Cap. 7 - Mensagens Atrasadas
— Oh, minha nossa, Senhorita! — Marilyn havia saído da casa antes mesmo do mordomo poder abrir completamente a porta. — Chegou uma carta do príncipe para você, Lady Ivy! Estava dizendo no envelope que era urgente!
— Uma carta? Mas eu nunca... — A garota sentiu seu sangue gelar ao notar que o príncipe de fato sabia onde ela morava. — Está bem, Marilyn. Vamos entrar. Onde está a carta?
— Deixei-a sobre seu travesseiro, Senhorita. — Marilyn estava prestes a segui-la escada acima, mas Ivy não queria companhia no momento. Precisava ficar sozinha. —Marilyn, poderia dizer às cozinheiras que me preparem o almoço, por favor? Estou com fome.
— É claro, Senhorita. — A ama entendeu o recado de sua patroa e imediatamente retrocedeu, seguindo em direção à cozinha.
A garota entrou em seu enorme quarto mais depressa do que deveria, quase tropeçando na barra do vestido. Precisava saber o que havia acontecido com o príncipe. Abriu a carta descuidadamente, rasgando completamente o envelope, mas uma grande decepção atingiu seu coração ao ler o bilhete.
Que tipo de mensagem era aquela? Números ao invés de letras? No que o príncipe estaria pensando? "Oh, não! Espere!" Havia um nome ali além do dele... Quem era J. L. Stein? E o que significavam aqueles números?
J. L. Stein L. 2./ V. 1./ P. 322. / l. 3.
Ass: P. C.
O que aquilo queria dizer? O príncipe teria enlouquecido? O mais estranho era que J. J. Stein não era um nome assim tão desconhecido. Quem seria essa pessoa? Ivy estava prestes a queimar o papel na lareira depois de ter passado a limpo a mensagem que ele trazia quando Marilyn entrou novamente no quarto, após bater na porta.
— A senhorita leu a carta, Lady Ivy? — Sua postura estava claramente indicando sua curiosidade embora a mesma estivesse mantendo-a distante de seu rosto.
— Sim. Eu li, Marilyn, mas não entendi absolutamente nada. Você sabe quem é J. L. Stein? — O olhar que a garota lançou a sua ama foi de pura frustração. — Não faço ideia do que isso queira dizer!
— É uma mensagem do príncipe Aron, não é?
Marilyn sentou ao lado de sua dama na cama e observava atentamente o papelzinho que ela segurava em suas pequenas e delicadas mãos. Ivy assentiu.
— Dizem por aí que os governantes estão começando a passar mensagens codificadas aos seus destinatários para evitar espionagem de outros reinos.
— E o que isso quer dizer? — A garota observava sua ama com um olhar confuso.
— Já pensou em tentar decodificar a mensagem? — O sorriso de Marilyn era acolhedor e esperto, mas isso não traria respostas. — Tente utilizar alguns dos códigos que Jefferson nos ensinou, Lady Ivy.
— Não há o que decodificar Marilyn! É apenas uma mensagem sem sentido.
— Posso vê-la um instantinho? — A menina entregou a mensagem que havia copiado para que sua dama analisasse. — Hum.... Tente começar por esse nome. Soa familiar aos seus ouvidos?
— Bem, de certa forma, sim.
— Pode me emprestar um lápis?
A mulher sorria para Ivy e no mesmo instante ela notou que Marilyn já tinha a resposta.
— Se você arrumar as letras dessa forma, então encontrará um nome diferente do anterior. Veja se reconhece agora, Senhorita. — E estendeu o bilhete para sua dama, que o observou em choque.
St. L. Jein.
Saint Linus Jein! Ele era o autor de um dos livros sobre mediunidade que ela praticamente devorava em suas visitas à biblioteca da vila. Como pôde ser tão burra?
