Cap. 32 - O Grimório das Trevas
Kadi e Ivy decidiram passar a noite no castelo de Scarlet, depois de tantas lutas e de todas as viagens precisavam descansar pelo menos por uma noite. O príncipe gostaria de descansar por muito mais tempo, mas sabia que não podia, pois o tempo era um de seus inimigos.
O Príncipe de Fogo acordou com batidas na porta e saiu da cama resmungando. Não havia planejado sair do quarto tão cedo, ainda mais agora que finalmente havia conseguido um momento a sós e em paz com Ivy.
— O que foi...?
A voz sonolenta dele condizia com seu rosto amassado e cabelo despenteado. Um bocejo escapou de sua boca, mas foi interrompido por alguém pulando em seu pescoço e quase o derrubando no chão.
— Mallya?!?
— Ah, Kadi! Eu fiquei com medo que você tivesse morrido! Perdi a pista de vocês em Aquarium e depois só ouvi algumas sereias dizerem que você morreu! – Mallya estava agarrada em seu pescoço e por mais que tentasse afastá-la era inútil.
— Você nos seguiu? Não ficou no acampamento como foi combinado? – Quando finalmente conseguiu se afastar dela, fez essa pergunta mais do que óbvia.
— Não. Quando começaram a atacar eu fugi para avisar você...
— Você fugiu? Mallya, eu não acredito nisso! Você era uma das líderes e abandonou o bando? Sabe o que isso significa? – Ela tentou responder algo, mas ele não permitiu. — Desonra! Você deveria ter ficado e lutado! Nós sabíamos de tudo o que estava acontecendo graças ao poder de mediunidade da Ivy!
— Ai, aquela garota ainda está viva? – Mallya se recuperou logo das palavras dele e espiou por sobre o ombro, avistando Ivy ainda deitada na cama. — Pensei que ela já estivesse morta.
— Saia daqui. – A paciência de Kadi não era das melhores e Mallya era uma das pessoas que mais o irritava. — Não tenho nada para falar com você. Não é mais uma de nós.
— O que?!? Mas, Kadi, eu fugi para avisar você! Achei que seria mais útil nessa missão do que lá no acampamento! Se eu tivesse ficado estaria presa agora!
— Eu não quero saber das suas desculpas. Ninguém mandou você aqui. Era para ter ficado e ajudado! Já parou para pensar que se tivesse ficado eles poderiam não ter sido capturados? – Kadi já estava falando alto nesse ponto, já não conseguia mais conter sua irritação.
— Uma única pessoa não tem o poder de mudar o destino, Kadi! Achei que soubesse disso melhor do que ninguém, afinal, seu plano para salvar o Príncipe de Gelo falhou completamente! – Ela também havia começado a gritar e lágrimas desciam pelo seu rosto, mas não eram lágrimas de tristeza. Eram de ódio.
— SAIA DAQUI! – Kadi gritou dando um soco na parede mais próxima. Por sorte era tão forte quanto o irmão e seus ossos não se quebraram. — Você não faz mais parte do bando!
— Ótimo! E quem vai ficar no meu lugar? Aquela nobrezinha mima...? – Mallya não teve tempo de terminar a provocação. Uma bola de energia voou em sua direção e a jogou para fora do quarto.
— Meça suas palavras antes de se referir a mim.
Ivy havia acordado com toda a confusão e ouviu parte da discussão. Não iria mais admitir que a chamassem assim. Sua paciência também tinha limites e Mallya havia ultrapassado todos eles.
— Belo tiro. – Adrian elogiou da porta e sorriu para ela. — Que garota chata.
— Ivy! Poderia ter acertado minha cabeça! – Kadi a encarou indignado, visto que a bola de energia tinha passado zunindo por ele.
— Está duvidando das minhas capacidades? – Ela lançou um olhar questionador a ele, mas isso levou os três a rirem da situação. — O que vamos fazer com ela?
— Prenda nas masmorras da Scarlet. – Adrian deu de ombros, indiferente.
— Isso não seria cruel demais? – Ivy cruzou os braços em frente ao corpo e observou o corpo de Mallya caído no corredor. — No final das contas é só uma garota obcecada por um amor impossível.
