Cap. 24 - O Cetro do Sol
Ivy havia sentido todas as suas energias se esgotarem de repente e mal teve tempo para pedir que Kadi a segurasse. Estranhamente, quando abriu os olhos novamente, não sentiu que estava no lugar certo.
Nem na forma certa.
Por algum motivo ela estava flutuando pelo acampamento dos ladrões e seu coração batia assustado pelo que estava vendo. Onde antes havia um ambiente bonito, alegre e cheio de vida, agora só se via gelo e destruição. Com certeza alguma coisa havia acontecido, mas seria aquilo o passado, o presente ou o futuro?
Ela tinha certeza de que não era um simples sonho. Seus olhos se encheram de lágrimas ao notar que estava tudo destruído. De repente, sentiu uma forte onda de energia e algo dizia que era para seguir esse rastro.
A trilha de energia a levou até as masmorras do castelo de Eville, onde pôde sentir o medo e o desespero de cada coração aprisionado ali. Foi preciso muita força interna para não perder a conexão com a energia que a chamava.
— Aqui... aqui, menina... siga-me...
Ivy reconheceu a voz que a chamava e flutuou ainda mais depressa. Nesse ponto já havia compreendido que não estava ali fisicamente e que por esse motivo podia atravessar os objetos. A voz e a energia que a guiavam eram as de Lisandra.
— Lisandra! Estou aqui! – Tentou falar em voz alta, mas tudo o que saiu de sua boca foram sons sem sentido.
— Acalmem-se, Ivy. Você ainda não domina bem esse tipo de poder. Apenas escute o que tenho a dizer.
Ela assentiu, mas não conseguia deixar de sentir-se frustrada. Tinha poderes incríveis, mas não era capaz de usá-los com perfeição. Era tão inútil ainda...
— Não se sinta mal por isso. Você irá evoluir muito nesta jornada. – Lisandra sorriu para ela de dentro da cela. — Antony destruiu o acampamento e capturou todos nós com a ajuda do príncipe de gelo. Você e Kadi precisam se apressar. O desafio maior estará em convencer Scarlet a combater o próprio filho. Vocês já possuem a Chave de Todas as Portas, mas ainda precisam de mais três objetos.
A curandeira tentava explicar tudo rapidamente, pois sabia que a garota estava sofrendo pela conexão forçada da qual ainda não possuía controle. Infelizmente, precisava ser clara e passar tudo com detalhes.
— Em Malibur terão que ajudar o Rei Gordon a defender o reino para ganhar o Cetro do Sol. No sub-reino de Aquarium conquistarão a Coroa de Energia e em Guênas estará o Anel da Lua. – A conexão estava começando a falhar, mas Lisandra ainda teve tempo de acrescentar mais uma informação. — Argus detém em seu poder o Grimório das Trevas e o usará para deter vocês e seus aliados. Tomem cuidado com o Príncipe de Gelo, ele não está em sã consciência.
Com isso, a conexão foi interrompida e Ivy voltou ao seu corpo físico. Ao abrir os olhos viu uma senhora de cabelos brancos e olhos azuis a observando com uma expressão de alívio. Percebeu que estava deitada numa cama confortável e luxuosa. Todo o cômodo estava com cheiros engraçados e ao mesmo tempo tranquilizantes.
— Quem é você? Onde está o Kadi? – Ela tentou se sentar no mesmo instante, mas a mulher a impediu.
— Descanse, mocinha. Conexões assim são cansativas, ainda mais se você ainda não sabe controlá-las direito. – O sorriso dela tranquilizou um pouco Ivy, pois não parecia uma pessoa ruim. — Sou uma curandeira, meu nome é Margot. E seu namorado está em uma audiência com o Rei Gordon.
— Não acredito! Era para ele me esperar! Ele vai acabar estragando tudo e... Espera! Namorado?!? Como assim? – Dessa vez os reflexos de Margot não foram tão rápidos e Ivy se pôs sentada.
— Fique calma. Já estão conversando faz uma hora e nada parece estar saindo do controle. Pelo menos o Rei Gordon não mandou preparar a guilhotina ainda. – E deu uma risadinha.
