Cap. 5 - Bânem

Um sonho..., mas que tipo de sonho era aquele? Tudo o que ela podia ver era o contorno de uma forma masculina aparentemente constituída por um brilho arroxeado. Quem era?

A alma disse seu nome com uma voz que transparecia toda a agonia que estava sentindo e por um momento Ivy sentiu seu coração disparar, assustado. Adrian? Por que ela estaria sonhando com ele? Era apenas um sonho ou seria uma de suas visões?

Era assustador como a energia ao redor dele parecia tremular descontroladamente. Havia algo muito errado acontecendo com sua alma, mas o que seria? Ela tentou se aproximar mais, porém a alma dele começou a se contorcer em desespero. O que fazer? O que ela poderia fazer?

Ignorando seu coração pesado, seu estômago revirando e todo o seu corpo, que tremia de pavor, se aproximou do príncipe e segurou seu rosto com as duas mãos, se desviando, antes, dos golpes desesperados dele. Fechou os próprios olhos e aos poucos foi passando sua própria energia, mais calma e contida que a dele no momento.

Os golpes foram aos poucos cessando até que pararam de vez, a energia ao redor da alma dele se tornou clara novamente e parou de tremular descontrolada, assumindo um padrão normal. Ótimo. Ela havia conseguido acalmá-lo como fazia com tantas outras almas que a visitavam. Mas... por que ele a visitava?

Havia apenas três motivos que levavam uma alma desesperada ou não a visitá-la: Problemas Graves, Insanidade ou Morte. "Ah, não!" Ela pensou. "Será que o Rei Antony o havia castigado até a morte? Isso não..."

O véu do sono começou a envolvê-la novamente e sabia que logo mais acordaria com a terrível sensação da premonição de seu sonho. Teria sido um sonho presente ou futuro? Estaria aquilo acontecendo ou estaria prestes a acontecer? De uma coisa ela sabia: precisava voltar ao castelo assim que acordasse.

...

O sub-nível cinco era o pior de todos os níveis da masmorra do Rei Antony. Adrian já havia estado lá uma vez e desde então tinha pesadelos e vertigens com lugares escuros e silenciosos. Aquele era um lugar para o qual você, nem em seus mais terríveis pesadelos, sonharia estar. Era projetado para fazer com que qualquer pessoa enlouquecesse estando presa lá por muito tempo.

Bânem era um reino enorme, mas parecia menor que uma casca de noz para quem era mandado para lá. Obscuro, gélido, enevoado e sombrio. Não havia qualquer luz, qualquer som. Era como se o prisioneiro fosse jogado no vasto vácuo do universo. Solidão. Confinamento. Desespero. Mentes fracas nem sequer sobreviviam, pois se suicidavam com o que quer que tivessem trazido consigo.

O príncipe já havia passado por essa experiência quando estivera preso lá por cerca de duas horas. Foi parar lá porque roubou o ouro que seu pai roubara de um pobre anão comerciante. Adrian planejava devolver a quantia ao seu verdadeiro dono, mas acabou sendo apanhado e dessa vez o velho ditado popular falhou. O príncipe ladrão não obteve nem um segundo de perdão de seu pai.

Dessa vez o Rei Antony estava furioso e, por isso, ao invés de apenas duas horas, mandou-o por seis! Tudo por que havia ajudado lady Ivy a fugir bem debaixo de seu diminuto nariz. O rei odiava que seu nariz fosse tão pequeno e achatado, para ele era parecido com o nariz de um porco nojento (não que ele mesmo não fosse um porco nojento).

Certa vez mandou seus guardas trazerem a ele a criatura que tivesse o maior nariz que encontrassem e seus guardas, obedientes e temerosos, trouxeram uma criança da Montanha dos Gigantes. Nessa ocasião até seu irmão adotivo, o príncipe Cassian, havia ficado horrorizado com a atitude de seu pai. Antony mandou que o nariz da criança fosse arrancado para que um alquimista ou mago transformasse-o em uma prótese provisória para cobrir seu nariz de porco.

Durante as primeiras três horas ele conseguiu se consolar com a ideia de que seu pai havia sido burro o bastante para não ouvir lady Ivy. Dessa forma, agora seus guardas haviam sido quase todos enviados para conter a revolta dos Trolls. Assim ele ficou sem excedentes para mandar que buscassem a "nobre delinquente" que havia fugido pouco mais cedo.

Na quarta hora ele já não aguentava mais aquele silêncio todo, nem sua voz ou seu coração produziam ruídos naquele lugar. Seus olhos não eram capazes de enxergar absolutamente nada, mesmo que fossem mais eficientes que os das outras criaturas. Olhos que enxergavam melhor não tinham qualquer utilidade na escuridão total.

Ele estava prestes a comer as frutinhas venenosas que sempre trazia consigo quando uma luz invisível iluminou apenas sua mente e uma calma quase impossível de ser alcançada tomou conta de seu coração e alma.

De repente, qualquer minuto, segundo ou hora ali não fazia mais qualquer diferença. Ele sentia a paz reinar dentro de si, fazendo com que o desespero e a agonia se esvaíssem até sumir completamente. O que tinha sido aquilo?

