Alteza! Cassian!!! — Os olhos dela estavam tão arregalados que poderiam saltar das órbitas, o rapaz se virou e sua expressão ficou petrificada de medo, assim como ela se sentia naquele momento. — O que faremos? — Sussurrou com medo de que a criatura os visse.
No começo ela não a havia enxergado direito, parecia se fundir com as sombras mais escuras da noite. Só conseguiu reconhecê-la quando se virou de lado e seus olhos, dois buracos emitindo uma luz vermelho-arroxeada, se tornaram mais visíveis.
Ivy deu alguns passos para trás, tentando não fazer nenhum ruído, até que suas costas bateram no peito de Cassian e sua boca se abriu automaticamente para soltar um grito assustado. Antes que pudesse gritar a mão dele já a impedia de fazer isso.
— Shhh. — Sussurrou na orelha dela, causando-lhe um arrepio profundo. —Silêncio.
A garota apenas assentiu, sentindo-se incapaz de falar qualquer coisa. A criatura começou a se mover e para o pânico de ambos, vinha na direção deles. Aquelas fendas brilhantes dos olhos da criatura eram assustadoras. O cheiro do bicho também não era dos melhores, parecia o cheiro do mercado de peixes no fim de uma tarde de vendas ruins. Não era muito grande. Tinha a altura de Cassian, o que significava que era mais alto que Ivy. A criatura andava como se fosse um fantasma sombrio, esguio e reptiliano. Era tenebroso.
O calor que o príncipe emanava fazia com que a pele dela ardesse como se tivesse tomado um banho muito quente ou tivesse ficado muito tempo ao sol do meio-dia. A criatura parecia sentir esse calor também, por isso, antes que ela pudesse sequer protestar, o príncipe a empurrou para o lado com uma força surpreendente, fazendo-a cair de costas no chão.
O rapaz piscou para ela antes de prosseguir com sua ação. Como se transformasse em uma tocha humana, as roupas dele se incendiaram, seus cabelos se tornaram labaredas de fogo e sua pele começou a brilhar em dourado e laranja. O que era aquilo? Nunca ouviu falar em nada do tipo. Seria ele como o irmão? Mas o irmão era frio... Não, não podia ser. O que era ele?
A incandescência da pele do príncipe fez com que a criatura recuasse um pouco, talvez pensasse que aquilo fosse uma fogueira gigante. Cassian lançou na criatura algo como bolas de fogo e o demônio sombrio se afastou de vez, se refugiando nos cantos mais escuros da floresta. Ivy apenas piscou e o rapaz já havia voltado ao normal, estava caminhando até ela, que permanecia sentada onde havia caído com o empurrão.
— A Senhorita está bem? — E estendeu a mão para ajudá-la a levantar. A garota quase queimou a pele ao segurar a mão dele. — Perdão. Não quis machucá-la. Pensei que já tivesse esfriado.
— Tudo bem. — E acabou por levantar sozinha. — Como... como fez aquilo? O que é você?
— Fiz aquilo porque sei fazer. — Respondeu meio a contragosto. — O que eu sou? Um Metamorfo. Não tente entender o que é isso. Não vai conseguir. Não são do nosso reino.
— O que quer dizer isso?
— Que posso me transformar no fogo que me rege ou na Fênix, animal símbolo do meu elemento.
— E prefere que eu mantenha segredo sobre isso, certo?
— Sim. Exatamente como faz com o segredo do meu irmão e não faça essa cara de confusa! Sei que ele já contou a você.
— Por que isso seria um segredo? Por que seu pai não revela isso ao povo? Vocês são incríveis com esses poderes!
— Para manter meu poder preciso incendiar florestas. Eu incendiei o sub-reino Ariem inteiro, por isso ele é inteiramente composto de cinzas. — O olhar do príncipe era sombrio. — Meu irmão precisa beber sangue fazendo com o que o gelo toque e mate o coração das pessoas que ataca para se manter vivo. Geralmente é rápido, mas o processo pode demorar também.
— Isso é horrível!
— Sim. E é por isso que deve ser um segredo.
— E por que confiaram em mim?
— Meu irmão não sei, mas eu não confiei em você. Acabou descobrindo por acaso, pela necessidade em nos defendermos.
— Ah.
— Agora é melhor sairmos daqui o quanto antes. Siga-me.
O príncipe pegou uma de suas mãos e a arrastou pela floresta, sua pele ainda estava quente e a matinha aquecida em meio à noite escura e gélida da Floresta do Norte. Então... por que o Rei Antony havia adotado garotos tão diferentes assim? Por que comprar esses segredos dessa maneira? Ela precisava descobrir de alguma forma.
...
— Madame Ivy! Oh, Graças aos céus! — Jeff correu até ela e se esforçou para não apertá-la num abraço, a ama de Ivy não conseguiu fazer o mesmo.
Nenhum deles se importou com a presença da realeza. Ivy estava se tornando tão influente assim? Afinal, os dois príncipes levaram-na para casa e corriam boatos de que o Príncipe Aron havia salvado a vida dela nas masmorras.
— Olá, vocês dois. Não se preocupem, eu estou bem. — E sorriu para eles como se nada demais tivesse acontecido. O Príncipe não quis entrar e foi embora rapidamente.
— Quase nos matou de preocupação! A Floresta do Norte é conhecida como Floresta dos Demônios durante a noite, Senhorita! Perdeu o juízo? — A elfa estava com o rosto pálido de tanto alívio por vê-la ali.
— Sim, eu descobri isso.... Mas conseguimos sair de lá vivos. — A garota se dirigiu para a cozinha, estava com muita fome. A ama foi atrás dela, agitada.
— Nada disso! A Senhorita primeiro vai tomar um banho para limpar o corpo e a alma do mal daquela floresta! — E arrastou a garota pelo braço até o banheiro de sua suíte.
Só depois de um bom banho e de uma sauna com incensos foi que a criada serviu-lhe o jantar. Ivy relatou brevemente o que havia acontecido, mas logo se retirou para o quarto. Estava exausta.
Quando estava quase dormindo lembrou-se da carta do Príncipe Aron e pulou da cama, correu ao banheiro e encontrou-a no meio de suas roupas. Levou-a junto consigo para a cama e escondeu-a debaixo do travesseiro.
Decidiu que leria no dia seguinte, assim que acordasse. Adormeceu e dessa vez teve pesadelos terríveis com demônios cruéis, mas nada indicando que os príncipes estivessem sendo castigados...
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top