Cap. 31 - As Guardiãs do Destino

Argus havia levado uma surra e tanto daquela garota. Tinha subestimado o poder dela, mesmo sabendo que estava com os objetos mágicos não imaginou que Adrian conseguiria se libertar só por estar cara a cara com ela e ver em seus olhos que não queria seu mal. É claro que Argus desconfiava de quem a garota era, mas não levou isso em conta.

E agora tiraria isso a limpo.

Chamou dois de seus guardas pessoais e seguiu até as masmorras, onde os ladrões e Antony estavam sendo mantidos presos. O Rei Porco já devia estar praticamente morto de desgosto por estar lá embaixo junto com aquelas pessoas e por estar a mais de duas horas sem alimentar a barriga gorda.

Assim que entrou na masmorra alguns dos prisioneiros começaram a fazer alarde para tentar assustá-lo, mas ele havia trazido o Grimório das Trevas consigo e assim que o tirou de seu esconderijo em sua capa negra como a noite, todos se calaram. Argus sorriu. Era desse tipo de reação que alimentava sua alma cruel.

— Levante-se, Rei Porco. – Ordenou de frente para o soberano, que estava sentado sozinho em uma das celas. — Levante-se ou terei que fazer isso com magia negra.

— Eu não preciso que fale duas vezes. Não sou surdo. – Antony retrucou e se levantou com dificuldade por causa de seu peso. — O que você quer?

— Você? Com quem pensa que está falando?

— Com um traidor.

— Ah, claro. Fico grato pelo elogio. – O feiticeiro sorriu maldoso. — Quero que me conte a verdade. Quem é a Terceira Criação? Quem é a garota que pode salvar Adrian e Kadi?

— Para que quer saber disso agora? – Antony encarou-o com desconfiança.

— É aquela garota, não é? Você sentiu isso desde que ela o enfrentou por causa de Adrian, estou certo? – Argus se aproximou ainda mais da cela e analisou todas as emoções que passaram pelo rosto do antigo rei. — Não adianta tentar se redimir agora e tentar protegê-la. Só pela sua expressão já obtive minha resposta.

— O que você pretende fazer? – Antony estava mais pálido do que já era e seus punhos fecharam-se numa manifestação de raiva contida.

— O que mais eu faria? Aparentemente ela já salvou os dois príncipes, agora terei que... matá-la.

O sorriso doentio do feiticeiro não chocou Antony tanto quanto deveria. Ele próprio já havia sorrido daquela maneira antes de cometer suas atrocidades. E não se arrependia da maioria delas. A única coisa que causava remorso no coração do Rei Porco era o fato de ter confiado em Argus. Um traidor seria sempre um traidor e ele aprendeu isso da pior maneira possível.

— Depois de matá-la irei destruir os objetos da luz e sugar todos os poderes de magia negra que ela possui. Serei a criatura mais poderosa da dimensão de Mistic Herz e dominarei tudo! TUDO! – Argus jogou sua capa na cara do rei e deu as costas para ele, saindo com seus guardas de volta à sala do trono, onde esperaria ansiosamente pela chegada de Kadi, Ivy e Adrian.

...

— Não. Eu conheci meus pais! Eu não fui criada pelo... Antony. Não. Não. Eu não. — Ela negava veementemente com a cabeça e se afastava dos dois príncipes como se eles fossem atacá-la a qualquer momento.

— Ivy, sei como é difícil. Fiquei sabendo da minha história em um livro antigo do castelo de Eville e neguei por muito tempo... – Adrian começou a falar, mas ela virou as costas e saiu correndo de volta ao castelo de gelo. — IVY!

— Não. – Kadi tocou o ombro do irmão, impedindo-o de segui-la. — Eu também sei pelo que ela está passando agora.

— Então.... Você também descobriu? Como?

— Lisandra me contou. – E deu de ombros, indiferente. — Eu saí correndo como ela acabou de fazer, deixei que minha raiva e tristeza me controlassem até que Ivy chegou e de alguma forma conseguiu me controlar.

— Então você precisa ir atrás dela! O que está esperando?

— Eu não sou bom com as palavras, Adrian. Nunca fui. – Kadi desviou o olhar e notou que Scarlet se aproximava deles com uma expressão confusa e preocupada.

— O que houve com a menina? – A rainha perguntou e quando seu olhar caiu sobre Adrian, deu um pulo para trás e se preparou para atacá-lo. — Por que ele ainda está vivo?