— Ela tem razão, Adrian. – Kadi sorriu para Ivy, era maravilhoso saber que o coração dela era puro mesmo com pessoas das quais não gostava. — Vamos só deixar ela ir.
— Tudo bem. Vou pedir aos guardas para levarem-na lá para fora. – Adrian deu as costas e seguiu até a garota. — É melhor vocês dois se arrumarem. Temos que partir em breve. Já desperdiçamos tempo demais.
...
O momento de partir finalmente havia chegado. Adrian havia conseguido o total apoio de Scarlet após uma longa conversa com sua criadora. Gordon já havia aceitado apoiá-los. Agora o maior desafio seria a luta contra Antony e Argus. Os três não sabiam que Antony estava trancafiado nas masmorras e que talvez nunca mais saísse de lá outra vez.
— Meu exército irá marchar para Eville e ficará a postos. Gordon enviou uma mensagem ontem a noite dizendo que estaria do nosso lado e que seus homens também estavam preparados. – Scarlet já não estava mais usando aquelas roupas finas e pomposas, usava uma armadura feminina que a deixava pronta para o combate.
— Agradecemos sua ajuda Scarlet, mas preferimos evitar o derramamento de sangue. – Ivy pontuou, só para deixar claro que os exércitos deles entrariam em ação somente se fosse necessário. — E não acho bom mandar todo os seus soldados para Eville. Ainda podem tentar atacar Guênas e Malibur. Envie uma mensagem ao Rei Gordon e explique para ele que deve mandar apenas a metade. Faça o mesmo também.
— Desde quando virou perita em estratégias de batalha? – Kadi arqueou a sobrancelha ao olhar para Ivy com um sorrisinho.
— Não sou nenhuma perita, mas eu sinto isso e meus instintos nunca me enganam. – Ela não caiu na brincadeira e respondeu com seriedade, fazendo com que Scarlet acatasse suas ordens. — Agora temos que ir. Teleportium Corpore Animae!
A Chave abriu um portal mágico que os levaria até a floresta do Norte. Tinham decidido em comum acordo que não seria prudente teleportarem diretamente no castelo. Antony e Argus provavelmente tinham planejado alguma armadilha. Kadi havia bolado um bom plano, que esperava não falhar dessa vez.
Conforme o plano os três simulariam uma batalha pela vila e deixariam que os guardas os capturassem. Quando entrassem com eles no castelo para prendê-los ou para levá-los até Argus, iriam rendê-los e então atacariam de surpresa. Só que eles não contavam que o feiticeiro estava preparado para um ataque surpresa. E Argus não contava com o Contra Plano.
O guardas foram instruídos a levar os três até o salão do trono, onde aguardaram pacientemente que Argus lhes contasse seu mirabolante plano para enganar o Rei Porco e assim tomar seu lugar no trono. Ivy sentiu a raiva borbulhar dentro de si pela maneira com que o feiticeiro falava de todas as mortes que foram necessárias para chegar onde estava.
— E você, Princesinha da Magia, será a cereja do meu bolo. Sua morte significará meu empoderamento total e ninguém terá poder suficiente para me deter! – A risada maligna dele ecoou junto aos corpos dos dez guardas que escoltavam os três jovens. — Mas o que é isso? Oh! Um ataque surpresa? Estou morrendo de... opa! Espera! Não estou com medo não.
— Agora! Ataquem! – Ivy gritou a plenos pulmões e os ladrões que os homens de Scarlet haviam libertado pularam de todos os lados rendendo os inimigos. — Você não vai vencer, Argus!
— Ainda acha que pode me enfrentar? – Argus estava nervoso pelo contra-ataque, mas não deixou isso transparecer. — Teve sua chance de desistir. Agora sofrerá pelo poder das Trevas! Pelos poderes do Grimório das Trevas eu invoco o exército das sombras para lutar ao meu lado! Excitabatur Tenebris Aeternam!
O castelo todo tremeu como se estivesse acontecendo um terremoto, grandes fissuras começaram a surgir no chão. Dali, diversas criaturas abomináveis e monstruosas surgiram como demônios das sombras. Os próprios guardas que antes lutavam para Argus conseguiram se libertar em meio ao desespero e fugiram assustados... ou pelo menos tentaram.