— Guilhotina? – Ivy não pôde deixar de arregalar os olhos. — Onde eles estão? Quero ir até lá agora!
— Mas...!
— Não será necessário. – A porta se abriu e Kadi e o Rei Gordon entraram acompanhados por quatro guardas.
O Rei não mostrava seu rosto a ninguém e todo o seu corpo era coberto por sua armadura brilhante. Ivy lembrava de Lisandra ter dito algo sobre o Rei Feio. Dizia a lenda, e talvez até fosse mesmo verdade, que Gordon possuía o rosto completamente desfigurado por conta de um encantamento de magia negra. Era por esse motivo que quase nunca tirava a armadura e, quando a retirava, estava sempre mascarado.
— Majestade, Kadi, tenho novas informações. Lisandra entrou em contato comigo e nos orientou a ajudar na luta contra o exército do Rei Antony. – Ela achou melhor contar logo de uma vez sobre o ataque. — E Kadi... eles atacaram o acampamento. Argus e o Príncipe de Gelo destruíram tudo e levaram todos que viviam lá como prisioneiros.
— O que?!? – O choque era visível no rosto dele, tanto que foi obrigado a se sentar em uma cadeira próxima. — Diga que é uma brincadeira de mau gosto, Ivy. Isso é só invenção sua numa tentativa idiota de me assustar!
— Quer dizer que Antony já encontrou o esconderijo de vocês e destruiu tudo? – O rei Gordon perguntou mais como uma afirmação. Sua voz saía engraçada por causa do elmo.
— NÃO! – Kadi gritou irritado e se levantou novamente. — Isso é mentira! Só pode estar inventando tudo! O esconderijo é protegido! Meus homens são treinados e capacitados!
— Mas não eram todos ladrões? – Gordon pontuou no pior momento possível, pois Kadi voou em sua direção pronto para uma briga.
— Podem até ser chamados de ladrões, mas são muito melhores que a maioria dos cavaleiros! – O príncipe havia perdido a razão e continuava a falar num tom alto demais enquanto os guardas de Gordon o seguravam com dificuldade. — Eles têm mais caráter do que muitos dos seus guardas! São pessoas que foram rejeitadas e condenadas injustamente pelo Rei Porco! A maioria deles tem uma família e luta por ela e por um lugar para morar!
— Kadi, já chega! Não viemos comprar briga com o rei. Viemos para alertá-lo. Para ajudar e pedir ajuda. – Ivy levantou da cama e seguiu até ele, ficando frente à frente. — Pare de agir por impulso. Pare de descontar nas pessoas a sua raiva.
— Ivy, você... – Ele a encarou fixamente e falou devagar. — Você é só uma nobrezinha mimada. Não sabe do que está falando! Não sabe nem porque está lutando!
— Soltem ele. Deixem ele ir. – Ivy falou em voz baixa e os guardas de Gordon soltaram Kadi.
Ela apenas ficou observando enquanto ele saía do quarto, batendo a porta. Gordon tentou falar alguma coisa, mas acabou desistindo e se retirou com seus homens. Antes de sair disse que daria todo o apoio que eles precisassem nessa batalha e até mesmo na guerra.
— Mesmo meu filho sendo assim como é... Não vou negar meu apoio. – E quando já estava na porta, acrescentou. — Fui eu quem o criou assim. A culpa é toda minha.
— Sei que deve estar bem chateada, Lady Ivy, mas vocês devem estar enfrentando momentos difíceis e paciência é muito importante. – Com isso, a curandeira seguiu até a porta e se retirou também.
...
Kadi correu pelos corredores do castelo como se estivesse fugindo da própria morte, mas infelizmente a ceifadora o seguia de perto. O fogo em seu peito voltou a arder mais do que nunca e ao puxar as mangas da blusa ele notou que seus braços estavam ficando cada vez mais escuros, fruto do calor que o queimava aos poucos.
Tudo que ele precisava era ficar sozinho, não queria nenhum idiota palpitando sobre o que devia ou não fazer. Ele havia treinado muito bem os ladrões que restavam e não conseguia compreender como tinham sido descobertos. O esconderijo era protegido por magia negra!
