Cap. 6 - O Príncipe de Fogo
Havia algumas horas que Adrian saiu da masmorra e o rapaz tentava desesperadamente arrumar uma maneira de se livrar do guarda que o perseguia a mando de seu pai.
O Rei não era tão idiota quanto parecia e assim que se lembrou de que a punição do filho havia terminado, ordenou que um dos guardas que ficaram para trás, na verdade um dos mais poderosos por ser um bruxo, vigiasse seu filho e não permitisse que o mesmo saísse do castelo.
Argus, o bruxo que guardava a porta do quarto do príncipe, era um dos mais inteligentes e capacitados capangas do rei. Treinado em magia branca por sua velha mãe, uma bruxa que vivia no coração da Floresta dos Corações Partidos, era eficiente em descobrir quando esse tipo de magia estava sendo usada, portanto, o príncipe não teria como enganá-lo.
A única coisa que o Rei Antony não sabia era que Argus e o príncipe tinham uma forte amizade, fruto de quando haviam sido mandados juntos para o sub-nível quatro das masmorras, após ajudarem alguns aldeões a caçar na floresta particular do rei.
— Argus, por favor, tenho que sair do castelo! Preciso resolver assuntos urgentes na vila hoje!
— Sinto muito, meu amigo, mas da última vez que te ajudei fomos parar nas masmorras. Não quero chegar ao sub-nível cinco dessa vez.
— Pode então me fazer um favor? — A voz do príncipe era segura, mas seu olhar era de pura frustração.
— Tudo o que Vossa Alteza mandar, se não contrariar as ordens de vosso pai.
— Sei que conhece o Espanta Pombos. Ele não foi recrutado para deter a revolta, foi?
— Não. Com aquele pé manco ele seria apenas um estorvo para o restante do grupo. — O olhar de Argus sobre o elmo era desconfiado. — Mas por que deseja falar com ele?
— Quero que peça a ele para usar um de seus pombos treinados para enviar uma mensagem a uma pessoa na vila. Não vai demorar mais de dez minutos para você falar com ele e meu pai nem vai perceber, já que está enchendo aquela barriga dele com os ovos e o leite do café da manhã das criadas. Sim, eu sei o que ele está fazendo. Faz isso todos os dias. — A voz do príncipe também demonstrava sua frustração e até um pouco de desespero.
— Está bem. Que mensagem pretende que o mande entregar? — O príncipe correu até o interior de seus aposentos novamente e voltou rapidamente com um pedaço de papel amarelado, que entregou a ele.
— Aqui. O endereço também está no papel.
— Certo. — Argus encarou o príncipe por um longo tempo antes de fazer sua pergunta seguinte. — Alteza, peço, por favor, que não saia durante esses dez minutos. Sabe o que vosso pai faria se percebesse que falhei e tenho um filho pequeno para cuidar...
— Não se preocupe amigo, não faria isso com você. Agora vá! Depressa!
E o cavaleiro obedeceu. Adrian tornou a sentar-se em sua cama macia e fitou a janela gradeada, contemplativo, pensando se a mensagem chegaria a Lady Ivy antes que cometesse a loucura de ir atrás dele no castelo.
...
Seu pai estava, como sempre, se empanturrando com a comida dos criados. Não que ele a achasse saborosa, apenas queria deixá-los com fome por mais um dia. Tudo por que na noite anterior haviam atrasado seu jantar por alguns minutos.
Cassian estava obedientemente parado ao lado do rei, observando-o comer, enojado com aquela demonstração bárbara de falta de etiqueta. Etiqueta... Ele e seu irmão adotivo haviam tido muitas aulas de etiqueta. Algumas ele próprio jugou necessárias, mas outras eram definitivamente ridículas.
— Cassian, meu filho, vá para o escritório no andar de baixo e pare de me olhar desse jeito! Detesto quando me observam comer! Vá! Vá embora logo! E mande depois que o Espanta-Pombos envie uma mensagem aos guardas que lutam contra os Trolls! Quero notícias!
— Sim, Senhor, meu pai. — E fez uma reverência antes de sair pela porta, agradecido por ter sido dispensado da primeira parte do desjejum de seu pai.
O Rei Porco, era como o chamavam. Cassian sorriu. Era com certeza um nome adequado e não apenas por causa de seu nariz. No escritório haveria um pouco de paz e sem que seu pai soubesse Cassian poderia ler um dos livros que mandou um pobre escritor fazer para ele em segredo.
