Cap. 4 - O Jardim
Adrian guiou Ivy pelos recantos secretos do castelo, lugares que o Rei Antony não se importara de explorar. Um desses lugares foi o jardim no centro do labirinto, construído nos fundos do castelo. Um magnífico labirinto de pedras acinzentadas que, com o tempo, passaram a ficar cobertas de musgo e trepadeiras.
— Tem certeza de que seu pai desconhece esse lugar? — Ivy observava tudo com completa admiração. — E mais importante... você conhece direito esse lugar?
— Fique tranquila, Lady Ivy. — O príncipe deu uma piscadela e um sorriso torto ganhou seu rosto. — Eu costumo vir aqui sempre que saio das masmorras... o que acontece com muita frequência, como pode imaginar.
— Certo.
Ela tentou engolir algumas das perguntas que invadiram sua mente e embora não duvidasse das palavras do príncipe, ainda queria saber porque fazia tantas coisas "erradas" se sabia que seria cruelmente e injustamente punido.
— Pode me perguntar o que quiser.
A voz causou um pequeno sobressalto em Ivy, que havia esquecido que ele estava ali por causa do silêncio que se instalou entre ambos. Seguiam para um banco de mármore logo abaixo de uma das árvores do jardim, no centro do labirinto.
— Esse lugar é lindo! — Ela tentou desconversar e pareceu funcionar.
— Sim. É magnífico. — O sorriso do príncipe era ao mesmo tempo triste e contente. — Eu gosto muito deste lugar.
— O Rei não sabe daqui?
— Ele ignora sua existência.
Os dois sentaram-se no banquinho e passaram a fitar a fonte logo em frente. Havia ali a estátua de mármore de uma rainha muito bonita, que segurava um regador em suas delicadas mãos de pedra.
Do regador, a água escorria para os três níveis seguintes, até que era sugada outra vez e o processo se repetia e se repetia. Aquilo encantou os olhos doces de Ivy, que não conseguia parar de fitar a rainha de pedra e a água corrente.
— Ela é muito bonita, não? — A voz do príncipe tirou-a de seus devaneios sobre a fonte, seu olhar confuso foi dirigido a ele com certa timidez por não ter prestado atenção na pergunta.
— Perdão, o que disse?
— A antiga rainha era muito bonita, não? — Ele sorria e apontava para a estátua. — Gosta da fonte?
— Ah, sim. Muito bonita a sua avó. — Ivy forçou um sorriso, que esperava não ter ficado tão aparentemente falso.
— E então? Quem vai falar primeiro? — E se apoiou no banquinho de forma mais descontraída, fitando o céu.
— Falar? Falar o que? — E desviou o olhar da fonte para encará-lo.
— Você me contaria sobre os Trolls e eu contaria o meu segredo. — E virou o rosto, fitando-a com um olhar intenso.
— Ah. Isso.
— Sim. Isto é ou não um passeio?
— Bem, certamente.
— Quem começa, então?
— Se prometer não fugir de mim ou me entregar ao seu pai, posso começar. — Ivy deu de ombros como se não se importasse, mas a verdade é que estava tremendo por dentro.
— Eu prometo. — E beijou uma das mãos dela, uma coisa que faziam naquele reino para provar suas promessas.
O beijo era como um carimbo e a mão simbolizava a promessa. A moça pensou por um longo tempo se deveria ou não mentir para o rapaz, mas levando em conta que ele estivera lendo sobre mediunidade, provavelmente já havia deduzido sobre o poder que ela possuía.
Ela respirou fundo e decidiu de repente que deveria dizer a verdade, afinal, ele salvou sua vida e ela a dele. Por que, então, não poderiam confiar um no outro?
— Sou uma mediadora. Tenho visões do que está acontecendo e do que vai acontecer através dos meus sonhos. Posso me comunicar com as almas das criaturas, tanto vivas como mortas. É por isso que sabia sobre os Trolls. — Ela analisou a expressão do príncipe, que ao mesmo tempo parecia e não parecia surpresa.
— Imaginei que fosse esse o motivo, mas foi apenas um tiro no escuro.
— Agora me conte o seu segredo.
— Só se me prometer não sair correndo e não contar a ninguém.
— Prometo. — E pegou uma das mãos dele, beijando-a rapidamente. O príncipe soltou um longo suspiro antes de responder.
— Sou, como chamam as lendas, um vampiro.
— É o que?!
A garota não sabia se seu coração havia disparado por medo do rapaz ou da palavra desconhecida. Talvez os dois. Nada comparado ao que havia passado em Ariem, mas mesmo assim era assustador.
— Quer dizer que sou uma criatura que sobrevive bebendo o sangue de inocentes através de minhas caçadas noturnas. Uso minhas presas para furar suas veias e assim sorver seu líquido vital. — Sua voz demonstrava o quão infeliz se sentia por ser o monstro terrível que descrevia. — Sou um assassino por necessidade. Tenho também algumas habilidades especiais, como agilidade, força e velocidade acima do normal. Também posso ler pensamentos se me esforçar.
— Isso.... — E forçou sua garganta a engolir em seco. — Isso é.... — Tinha que escolher as palavras com cuidado. O medo a estava dominando e ela sabia que ele conseguiria ler em seu rosto sua perplexidade.
— Não se preocupe em tentar me enganar com palavras. Já sei o que pensa sobre mim agora. — E após um longo suspiro frustrado, fechou a cara, tornando a encarar a fonte.
Ivy se manteve em silêncio pelo que pareceram horas, mas não passaram de minutos. O que poderia dizer a ele? Ele já havia lido seus pensamentos, sabia o que ela havia pensado sobre ele ao ouvir sua explicação. A falta de expressão no rosto também não ajudava muito a saber o que se passava na mente dele. Nenhuma pista sobre o que dizer ou sobre como agir.