Mas se fosse mesmo verdade o Rei Porco estava contando com a ajuda de Argus e do Príncipe de Gelo. Eles deviam ter descoberto uma maneira de ultrapassar a barreira mágica e entrar no acampamento sem que desconfiassem...
Foi então que Kadi percebeu o seu grande erro.
Os pombos do Espanta Pombos estavam conseguindo entrar e sair. Adrian havia mandado uma mensagem para ele e provavelmente Argus tinha conseguido descobrir. Devem ter chantageado o velho até que lhes mostrasse o trajeto percorrido pelo animal e assim encontraram o acampamento.
Quantos estavam mortos? Quem ainda estava vivo? Havia sobrado alguma coisa naquele lugar que chamavam de lar? Havia sobrado qualquer esperança para aquelas pessoas? Ele quase podia sentir o desespero que enfrentaram ao voltar para as masmorras.
Era tudo culpa da garota! Depois que havia conhecido Lady Ivy tudo o que havia construído começou a desmoronar! Todas as suas mentiras. Todos os seus disfarces. Todas as pessoas que protegia. Tudo havia ido por água abaixo por causa dela. Se ela não tivesse se intrometido ele jamais teria sido descoberto e nunca teriam seguido nessa missão idiota.
O esconderijo nunca teria sido descoberto e aquelas pessoas, aquelas famílias, sua família, nunca teriam sido capturados.
Kadi estava cego pela raiva. Era incapaz de pensar com sensatez e por isso havia descontado tudo nos que estavam a sua frente. Tudo o que havia construído até então dentro de si, todas aquelas coisas boas e sentimentos puros, haviam sido deixados de lado para dar lugar à fúria desenfreada.
Só que seus passos o levaram para uma torre e nesse exato momento ele pôde ver outro desastre acontecer: o exército de Antony havia chegado...
E estavam destruindo tudo em seu caminho.
...
Ivy não conseguia acreditar no que havia acabado de acontecer. É claro que toda sua vida tinha virado de cabeça para baixo, mas nada no mundo era capaz de preparar alguém para tamanha decepção.
Na hora, não conseguiu dizer nada para ele. Mal tinha conseguido compreender bem o que estava dizendo, mas agora estava tudo bem claro. Kadi não acreditava nela. Não confiava nela. Só havia concordado que viesse junto porque Lisandra o obrigou. Mesmo com seu desempenho em Farilyn ele ainda não a via como uma igual.
Infelizmente, ela não teve muito mais tempo para ficar triste, com raiva ou o que quer que estivesse sentindo naquele momento. Um grande sino começou a tocar e suas badaladas fizeram as paredes do castelo tremerem. Nos corredores ouviu pessoas correndo apressadas e alguém começou a gritar que estavam sendo atacados.
Ao sair para verificar o que estava acontecendo não conseguiu parar ninguém para perguntar. Começou a andar depressa, tentando encontrar o rei Gordon ou Margot, mas não os encontrou. Seus passos a levaram para uma área deserta do castelo e logo se viu sozinha em meio aos corredores sombrios e gelados.
E para piorar a situação, não fazia ideia de como havia chegado ali. Estava perdida. Sabia que não podia se desesperar, então continuou a andar, mas acabou num corredor sem saída e sem portas. Por que teria um corredor assim no castelo?
— Opa! Ai! – A Chave que estava pendurada em seu pescoço como um colar começou a vibrar e brilhar. — O que está havendo?
A Chave pulou para frente e começou a arrastá-la em direção à parede. Ivy tentou resistir, mas foi inútil. O objeto parou de frente para a parede sólida e ficou assim como se estivesse apontando uma saída.
— Só pode ser brincadeira... – Ela resmungou e tentou puxar a chave, mas ela nem se moveu. — Só se... Teleportium Corpore Animae!
O brilho que a chave emitiu foi tão intenso que ela foi obrigada a fechar os olhos e se afastar. Quando os abriu novamente uma porta havia aparecido onde antes estava apenas a parede sólida. Aquilo com certeza era obra de magia negra.
