Scarlet levou os dois jovens até seu escritório particular, pegou uma garrafa de vinho tinto com três taças de cristal e ordenou que sentassem de frente para a mesa dela. Sentou-se na cadeira principal e serviu o vinho para eles.

— Eu não bebo, mas obrigada mesmo assim. – Ivy sorriu de leve e deixou a taça intocada.

— Não é educado recusar a bebida de uma rainha, querida. – Scarlet tomou um gole longo do vinho e a encarou. — Posso te oferecer outra coisa, então?

— Eu sinto muito. Não precisa se incomodar comigo. – Ela não conseguiu encarar a rainha e acabou desviando o olhar para as estantes cheias de objetos caríssimos.

— O que vocês desejam aqui? Como podem ter tanta certeza de que Antony vai me atacar? E que estará usando meu filho? – Ela bebia as taças de vinho cada vez mais rápido e não possuía sinais de embriaguez, enquanto isso, Kadi tinha bebido apenas uma e já estava um tanto quanto tonto.

— Kadi... – Ivy tocou o braço dele com delicadeza. — É melhor não beber mais nada. Você não está muito bem.

— Bobagem! Estou ótimo! – Ele retrucou tropeçando nas palavras sem perceber que seu corpo estava oscilando. — Já que você não bebe, vou aceitar por nós dois.

— Muito bem, querido. – Scarlet sorriu e encheu a taça dele outra vez. — Mas ainda não me responderam.

— Majestade, Kadi e Adrian foram sequestrados pelo rei Antony há muito tempo atrás e ele criou os meninos para serem suas armas. Os objetos que o levariam a dominar toda a dimensão de Mistic Herz. Kadi foi criado por Gordon, acho que se lembra disso. Ele é o Príncipe de Fogo. – Ivy tomou a frente e começou a explicar ao notar que Kadi não estava mais em condições de responder.

— E o que eu tenho a ver com essa história toda? – Ela encheu a taça de Kadi outra vez e voltou a encarar Ivy.

— Você conhece seu irmão e sabe como é sua sede por poder. Agora ele se uniu ao feiticeiro Argus e os dois estão planejando dominar Malibur e Guênas. Eles não medirão esforços e matarão você e Gordon se for necessário. – Ela sabia que precisava falar com cuidado, Scarlet além de bonita era muito temperamental.

— Nada disso me garante que eles virão atacar. – A rainha deu de ombros e sorriu maliciosamente para Kadi. Ivy foi obrigada a olhá-lo também.

— O que está fazendo?

Ela tentou puxá-lo de volta para a cadeira, mas ele já havia levantado e agora estava dançando de um jeito estranho pela sala. Aquilo não era normal. Os ladrões bebiam muito e Kadi sempre bebia com eles, não era tão intolerante assim. Então, Ivy finalmente percebeu o que tinha acontecido.

— O que você colocou na bebida, Scarlet?

— Demorou para notar, menina, mas ainda bem que percebeu. – Scarlet riu maldosamente e levantou da cadeira seguindo em direção ao príncipe. — Se ele tivesse tomado mais uma taça seria fatal. Ficaria nesse estado de alucinação para sempre.

— Ele está alucinando? – Ivy se levantou depressa e correu até ele. Assim que chegou perto Kadi desabou no chão e começou a se debater. — Scarlet! O que está havendo? Faça parar! Você é louca? Por que fez isso?

— Eu sei porque vocês estão aqui! São apenas ladrões! Querem roubar o Anel da Lua! – E assim mostrou o anel de aro prateado com uma pedra perolada brilhando à luz dos candelabros. — Eu os trouxe aqui porque gosto de acabar com meus inimigos pessoalmente.

— Scarlet, por favor, faça isso parar! Você não entende! Antony está vindo e ele vai destruir seu reino se for preciso! Seu povo vai morrer!

Ivy não conseguiu se controlar, estava desesperada. Ela precisava convencer Scarlet, mas como faria isso? Os olhos dela brilhavam maldosos como os de Antony quando matava ou castigava alguém.

— Meu povo é mais forte do que você pensa, garota estúpida! E se pensa que lhe darei meu anel, está muito enganada! É você quem me dará o Cetro, a Coroa e a Chave!