Ela estendeu a mão, pretendia tocá-lo e dessa forma demonstrar que não sentia medo, mas suas mãos tremiam. Isso não era verdade. Ela estava, sim, com medo. Ela só conseguia pensar que o havia deixado velar seu sono durante a noite em Ariem. E que ele havia matado.... Ou será que havia caçado aqueles mortos que apareceram no quarto quando ela acordou?
— Você me pegou de surpresa. — Falou tão baixo que pensou que ele não a tivesse ouvido. Estava pronta para repetir quando ele tornou a virar seu belo e perigoso rosto para ela.
— Sim e não posso dizer o mesmo sobre você. Entendo que esteja com medo. É normal, mas acha mesmo que eu a mataria aqui e agora?
— Eu... não sei. Estamos sozinhos e você disse que ninguém mais se importa com esse lugar. Por que, então, não seria o momento perfeito para me matar? — E sentiu como se seu coração parasse de bater por um instante.
— Porque já tive a chance de fazer isso antes e não fiz. — Sua expressão era de tédio, mas um sorriso torto teimava em ganhar seus lábios.
— Isso é verdade. — E tornou a se fechar em seus pensamentos.
— Gostaria que não se fechasse assim. É tão bom poder conversar com alguém diferente para variar. — Ivy fitou os olhos tristes e cansados de Adrian e sentiu-se ela mesma assim.
— Diferente em que sentido? — E arqueou a sobrancelha, desconfiada sobre ficar ou não ofendida com o adjetivo empregado.
— O rei não deixa seus filhos conversarem direito, nem com os empregados. É bom ter alguém de fora com quem possa trocar palavras além de "trouxe seu jantar, Alteza", " eu lhe agradeço", "estou aqui para servi-lo" ou, na melhor das hipóteses, um "como vossa Alteza se sente hoje?", ao que respondo com um "muito bem, obrigado. E você?". — O sorriso em seu rosto tornou-se triste. — Nunca sei se os criados estão bem. Eles são proibidos de responder.
— Isso é ridículo! — Ivy disse sem pensar e corou quando o príncipe sorriu de leve.
— Sim. É deveras ridículo, mas por mais que eu insista, eles obedecem apenas ao meu pai. O medo os controla muito bem... outra diferença entre eles e a Senhorita. — E fitou-a pelo canto do olho, com o rosto novamente virado para a fonte.
— O que está querendo dizer? Que não o respeito ou que realmente não tenho medo do seu pai? — E encarou-o com as mãos na cintura.
— Creio que podes interpretar como desejar. — E sua risada alegre, porém contida, preencheu o ar ao redor deles. Era impossível não acompanhar seu riso agradável.
Ivy e o príncipe ficaram caminhando pelo labirinto até que o sol já estivesse alto sobre suas cabeças e deduziram que já era hora de ela partir de volta para casa. Aproveitariam que a enorme pança do rei estaria sendo preenchida por comida no salão de jantar e se esgueirariam pelos corredores do castelo, libertando Ivy das garras nojentas e sujas de Antony.
...
— Obrigada pelo passeio e pelas respostas, Adrian. — Sussurrou a moça ao descer da carruagem que o príncipe mandou arranjar para que fugissem. – Tem certeza de que vai ficar bem ao voltar para o castelo?
— Tenho. Meu pai não tem uma memória muito boa. Vou dizer a ele que mandei embora a camponesa que aprisionou no dia anterior e que ela estava bem abalada. Ele ficará contente com o suposto sofrimento.
Adrian mentia e esperava que lady Ivy acreditasse em sua farsa. A verdade é que passaria outra noite nas masmorras por ajudá-la a se esconder e fugir. Ele se forçou a lançar um breve sorriso antes de se enfiar novamente para dentro da cabine pequena.
— Tudo bem.
Ela ficou observando a carruagem partir até que sumiu de vista. Depois, ao entrar em sua própria casa, foi recebida por Marilyn, Jeff e os demais criados como se tivesse voltado dos mortos. O que quase havia acontecido mesmo....
— Ah, Senhorita Ivy! — Marilyn a abraçava forte, como uma mãe faria com sua filha. — Ficamos tão preocupados!
— Marilyn quase enfartou quando os guardas vieram buscar suas riquezas como pagamento por seu delito. — Jeff observava ambas com um olhar triste e distante. — Ela pensou que a tivessem executado. O que, de fato, aconteceu?
— Em algum momento talvez eu conte, agora não. Quero um banho e comida. Estou faminta!
Ao dizer isso parecia que suas palavras se concretizaram e seu estômago pesou de fome. Marilyn a guiou para sua suíte no andar de cima e preparou seu banho, enquanto a cozinheira fazia seu prato favorito para o almoço. O cheiro era sentido por toda a casa. Ensopado de frango.
Ivy contou quase tudo o que aconteceu para sua ama enquanto se banhava e esta pareceu completamente horrorizada, mas não a interrompeu em momento algum. Depois do almoço, a garota preferiu se deitar para descansar e relaxar após sua noite anterior. Dormiu até a hora do jantar, quando seu estômago a acordou para ser alimentado novamente.
Mesmo tendo dormido por toda à tarde, Ivy não teve dificuldades em dormir à noite. Talvez fosse a exaustão que Ariem e todos os acontecimentos haviam causado em seu corpo e mente. Marilyn fechou as cortinas e entregou à sua patroa uma xícara de leite quente com mel, que a ajudou a se acalmar ainda mais para dormir.
Ela não esperava mais encontrar com o príncipe Adrian depois de tudo o que passaram, mas, naquela noite, sonhou com ele. Sonhou..., mas sonhos não eram apenas sonhos. Não para uma mediadora como ela!
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