As criaturas de Argus não mediam esforços para atacar. Pareciam não pensar racionalmente e atacavam qualquer coisa que cruzasse seu caminho. Os ladrões e os homens de Scarlet recuaram um pouco, aguardando as próximas ordens.
— ATAQUEM! NÃO PENSEM DUAS VEZES ANTES DE MATAR ESSAS COISAS! – Kadi gritou a plenos pulmões para que todos ouvissem e com isso transformou-se em sua forma de tocha humana para atacar com mais rapidez.
— Agora os três reinos sofrerão perante o poder das Trevas! – Argus estava montado em uma das criaturas como se fosse um simples cavalo e ria de maneira insana, observando a luta que se desenrolava.
— Ivy, você estava certa! Ele mandou essas coisas para Malibur e Guênas também! – Adrian gritou enquanto atacava uma leva desses monstros horríveis. Eles não possuíam feições, eram como grandes silhuetas fantasmagóricas e gosmentas, feitas de piche.
— Já pode usar seus poderes especiais, Ivy! – Kadi gritou do outro lado, enquanto protegia um grupo de crianças que por algum motivo tinham vindo junto ao sair da masmorra.
— Certo. – Ela correu até o centro da batalha e usou um feitiço de proteção para que pudesse conjurar o poder dos objetos sem ser atrapalhada.
— A garota! Matem a garota! – Argus gritou de cima de sua criatura de trevas e uma enorme leva de monstros investiu contra Ivy, mas sua barreira de proteção os segurou.
— Argh! Não sei se vou aguentar me defender assim e ainda atacar. – Ela cambaleou para trás quando a onda de monstros atingiu sua barreira mágica. — Pelo poder da Coroa de Energia vou fortalecer os corações de cada um que está lutando pelo bem! Energis Corfortium!
Uma luz intensa iluminou a coroa, cegando os monstros que estavam prestes a atacar, e a energia da coroa correu pelo corpo Ivy seguindo depois para os corações de cada uma das criaturas que lutava para salvar Eville e toda a dimensão de Mistic Herz. Argus mandou outra leva de monstros, dessa vez ainda mais fortes, atacar e destruir a feiticeira.
— Pelo poder da Chave de Todas as Portas todos os que não deveriam estar aqui... – E pensou nas crianças e nos idosos que já não conseguiam mais lutar. — Serão transportados para um local seguro. Transportatio Loquen Securit!
O campo de batalha tornou-se menos lotado quando as pessoas que não podiam lutar foram retiradas de lá e agora todas as forças poderiam ser dirigidas ao inimigo em forma de ataque e não mais de defesa. Argus soltou um grito de ódio e invocou outra leva de monstros, dessa vez mais poderosos que os anteriores e com aparências ainda mais bestiais.
Kadi e Adrian eram tão poderosos quanto essas criaturas, mas os outros que lutavam estavam sendo massacrados e ela não podia deixar que isso continuasse. Se usasse agora o Anel da Lua para protegê-los não poderia usá-lo para outro feitiço, então só sobraria o Cetro do Sol. Seria suficiente para deter o Grimório de Argus?
— Pelo poder do Anel da Lua eu invoco o poder da luz que se transformará em armaduras para aqueles que lutam do nosso lado. Luminem Armenis!
Todos que estavam lutando pela salvação de Eville e de toda a dimensão foram envolvidos por armaduras de luz brilhantes. Com a ajuda de Ivy e dos objetos os combatentes ganharam fôlego para continuar a lutar.
— Muito bem, Ivy! – Adrian usou seu gelo para matar algumas das criaturas, mas elas continuavam aparecendo. — Você precisa derrotar a fonte dessas criaturas ou vão continuar aparecendo!
— Eu sei disso! – A feiticeira gritou de volta e passou a usar o Cetro para fatiar as criaturas e assim chegar mais perto de Argus. — Pelo poder do Cetro do Sol eu...!
— Não dessa vez! – Argus foi mais rápido e lançou um feitiço de magia negra que a lançou contra a parede e desarmou seu ataque. — Você é quem vai perder!
— Aaah! – O impacto fez com que Ivy perdesse o fôlego e o cetro caiu no chão, sendo chutado pelos outros até se perder. — Não...!