Bem, se o nome era de um escritor, então talvez as demais letras e números se referissem a um livro. Com a ajuda de Marilyn, ambas conseguiram decifrar a mensagem do príncipe: Saint Linus Jein, Livro 2, Volume 1, Página 322, linha 3.
— Espere um pouco! Essa ainda não é a resposta. — Ivy estava agitada novamente e já trocava de roupa para sair novamente. — Marilyn, avise o Marvin que precisarei ir à biblioteca de novo! Rápido!
— Está bem, Senhorita. — E já estava quase na porta quando sua dama a chamou de volta.
— Marilyn? Obrigada. — O sorriso daquela jovem, que ela viu crescer, sempre fazia com que seu coração de mãe amolecesse e se aquecesse de alegria.
Marilyn não conseguia ter filhos e por isso foi rejeitada por todos os seus pretendentes, o que a deixava completamente triste, mesmo que ela jamais contasse isso para ninguém. As pessoas acreditavam que ela não havia formado uma família por causa de sua dedicação à família Delevigne. Estavam enganados. Nem mesmo Ivy sabia a verdade. E era melhor assim...
...
Argus estava voltando para vigiar seu príncipe e amigo, após ter entregado a mensagem ao Espanta-Pombos, quando o outro príncipe o encontrou. Seu coração congelou no peito apesar do calor que emanava do rapaz conhecido como Príncipe de Fogo, pois sua amizade se estendia apenas ao Aron. Não gostava das atitudes de Cassian.
— Onde você estava Argus? Não deveria estar vigiando meu irmão?
Aquela voz arrogante! Como ele a odiava! Queria poder enfiar sua espada no coração daquele idiota! Não tanto quanto queria fazer com o rei, mas mesmo assim... O guarda tentou passar direto, mas o príncipe o deteve pelo braço e ele pensou que sua armadura estivesse derretendo de tão quente que a o metal ficou.
— Responda-me! Onde você estava?
— Fui pedir às cozinheiras para prepararem o prato que vossa alteza, o príncipe Aron, pediu. — Argus ficou feliz quando sua voz soou indiferente. Nem submissa, nem autoritária. — Já estou retornando ao meu posto.
— Não precisa. Está dispensado. Vá fazer qualquer outra coisa! Vá para sua casa que eu mesmo cuidarei para que meu irmão permaneça naquele quarto. — E saiu marchando como se ele mesmo fosse o rei.
Definitivamente, Argus não gostava nem um pouco do Príncipe de Fogo. Agora pelo menos poderia voltar para casa um pouco mais cedo e talvez levar um pouco da comida do castelo para sua família. Com certeza ficariam felizes por vê-lo chegar mais cedo. Isso era tão raro.
...
Cassian já estava prestes a abrir a porta do quarto do irmão quando a mesma se abriu sozinha. Não. Não sozinha.
— Ah, Cassian. — O olhar de seu irmão não era nem um pouco agradável por encontrá-lo ali. — Onde está Argus? Mandei-o fazer uma coisa para mim e ele ainda não apareceu...
— Dispensei os serviços dele por hoje. Mandei-o para casa. — Cassian quase se permitiu sorrir ao notar o olhar desconfiado do irmão. — E então? Podemos entrar? Tenho um recado para você.
— Entre. — E deu espaço para o outro rapaz entrar. — O que você quer? Diga logo. — Disse assim que fechou a porta atrás de si.
— Tome. Leia. — E estendeu o bilhete para o irmão, não sem antes brincar de não deixá-lo pegar o papel, até que finalmente seu irmão o tomou de suas mãos.
— É um bilhete de Lady Ivy... — A confusão e o medo nos olhos de seu irmão fizeram Cassian sorrir. — Ela esteve com você? O que fez com ela?
— Não fiz nada, apenas mandei que voltasse para casa antes que a pegassem em seu ridículo disfarce. — E revirou os olhos, já seguindo em direção à porta. — Disponha irmãozinho.
— Espere! Precisa me ajudar a fugir do castelo!