— Ele não está mais do lado do inimigo. Ivy conseguiu libertá-lo e logo depois descobriu que era a Terceira Criação, a criatura projetada por Antony para ser sua arma pessoal. – Kadi explicou sem muita cerimônia. Scarlet parecia estar em choque.

— Ivy é a nossa Princesa da Magia? A criatura capaz de salvar vocês dois da morte? – Ela perguntou como que para confirmar o que na verdade já sabia.

— Sim. Agora imagino que queira conversar com a sua criação, então vou ir lá para dentro e ver se consigo conversar com Ivy para acalmá-la. 

Com isso, Kadi saiu rapidamente deixando Scarlet e Adrian a sós. Não se sentiu mal por fazer isso, mesmo com o olhar irritado que o irmão lhe lançou. Afinal, ele também tinha tido que enfrentar seu criador sozinho.

Quando finalmente conseguiu encontrar Ivy em um dos quartos do enorme castelo, cerca de três horas já haviam se passado e ela estava deitada em uma cama dormindo. Provavelmente após ter passado as últimas horas chorando e quebrando objetos no quarto. Parecia que um tornado havia passado por ali.

...

Quando Ivy chegou em um dos quartos aleatórios de hóspedes não conseguiu mais se conter e deixou que toda a sua frustração saísse de uma vez. Ela gritou, chorou, socou os travesseiros e quebrou tudo que estava à vista. Não parou para pensar se teria que pagar por aquilo depois, mas tudo indicava que na verdade ela era mais rica do que achava ser antes.

Não queria acreditar que havia sido criada por alguém como Antony. Não a incomodava o fato de ser tecnicamente uma coisa, para ela isso não era importante, afinal, tinha sentimentos como pessoas normais e agia como uma pessoa normal. Só não conseguia aceitar que era filha do Rei Porco.

Aquele homem cruel, nojento e ignorante não podia ser seu criador!

Não estava certo!

E de repente ela entendeu perfeitamente como Kadi se sentiu quando Lisandra contou tudo a ele.

Naquele momento pareceu tão fácil chegar nele e dizer que tudo ficaria bem. Afirmar com toda a certeza do mundo que ele não era como quem o criou. Dizer com todas as letras que não importava suas origens, mas sim o que haviam se tornado por meio de suas ações e palavras.

Agora tudo isso parecia um monte de besteiras que só serviam para tentar amenizar uma verdade cruel.

Aos poucos o surto de raiva foi passando e só sobraram as lágrimas. Assim, ela se deitou na cama que era o único objeto não destruído por seus ataques. Chorou por um longo tempo até que as lágrimas a guiaram para um sono profundo e novamente Lisandra se ligou a ela por meio de seus poderes como mediadora.

— Ivy, sei que está me ouvindo. E posso sentir como está agora. – A curandeira a esperava no mesmo cenário de quando Marilyn se despediu dela pela última vez. — Chegou o momento de lhe contar a verdade. Devo isso à Marilyn.

— Eu não quero saber de mais nada!

— Mas você precisa. Foi o último desejo da sua guardiã e eu preciso cumpri-lo.

— Eu não...!

Você vai ouvir! – Lisandra aumentou o tom de voz para que a garota se calasse e prestasse atenção. — Marilyn foi escolhida para ser sua guardiã, Ivy. Assim como eu fui para proteger os dois príncipes. Nós duas nos conhecíamos porque tínhamos a mesma missão: proteger as três criações dos reis.

— Quantas mentiras mais serão reveladas sobre a minha vida? – A voz dela estava embargada pelo choro e por mais que isso partisse o coração da curandeira, sabia que precisava continuar.

— Marilyn e eu somos mediadoras poderosas e usávamos nossos dons para manter vocês três longe das ameaças até que fosse a hora certa. Marilyn tinha que mantê-la afastada de sua história e por esse motivo nunca a treinou enquanto mediadora. Isso desencadearia sua jornada mais cedo e não podíamos permitir.

— Então ela sabia de tudo o tempo todo, mas não me contou nada?

— Nós fizemos isso para proteger vocês. Fui obrigada a fazer o mesmo com Kadi e Adrian, até que fui expulsa do castelo e tive que me afastar dos príncipes, principalmente do príncipe de gelo. A partir desse dia sabíamos que seria questão de tempo até que tudo isso acontecesse. – Lisandra fez uma pausa e respirou fundo antes de continuar. — Os mediadores são chamados também de Guardiões do Destino, pois temos o poder de prever o que vai acontecer e assim fazer o possível para mudar isso.