Pagou muito por seu trabalho, sabia que não era tão simples quanto parecia, mas seu pai ignorante não sabia disso. Era analfabeto e não tinha vontade nenhuma de aprender a ler. Cassian e seu irmão haviam aprendido esse ofício por causa de uma das empregadas do castelo, que pacientemente os ensinara quando ambos descobriram que dava aulas aos nobres da vila em seu tempo de folga.
Madeline, esse era seu nome, e sua família era tão pobre que tudo o que ganhava era usado como fundo para alimentar as nove bocas que viviam em uma casinha distante, perto da fronteira com a Floresta do Norte. Os príncipes a recompensavam em segredo e tomavam suas aulas como se fosse o saboroso mel que ela usava para preparar seus biscoitos.
Infelizmente, um dia, um dos invejosos negociantes de seu pai descobriu a empregada dando aula aos meninos e a delatou. Ela foi queimada na fogueira em praça pública, acusada de magia negra. Como se o próprio rei não usasse esse tipo de magia, mas, para o Rei Porco, leitura e escrita eram um tipo de magia tão sombria que apenas mencionar esse tipo de coisa era considerado uma traição à coroa.
Obviamente os habitantes da vila explicavam isso aos seus filhos, os nobres tinham medo de que o rei os matasse também, mas ainda assim ensinavam seus filhos a ler e escrever. Alguns até auxiliavam os mais pobres também.
O Rei poderia até apagar as palavras escritas pela tinta, mas jamais apagaria a chama que alimentava a paixão pela leitura no coração das pessoas.
...
— Ande logo, soldado! Diga alguma coisa! — O guarda que estava velando o portão do castelo não parecia muito contente com a "falta de voz" de Ivy.
O que ela poderia fazer? Não haveria como fingir para tentar engrossar a voz e também não poderia escrever num papel uma desculpa. Era proibido ler e escrever naquele reino, mesmo que o castelo e a vila possuíssem grandes bibliotecas. Será que o soldado entenderia se ela fizesse mímica?
— Arrancaram sua língua foi? — Ela fez que sim com a cabeça e o soldado a olhou surpreso. — Arrancaram sua língua? Quem?
Os olhos por debaixo do elmo estavam exprimindo desconfiança, mas também horror.
— Sapo? Pescador? Peixe? Sereia! Uma sereia arrancou sua língua! — Ela fez que sim com a cabeça e dessa vez o guarda fitou-a como se entendesse o motivo. — Então, hein? Deixou-se atrair pelo seu belo canto.... Tudo bem, mas o que deseja dentro dos muros do castelo? Você não me parece familiar...
Ivy sentiu um leve arrepio correr seu corpo, mas continuou gesticulando até que ele finalmente entendeu e deixou-a passar. Agora estava dentro do castelo.
Teria que tomar cuidado para não esbarrar no rei, mas provavelmente isso não iria acontecer, já que estava na hora de seu desjejum pré-almoço. A garota revirou os olhos ao se lembrar de quando presenciou o soberano comendo em um jantar público dedicado às famílias nobres de Eville. Patético.
E agora? Para que lado deveria ir? Esquerda? Direita? Para cima? Ficou encarando as escadas, mas ao notar a movimentação no andar de cima decidiu se esgueirar pelo corredor da esquerda, que possuía uma quantidade maior de possíveis esconderijos.
"Quantas portas!" Pensou. "Onde será que o príncipe Adrian estava no momento? Já teria saído das masmorras? Provavelmente..."
— Ei! Você aí? O que faz por aqui? Essa ala é particular, apenas os soldados dourados podem entrar aqui!
Ivy se virou para a porta de onde havia saído aquela voz. Um escritório. Por pouco não se entregou utilizando sua voz para responder. O rapaz veio até ela.
"Oh, não! Cassian, não! Por que justamente o Príncipe de Fogo?" Pensou, frustrada.
Aliás, como ela não notou antes que estava começando a ficar um pouco mais quente? O medo de ser descoberta a cegou outra vez. Começou a fazer suas mímicas para tentar convencê-lo com alguma mentira e pareceu funcionar.
— Está bem. Vou guiá-lo até meu irmão, o idiota está de "castigo". — E riu ao notar a expressão que aparecia por debaixo do elmo de Ivy.
Ele a guiou escada acima até um longo corredor repleto de portas. "Devem ser os quartos..." Ela pensou consigo mesma.
— Ele está aqui. Entre sem bater. Não importa.
Ivy o obedeceu, abriu a porta com o coração aos saltos e espiou para dentro do quarto. Nada. Então, o príncipe a empurrou para dentro fazendo com que caísse de barriga no chão e fechou a porta atrás de si.
— Muito bem, você não me engana. O que quer com meu irmão? Não, melhor, como pôde achar que com esse disfarce ridículo nós não a reconheceríamos, Lady Ivy?