— Não. Não vou ajudar você e é até melhor que não saia. — Cassian não conseguia acreditar na burrice do irmão em querer sair para a vila em dia de revolta.
Por mais que os Trolls estivessem longe, os nobres e alguns camponeses sempre aproveitavam essas faíscas para atacar o castelo e a realeza. Seria bem mais simples com tantos guardas fora. Os tolos apenas não contavam com o uso que o rei fazia de magia negra.
— É época de revolta. Fique por aqui até que os guardas retornem, depois, talvez, eu tente ajudá-lo a reencontrar a garota problemática.
— Não fale assim de uma dama, Cassian! Ela não é... problemática. — E franziu o cenho ao lembrar-se da confissão que ela fizera sobre ser uma médium. — Fique sabendo que tentaria fugir mesmo sem a sua ajuda.
— Boa sorte com mais uma noite nas masmorras, seu idiota. — E saiu do quarto, batendo a porta logo em seguida.
O outro príncipe correu até a porta, mas já era tarde demais, Cassian havia trancado-a por fora.
— Maldito seja! Por mil pragas de duendes!
Estava preso outra vez. Encarcerado e sem esperança de fuga até que a revolta fosse contida. A revolta... Quantos Trolls morreriam dessa vez? Vinte? Cinquenta? Todos eles? Pobres criaturas...
...
— É melhor não demorar muito, Senhorita Ivy, logo vai escurecer... — Marvin estava com uma expressão realmente preocupada no rosto, mas depois da corrida com o príncipe seu cocheiro havia ficado assim, sempre desconfiado, quando saía com ela.
— Não se preocupe. Não pretendo demorar. — E pulou para fora recusando sua ajuda.
Entrou correndo e rapidamente chegou à prateleira que procurava. Lá estava o livro! Ivy pegou-o como se pudesse mordê-la e folheou-o até encontrar a página que o bilhete indicava.
— Aqui... — Sussurrou para si mesma.
Seus olhos correram pelas palavras da linha indicada e rapidamente compreenderam a mensagem.
"[...]. Estavam todos sendo caçados pelos demais e precisavam fugir de alguma maneira, mas para onde iriam? Para a Floresta dos Corações Partidos, é claro. Quando? Ao pôr do sol daquele mesmo dia. E finalmente [...]".
A Floresta dos Corações Partidos, ao pôr do sol... Estava marcando com ela uma maneira de se encontrarem novamente! É claro que sim, mas por quê? Sim, por que estaria querendo falar com ela? Talvez para contar-lhe o que aconteceu na masmorra? Pelo menos ele ainda estava vivo...
Ivy estava guardando o livro em seu lugar na estante quando a luz do sol refletida de uma das janelas iluminou o papel original do bilhete em sua mão e uma nova mensagem começou a aparecer.
Deveria agradecer a Marilyn por ter chegado bem no momento em que estava prestes a queimar a mensagem original. O que era aquela nova mensagem? O nome do autor era o mesmo, o livro e o volume também, mas a página e a linha indicadas eram outras. Página 83, Parágrafo 3, Linha 4.
"[...] então, vocês precisam fazer o que estou lhes dizendo. Não podem seguir com seu plano original. Não podem invadir o castelo! Não entrem ou cheguem perto de lá de maneira nenhuma! Entenderam? Espero que sim [...]".
Ele queria falar com ela, mas não queria que fizessem isso no castelo. É claro. Tinha medo de que o rei os visse juntos outra vez.
Ao pôr do sol... O sol já estava se pondo! Será que se fosse a cavalo chegaria a tempo de encontrá-lo? Talvez. Saiu o mais rápido que pôde da biblioteca e pediu a Marvin que desse um dos cavalos a ela e que voltasse para casa sozinho com o outro.
— Mas, Senhorita, está escurecendo. Não pode cavalgar por aí sozinha...
— Faça o que estou pedindo, Marvin.