Scarlet pulou para cima dela com as unhas prontas para atacar. Ela era tão rápida que Ivy não teve tempo de desviar e seu rosto acabou sofrendo o ataque ferino dela.

— SCARLET! Pare com isso! Você não está entendendo? Inocentes serão mortos! Muita gente vai sofrer! Antony mandará o Príncipe de Gelo porque aqui seu poder é maior! – Ela não estava conseguindo raciocinar direito com a velocidade da luta e os gritos de agonia de Kadi.

— E é exatamente por isso que você me dará os objetos mágicos que conseguiu! Com eles serei capaz de trazer meu filho de volta para mim! – Ela usou o Anel da Lua para jogar um raio de gelo poderoso na direção da feiticeira, mas dessa vez Ivy foi rápida e usou o Cetro do Sol para se proteger.

— Scarlet, isso não vai dar certo! A única maneira de salvá-lo é com a Terceira Criação! A garota que pode quebrar a maldição e impedir que ele morra!

— Sua imbecil! Não está vendo que isso tudo é inútil? Você vai perder porque se cansará fácil! Eu sou mais forte, mais rápida e tenho mais energia que você! – Scarlet tornou a atacar e dessa vez conseguiu arremessar Ivy contra uma das estantes, fazendo com que os objetos ali caíssem em cima dela.

— Aaaah! – O impacto do golpe tirou o fôlego dela, mas ela sabia que as palavras de Scarlet não eram verdadeiras. A energia que ela tinha seria amplificada pela Coroa de Energia. — Scarlet, por favor. Ouça o que tenho a dizer...

— NÃO! Guardas!

Cerca de dez vampiros entraram num rompante no escritório e Ivy foi obrigada a admitir que não conseguiria vencer todos eles. Mesmo com o poder dos objetos eles eram muito mais rápidos que ela e ela estava sozinha.

— Peguem ela! Quero a coroa, o cetro e a chave!

Ivy até conseguiu derrubar três ou quatro deles, mas outros três a imobilizaram e retiraram os objetos dela com brutalidade. A retirada dos objetos fez com que seus sentidos vacilassem e a última coisa que viu foi o rosto doentio de Scarlet sorrir triunfante.

...

Scarlet estava muito orgulhosa de si mesma por seu incrível desempenho. Havia conseguido notar as verdadeiras intenções dos dois jovens assim que entraram e mesmo que soubesse que aquele rapaz era mesmo o Príncipe de Fogo, tinha absoluta certeza de que estava ali apenas para tentar roubar seu trono e seu anel.

— Os dois já foram levados para as masmorras, Majestade. – Um de seus vampiros da guarda retornou para informá-la e ela o dispensou rapidamente. — Ótimo. Menos dois inimigos para minha lista.

Ela ordenou que montassem um novo banquete na sala de jantar, já que seu café da manhã havia sido interrompido. Enquanto isso pegou outra garrafa de seu vinho especial, era uma bebida que só afetava criaturas de fora de seu reino e as fazia alucinar até que o efeito passasse. Dependendo da quantidade que a criatura bebesse nunca passaria, mas no caso do príncipe, por ser um ser especial, talvez não durasse mais do que três ou quatro horas.

Seria maravilhoso poder matar o filhinho de Gordon para provar que seu reino não era mais fraco só por ser completamente coberto de gelo. Até o Príncipe de Fogo sucumbiu ao seu poder gelado, logo todos os demais iriam temê-la e respeitá-la outra vez. Estava farta de ser apenas conhecida como a Rainha da Beleza, gostava de ser bela, mas queria ainda mais ser temida.

Conquistar por amor era estupidez, logo haveriam levantes e seria destronada. Não faria algo tão estúpido outra vez, ao seguir o exemplo de Gordon, que havia se tornado um rei bom e honrado. Não. Ser temida era muito melhor. Governar por medo era muito mais eficiente.

A Rainha seguiu para seu banquete e se deleitou com o sangue das presas, que mal sabiam estar sendo mortas para uma comemoração de vitória. Ela dançou com seus convidados e aproveitaram cada segundo da festinha particular para se divertir. Ela usava a coroa, o cetro e a chave como se fossem troféus.