— Pelo poder do Grimório das Trevas eu invoco o poder da Serpente das Sombras, que ceifará a vida daqueles que entraram no meu caminho! – Mas antes que pudesse dizer as palavras mágicas uma enorme bola de fogo o envolveu. — O que é isso?!?
— Kadi? O Cetro aceitou seus comandos? – Ivy estava tão surpresa que esqueceu da dor que sentia pelo ataque.
— Não só me aceitou como está fortalecendo meus poderes. – O Príncipe de Fogo estava em chamas e Ivy teve que admitir que estava mais encantador do que nunca. Parecia uma espécie de espírito do fogo.
— Nesse caso... Adrian! – Ivy gritou e assim que o príncipe olhou em sua direção ela jogou o Anel da Lua para ele. — Use isto! Vai fortalecer seus poderes!
Mesmo que o anel não pudesse mais ser utilizado por ela para conjurar feitiços, ainda poderia ser útil para o Príncipe de Gelo, fortalecendo-o.
— Obrigado! – Adrian colocou o anel no dedo mínimo e testou seus poderes, que realmente ficaram ainda mais fortes. — Isso é incrível!
— Vamos atacar todos juntos! – Ela gritou e se ergueu. Concentrou-se no poder da Coroa de Energia e da Chave de Todas as Portas. — Lancem seus ataques para imobilizá-lo! Vou drenar sua energia!
Adrian correu até onde os outros estavam e com o poder do anel criou uma esfera de gelo que envolveu e se fundiu à de fogo. Ivy então começou a drenar a energia do inimigo.
Argus gritava de ódio e se debatia com a dor que os ataques lhe causavam. A dor era tão intensa que deixou o Grimório das Trevas cair e naquele momento sabia que perderia, mas não deixaria isso barato. Com suas últimas forças gritou o final do encantamento das Trevas.
A Coroa sugou todas as energias do feiticeiro, mas não conseguiu impedir que o Grimório libertasse a Serpente das Sombras. O castelo todo começou a chacoalhar e de dentro das páginas encantadas uma serpente escura como a noite surgiu, destruindo tudo em seu caminho.
— Kadi! Adrian! Evacuem o castelo! Os monstros das sombras serão devorados pela serpente também! Tirem todas essas pessoas daqui! – Ivy gritou se protegendo atrás de uma coluna e usando a chave para abrir portais e permitir a fuga das pessoas.
— E quanto a você? – Kadi perguntou de volta em meio aos gritos de terror.
— Eu vou colocá-la de volta no lugar de onde veio!
— Não vou te deixar aqui sozinha!
Kadi negou com o semblante sério e Ivy sabia que não teria outra escolha. Adrian também não quis acatar suas ordens, então foi obrigada a pegar os objetos mágicos que estavam com eles e empurrá-los sem dó para dentro do portal mais próximo.
— Sinto muito por isso. – Foram suas últimas palavras para os irmãos antes de vê-los partir pelo portal criado pela chave.
A serpente se alimentava dos corpos já caídos e sem vida, enquanto isso sua cauda balançava de um lado para outro destruindo tudo em seu caminho. Ivy sabia que teria que tomar muito cuidado e no fundo de seu coração sabia exatamente o que tinha que fazer. Isso devia ser algum tipo de dom especial das Guardiãs do Destino.
— Eu invoco o poder dos quatro objetos para fundi-los em um Portal de Energia contido pelo Fogo do Sol e pelo Gelo da Lua. Energis Portales Glaciem Solaris! — Ao fazer esse encantamento ela tinha plena certeza de que a Serpente seria extinta e todos os danos seriam reparados, mas para isso teria que pagar um preço alto.
O corpo dela se tornaria a base para a liberação da energia e a serpente seria sugada para o portal formado, desaparecendo para sempre junto com toda a maldade que Argus depositou no Grimório. Todos os cinco objetos mágicos não foram criados para a maldade, mas tudo depende de quem os está usando. Ivy estava tecnicamente limpando o objeto de suas energias ruins.
E pagando com sua própria vida, pois a energia era tão intensa que seu corpo seria completamente petrificado e sua alma permaneceria num estado de coma para todo o sempre.
...
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