Ela mesma já tirava um dos cavalos brancos das amarras da carruagem.
— E diga para Marilyn não se preocupar, estarei com uma pessoa confiável.
Marvin ajudou-a a montar no cavalo, mesmo sabendo que provavelmente a elfa bateria e gritaria com ele ao voltar. Já era capaz até de imaginar sua voz e a dor dos tapas. "Como pôde deixá-la sozinha?", "Por que deixou que fosse?", "Com quem ela pretendia se encontrar? Você nem ao menos perguntou, não é?".
— Lady Ivy, com quem pretende se encontrar? — Tentou fazer com que sua voz soasse desinteressada, mas sabia que não adiantaria.
— Sinto muito, Marvin, mas não posso te dizer. Até mais!
Ele ficou observando enquanto sua patroa cavalgava depressa para o norte. O que faria ela no Norte de Eville? Não havia muitas coisas que poderia fazer por lá. Era uma região pobre, apenas habitada por camponeses e caçadores. Apesar de tudo, a Floresta do Norte era um bom lugar para se caçar, por ser uma das mais repletas de animais e também uma das mais seguras.
Era segura apenas de dia, durante a noite tornava-se tão perigosa quanto as demais... Marvin espantou o arrepio que correu seu corpo e tornou a sentar-se para guiar o cavalo e a carruagem vazia de volta ao casarão da família Delevigne. Esperava que Lady Ivy não se aventurasse pela floresta, sozinha ou acompanhada.
...
— ALGUÉM ESTÁ ME OUVINDO? ESTOU COM FOME! PRECISO COMER AGORA! ALGUÉM AÍ?
Não adiantava, por mais que Adrian gritasse ninguém parecia ouvi-lo chamar. E agora? O que faria? Lady Ivy havia recebido o bilhete e provavelmente estava esperando por ele sozinha na Floresta do Norte. O problema era que ele não apareceria e não poderia protegê-la de qualquer coisa que a atacasse por lá. Não que muitas coisas tentassem atacar alguém que estivesse ao lado de um vampiro...
— ALGUÉM? ESTOU COM FOME! — E batia os punhos cerrados na porta, que fora projetada exatamente para não ceder à força dos príncipes.
Tentou até chamar o elemento que habitava seu coração, mas este não quis ajudá-lo dessa vez. Dissera que seria inútil.
— Acalme-se, irmãozinho... — A voz de Cassian fez com que Adrian saltasse novamente em direção à porta. — Acho que posso ajudá-lo.
— A que preço me ajudaria? — E cerrou os punhos sabendo que não teria escolha a não ser aceitar a ajuda do outro príncipe.
— Hum.... Na verdade, não sei ainda, mas poderemos negociar futuramente. — E sorriu zombeteiro. — Está me devendo um favor.
— Que seja. Preciso que vá até a Floresta do Norte e escolte Lady Ivy de volta à casa dela. Ela está lá sozinha me aguardando e corre perigo estando lá a noite.
— Está bem. Precisa que eu entregue algum bilhete? Acho que posso fazer o trabalho melhor que os pombos do Espanta Pombos. — E riu de leve.
— Não. Diga apenas que estou bem e que agradeço pela ajuda que ela me deu na masmorra. Diga que sei que foi ela quem me ajudou, depois de um tempo acabei percebendo.... É só isso.
— Certo. — Cassian não pôde deixar de pensar em como o olhar do irmão se tornou sombrio ao comentar sua experiência na masmorra.
Mas por que se sentia mal com Ariem? Ele esteve em Bânem e este reino era bem pior, pelo que diziam.... Estranho que agradeça à garota que praticamente o colocou lá só porquê salvou sua vida antes. Não a havia agradecido o suficiente ajudando-a a fugir?
Bem, isso com certeza não era assunto para agora. Cassian sentiu cada centímetro de seu corpo queimar quando se transformou na Fênix e saiu voando, incendiando a noite, enquanto seguia para o norte.
...
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