Ao final do banquete ouviu-se um estrondo muito forte do lado de fora e quando olhou pela janela percebeu que a vila lá embaixo estava sendo destruída. Havia caos e gritaria por toda a parte e seus ouvidos supersensíveis conseguiam ouvir os guardas que lutavam na entrada do castelo.

"Isso era ruim. Muito ruim." Pensou ela.

— Aqueles dois tinham razão... – Sussurrou para si mesma ao avistar no pátio do castelo seu filho, o Príncipe de Gelo.

O coração de mãe dela, que havia há muito tempo sido congelado, agora voltou a bater forte e sentiu lágrimas em seus olhos. Então era tudo verdade. Adrian estava vivo, mas estava ajudando Antony a dominar os outros reinos. Scarlet sentiu o braço de um de seus seguranças pessoais a segurar e arrastar em direção aos esconderijos do castelo.

— Não! Não vou me esconder! – Era a hora perfeita para testar o poder dos objetos que havia roubado. — Eu posso vencer!

Mas quando ela tentou ordenar ao Cetro do Sol para lhe dar o poder do calor das chamas da grande estrela, nada aconteceu. Tentou canalizar a força da Coroa de Energia para seu corpo, mas esta também não funcionou. Por fim, experimentou a Chave de Todas as Portas e novamente nada aconteceu.

— Majestade, o que foi? Por que não estão funcionando? – O guarda olhou assustado, pois os inimigos já tinham conseguido invadir o castelo. — Temos que ir!

— Não. Você vai. Vai levar essas coisas para a garota que mandei prender mais cedo. Diga a ela que me arrependo de tudo o que disse e que preciso da ajuda dela. – Scarlet entregou todos os objetos, inclusive o Anel da Lua, e se preparou para a batalha.

— Não posso deixá-la aqui sozin...

— VÁ RÁPIDO! OU VAMOS TODOS MORRER!

Com essa ordem tão bem declarada o vampiro não teve mais como discutir e saiu correndo a toda velocidade em direção às masmorras do Castelo de Gelo, onde, com sorte, Ivy e Kadi ainda estariam vivos.

...

Quando foram jogados nas masmorras, Kadi ainda estava alucinando, mas parecia mais estar tendo pesadelos, pois estava com os olhos fechados. Os vampiros deixaram os dois na mesma cela, pois tinham plena certeza de que não conseguiriam escapar.

Ivy tentou destruir as barras de gelo, mas eram indestrutíveis e sem os objetos mágicos não tinha energia suficiente para tentar um feitiço de teletransporte. Não que o feitiço a ajudasse muito, porque mesmo que saísse dali Kadi ainda estava mal e não poderia ajudá-la. Sozinha seria quase impossível fugir.

O frio nas masmorras era ainda pior que a temperatura geral do castelo e ela tinha quase certeza de que acabaria morrendo congelada. Por sorte, Kadi, mesmo alucinando, continuava com o corpo quente e protegido. Ser capaz de controlar o fogo devia ser bem útil. Ela, em compensação, estava tremendo tanto que seus dentes batiam um no outro.

Precisava ajudar ele a se acalmar para que assim pudesse ficar ao seu lado e ter uma chance de sobreviver ao frio. Fechou os olhos e se concentrou nas lições de Lisandra para acalmar uma alma atormentada. Ajoelhou ao lado dele e colocou uma mão sobre a outra, fechou os olhos e recitou o feitiço que havia aprendido.

— Encantare Lenire Animae, Lenire Excrucior Animae! — Sua magia verde correu por todo o corpo e se concentrou nas palmas das duas mãos, com isso foi possível transferir sua paz e tranquilidade para o corpo e a alma dele.

Aos poucos Kadi parou de se debater e Ivy sentou-se recostada na parede, com a cabeça dele apoiada em sua barriga. O calor que emanava do príncipe era suficiente para que não morressem de frio. Era só questão de tempo até atacarem o castelo e Scarlet perceber que havia cometido um grande erro.

Ivy estava cansada de toda a viagem e de todas batalhas que enfrentaram nos últimos dias, então fechou os olhos e deixou que o sono a embalasse por um tempinho. Descansar também era muito importante e não poderia fazer mais nada presa ali com Kadi nesse estado.

Enquanto dormia ela recebeu outra mensagem de Lisandra.

E dessa vez era um aviso muito importante.