O portal se abriu queimando sua visão, que se acostumara ao escuro, e finalmente podia sair daquele lugar. Levantou-se, testando se suas pernas ainda eram capazes de andar e mergulhou no portal. Quando retornou ao cinzento e úmido calabouço não havia guarda nenhum à sua espera. É claro, os guardas estavam lidando com uma revolta...

...

— Lady Ivy, tem certeza mesmo de que deseja voltar ao castelo? Marvin me contou que a viu chegar apressada em uma das carruagens, o que só pode indicar que fugiu de lá sem ser liberada pelo rei.

A expressão preocupada de Marilyn ao ajudá-la a terminar a poção de disfarce fazia com que seu coração pesasse quase tanto como no sonho da noite passada, mas ela não mudaria de ideia. Tinha que encontrar o príncipe para saber o que havia acontecido. Tinha que saber se estava vivo.

— Agradeço sua preocupação, Marilyn, mas nada me fará mudar de ideia.

Ivy mexia seu pequeno caldeirão, que se encontrava sobre uma espécie de forno a lenha no canto mais escuro da câmara abaixo da mansão de sua família. Desde que haviam partido Ivy transformou a câmara em um refúgio para seus livros de magia, principalmente os de magia negra. E no momento era o que fazia: uma poção de magia negra.

— Mas, Senhorita, sabe que é perigoso. Vale mesmo arriscar seu pescoço por esse rapaz? — As orelhas pontudas da ama se agitavam, como sempre faziam quando estava nervosa demais, e seus olhos tinham um brilho de dúvida.

É claro que Ivy contou o sonho para sua ama, mas não tinha mais certeza de que essa foi a escolha certa. Nunca escondeu seus sonhos e planos dela, o que a fazia a pensar se já não era hora de começar a fazê-lo.

— Sei que é perigoso, mas se minha intuição estiver certa, e quase sempre está, qualquer castigo que aquele porco velho estiver aplicando em seu filho será por culpa minha. Porque ele me ajudou a fugir.

A poção estava quase pronta, só mais algumas ervas de Termópolis e um pouco de brilho de asa de fada e tudo estaria resolvido. Ela teria um excelente disfarce.

— A culpa não é sua, Lady Ivy! Não vê? O príncipe quis ajudá-la por vontade própria. Você não o obrigou a nada.

Ivy batia o pé impacientemente enquanto terminava de polvilhar o pó da fada na poção gosmenta do caldeirão.

— Marilyn. — Ivy havia desligado o fogo mágico, virou de frente para sua criada e a encarou com seriedade. — Eu devo isso a ele. Já ajudei criaturas sem que devesse nada a elas, então por que com ele seria diferente?

— Por que o pai dele é o rei! — A voz da ama estava mais alta que o normal, sinal de que ela estava começando a se desesperar. — Rei Antony, ou também chamado de Rei Coração de Pedra, pela quantidade de vezes que mandou torturar seus súditos e até seus próprios filhos!

— Ou... — Um sorriso divertido brincou nos lábios de Ivy ao se voltar ao caldeirão para se servir de uma concha da poção. — Rei Nariz de Porco... Rei Ignorante... Rei Cérebro de Lama.... Nós também sabemos muitos outros de seus apelidos engraçados, Marilyn. Você mesma me contava quando eu era mais nova e me assustava com as notícias sobre as torturas que ele mandava fazer.

— Sim, é claro, e você só pegou essa parte da mensagem, não é? Já se esqueceu de sua noite na masmorra? Esqueceu-se dos outros apelidos do rei? Rei Agonia, Rei Morte, Rei Cérebro Cruel, Rei Barba de Sangue... — A ama contava nos dedos os nomes terríveis, como se assim pudesse dar mais credibilidade aos números e nomes.

— Não me esqueci da noite em Ariem... — O olhar de Ivy tornou-se sombrio. — E é exatamente por isso que preciso voltar lá. Para impedir que Antony mande seu filho de volta ao sub-nível quatro, ou até pior.

— Está bem, Senhorita. — O suspiro e a postura derrotada da ama fizeram com que Ivy se sentisse ainda pior. — Mas, por favor, tome cuidado. Os guardas são treinados para reconhecer magia.

— Sei disso. Já pensei nisso também. — E bebeu a poção de uma só vez. O gosto era terrível. — Agora chame Jefferson e peça a ele para avisar Marvin de onde pretendo ir. Diga para se apressarem!

— Está bem, Senhorita. — Marilyn assentiu e saiu da câmara cabisbaixa, como se tivesse acabado de receber uma das ordens cruéis do soberano.

Ivy sentiu quando a poção fez efeito e ao olhar seu reflexo na água do caldeirão notou que havia mesmo funcionado. Quem a olhasse pensaria que era um dos guardas de armadura do castelo. A farsa só seria descoberta se a pessoa ouvisse sua voz, mas poderia fingir que havia sido enfeitiçada por uma sereia e assim perdido a própria voz.

Era um ótimo plano. Marvin e Jefferson se assustaram quando a viram pela primeira vez, mas assim que falou com eles trataram de se acalmar. Estava agora a caminho do castelo, tudo que precisava fazer era passar por seus grossos muros e encontrar o príncipe que salvou seu pescoço três vezes desde que se conheceram há dois dias...

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