— Então, por que não tentaram mudar nosso destino? Por que deixaram isso tudo acontecer?

— Por que há restrições no que podemos ou não mudar. Você vai entender isso também conforme for ganhando experiência ao longo dos anos. E você sabe por que também é uma mediadora?

— Eu não...! Espera! Sou uma guardiã também? Isso é...!

— Não! Não diga que é ridículo, besteira ou impossível. Você é um tipo diferente de guardiã, pois você foi escolhida para intervir diretamente na Linha da Vida de duas pessoas.

— Kadi e Adrian?

— Apenas você poderia salvá-los ou condená-los, por isso suas ações eram extremamente importantes para as vidas deles. Se tivesse feito algo de diferente, provavelmente eles estariam mortos.

— E está dizendo tudo isso para me fazer sentir melhor?

— Você já passou por essas provações, Ivy. O pior já passou. – Lisandra se aproximou dela e segurou suas mãos. — Agora vocês três definirão o destino de Mistic Herz ao lutar contra Argus e o Grimório das Trevas. Tomem muito cuidado e não subestimem o inimigo. Siga sempre o seu coração, pois ele sabe de coisas que até o próprio cérebro desconhece.

Com isso, Lisandra abraçou-a e lhe desejou boa sorte, cortando a conexão logo em seguida. Ela sentiu quando sua projeção voltou ao seu corpo físico e antes mesmo de abrir os olhos sentiu os braços de alguém a envolvendo.

— Que bom que acordou... – Kadi sorriu e a apertou mais no abraço. — Estava tendo outra daquelas visões?

— Sim. – Ivy se ajeitou nos braços dele e encostou a cabeça em seu peito. — Lisandra me contou tudo sobre minha história.

— Ah. – Ele não sabia mais o que dizer, então começou a acariciar as costas dela. — E o que ela disse?

— Ela explicou que Marilyn era minha guardiã e que ela era a guardiã de você e do Adrian. – As carícias dele pararam de repente, mas logo voltaram. — Elas são as Guardiãs do Destino e sua missão era nos proteger das ameaças até que chegasse a hora de tudo isso acontecer.

— É uma tarefa e tanto. Muita responsabilidade.

— Mediadoras são as Guardiãs do Destino.

— Espera! Mas você é uma mediadora também.

— Sim.

— E você é a guardiã de quem?

— Sua e do Adrian também. Eu era capaz de mudar a Linha da Vida de vocês. Por causa das minhas ações vocês poderiam viver ou morrer.

Um bolo se formou em sua garganta e lágrimas turvaram sua visão. Kadi parou de fazer carinho em suas costas para encará-la de frente.

— Ivy... – Ele segurou o rosto dela entre as mãos e encostou a testa na dela, fitando seus olhos. — Não importa.

— Como assim?

— Não importa se você pode ou não me matar. Fico feliz por estar vivo, assim posso salvar Mistic Herz e continuar a proteger as pessoas como fazia antes, mas acima de tudo, estou feliz por poder lutar ao seu lado.

— Kadi... Isso foi tão fofo. O que aconteceu com você?

— Eu até queria poder dizer que estava feliz por poder protegê-la, mas a verdade é que na maioria das vezes quem me salva é você.

— Eu sei. Não sou do tipo que gosta de ser resgatada.

— Sim e eu gosto de você exatamente por isso. Você me salvou do pior dos monstros.

— Você mesmo?

— Eu ia dizer que foi da Rainha das Fadas...

— Você é muito idiota! – E deu um tapinha no ombro dele, sorrindo. — Por que ainda espero algo de você?

— Porque ainda não te pedi em casamento.

— Kadi! – O rosto dela corou no mesmo instante. — Não pediu nem em namoro ainda!

— E você acha mesmo isso importante? Sério? Estamos no meio de uma guerra!

— Quem estava se declarando era você, não eu...

— É isso que eu ganho por tentar ser romântico?!?

E com isso envolveu a cintura dela com um dos braços e a puxou para um beijo com a outra mão. Ivy não resistiu. Tinham passado por tanta coisa juntos que as meras formalidades já não faziam mais sentido. Se ele havia ou não a pedido em namoro não importava quando ele havia arriscado a própria vida para salvá-la.

...

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