— Ah. Então, agora vossa alteza se lembra de mim?
Seus joelhos tremiam, mas ela se recusava a fraquejar na frente dele, mesmo sabendo que em suas mãos corria um enorme perigo de ser delatada ao rei.
— Das outras vezes em que nos encontramos você simplesmente fingiu não lembrar. Ou simplesmente não queria ajudar os pobres?
— Meça suas palavras ao falar comigo! — E apontou o dedo na cara dela, embora sua voz estivesse zangada, sua expressão era de indiferença. — E responda minha pergunta. O que queria com meu irmão? Matá-lo envenenado?
— Ah. Você não ficou sabendo...
— Sabendo de que?
— Seu irmão me ajudou a fugir. Então, ele ainda está vivo?
— Sim. É claro que está. — Cassian se sentiu confuso com a expressão preocupada nos olhos dela.
"Por que aquela plebeia estava perguntando algo assim? Era óbvio que o rei, por mais cruel que fosse, não mandaria matar seu próprio filho." Ele pensou e notou a garota suspirar aliviada. "Estaria ela apaixonada por seu irmão? Dois dias juntos e já estava caidinha por ele?"
— Está muito preocupada com o príncipe.... Posso saber o motivo?
— Fiquei receosa quando ele me ajudou a fugir. Vossa Majestade não o perdoaria por isso, com certeza. Tive um... — E mordeu a língua antes de quase se entregar. — Tive um pressentimento ruim de que ele estava prestes a morrer e por isso decidi vir aqui. Ele salvou minha vida duas vezes e queria retribuir o favor.
— Entendi. — Cassian ainda não confiava nela e observava a garota escondida pela armadura de soldado.
Magia negra, ele podia sentir. Já viu o pai utilizar aquilo muitas vezes para parecer mais jovem e seduzir assim algumas das empregadas.
— Se quer mesmo ajudá-lo é melhor ir embora. Pelo que entendi ele foi castigado no nível cinco da masmorra por sua culpa, porque te ajudou a fugir.
— Bem... acho que sim.
Embora gostasse de provocar as pessoas, Cassian não gostou nem um pouco de como o olhar da garota debaixo do elmo se tornou culpado e triste. Tão diferente das outras vezes em que a viu...
— Olha, quer dar um recado a ele? Eu passo a mensagem, está bem? — Sua voz soou meio vacilante, não estava acostumado a ser gentil com os nobres. — Mas me prometa que vai sair daqui antes que outra pessoa treinada perceba sua farsa.
— Está bem. Eu saio.
A antiga coragem que ele se lembrava de ter visto nos olhos dela das outras vezes estava de volta. Não pôde deixar de sorrir com isso. Seguiu até a mesa de mogno do cômodo e retirou dos bolsos uma pequena folha de papel e uma caneta tinteiro.
— O que quer que eu escreva?
— Eu sei escrever.
O olhar do príncipe fez com que seu rosto corasse. Aquilo era uma faísca de admiração? Talvez. O Príncipe de Fogo estendeu o material a ela, que sentiu o calor ardente de suas mãos ao tocá-las.
Os olhos do rapaz eram tão lindos e profundos, de um verde que apenas o fogo dos elfos era capaz de produzir. E bruxuleava também, como se tivesse uma chama acesa ali dentro. Os cabelos dele estavam um pouco compridos, na altura dos ombros, da mesma cor de castanho claro das árvores da Floresta do Norte.
Ela tentava decidir se eram ondulados ou lisos, quando o príncipe pigarreou, apressando-a. Ele com certeza havia usado magia de sedução recentemente, do contrário não se sentiria atraída assim tão facilmente.
— Muito bem. Vou tentar não dar nenhuma espiadinha enquanto entrego a ele. Até a próxima, Senhorita. E tente não dar uma Robin Hood. Defender os pobres é tarefa de seu Rei. — Cassian lançou à garota um último olhar brincalhão ao dizer essas palavras e deixou-a sozinha, para que fugisse do castelo outra vez. E sem ajuda.
Assim que o rapaz saiu do quarto Ivy tornou a sentir o gélido ar que rodeava as pedras do castelo, sua armadura não ajudava muito a espantar essa sensação, portanto, tratou de andar o mais rápido que conseguia em direção ao que ela supunha, seria a saída.
Talvez por obra de algum Deus, talvez por um golpe de sorte, mas ela finalmente encontrou a saída do labirinto que era aquele castelo e despediu-se com um aceno do guarda que a deixara entrar após todas as suas mímicas. Agora, tinha que encontrar Marvin para voltar a sua casa e tranquilizar novamente a super protetora Marilyn.
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