Não pensou duas vezes se deveria ou não entrar, empurrou a porta e entrou devagar. Era uma sala pequena e escura, sem qualquer tipo de mobília. No centro do cômodo tinha uma elevação em forma de círculo como se fosse um palco.
Ivy subiu naquela coisa como se estivesse sendo empurrada para lá por uma força invisível. No centro do círculo estava um buraco como o de uma fechadura. A Chave de Todas as Portas pulou novamente, arrastando-a de joelhos até se encaixar com um clique.
— Certo. Acho que agora eu preciso girar isto. – Ivy segurou a chave com força e a girou na fechadura.
O chão começou a tremer e ao seu lado subiu uma caixa de vidro com algo parecido com uma bengala dourada dentro. Seria aquele o Cetro do Sol do qual Lisandra havia falado? Ela retirou a chave do buraco e foi até a caixa de vidro, esperando que se abrisse.
— Não? Não vai abrir? – Perguntou mesmo sabendo que não obteria resposta. — Tudo bem, então.
Um chute bem dado bastou para quebrar o vidro fino. Ela pegou o cetro do chão e no mesmo instante sentiu o poder invadi-la como se fosse uma forte rajada de ar quente. Era um poder quente e agradável.
— Acho que tenho que usar essa coisa para derrotar o exército de Antony... E sinto que estão atacando agora.
Ela fechou os olhos e deixou que os sentidos paranormais a guiassem. Saiu correndo com pressa e de repente os corredores lhe pareciam familiares. Ela sabia exatamente para onde ir. A batalha não havia chegado no castelo, por isso muitas vidas inocentes estavam sendo tiradas lá na vila.
E ela tinha que protegê-los.
...
Kadi já havia voado para a vila em sua forma de fênix e agora lutava com todas as suas forças para deter os ataques dos inimigos. Aparentemente, Argus ainda não havia modificado muito os guardas. Pareciam os mesmos, só que com alguns truques nas mangas e provavelmente sem coração no peito.
Diferentemente do Rei Antony, Gordon tinha feito questão de participar da batalha e por isso estava lá com seus homens, arriscando sua própria vida. Os metamorfos lutavam de maneira diferente, eles usavam seus poderes com consciência, enquanto os feiticeiros do exército de Antony apenas atiravam para todo lado seus feitiços.
O príncipe de fogo não queria admitir, mas seu criador não era como diziam as lendas. Ele não parecia a criatura cruel e sanguinária que diziam que era. Os livros diziam que o Rei Feio era vingativo e muito injusto, que baseava seu julgamento no próprio estado de espírito. E para especificar, seu estado de espírito geralmente era muito ruim por causa de sua feiura.
— Cuidado, garoto!
Kadi havia se distraído com seus pensamentos e um dos inimigos aproveitou para lançar um feitiço de água nele, mas Gordon se atirou na sua frente e o protegeu com seu escudo. Isso só fez com que se sentisse mais confuso.
— Precisa tomar mais cuidado. Preste atenção na luta! Não te criei para ser assim.
— Você não é meu criador. – Kadi falou entredentes e se transformou numa tocha humana para voltar a atacar com força total.
Agora finalmente estava tendo um bom motivo para descontar a raiva sem se arrepender depois. Só que a luta não durou muito mais. Um brilho muito forte apareceu no coração da batalha e todos foram obrigados a cobrir os olhos, menos Kadi, que era perfeitamente capaz de enxergar por causa de sua forma de tocha.
— O que é isso? – Gordon gritou recuando um pouco e seu grito foi ecoado por muitos outros.
— Essa luta está tirando a vida de inocentes e vai acabar agora! – A voz de Ivy soou perfeitamente clara por toda a vila, que havia se tornado um campo de batalha. — Todos cujo coração não for aquecido por motivos nobres serão transformados em areia pelo poder do Cetro do Sol!
Com isso, uma enorme onda de poder foi lançada por todo o reino de Malibur e todos os que estavam lutando por motivos maldosos foram transformados em areia. Kadi mal podia acreditar que tudo tinha acabado assim tão rápido. Como Ivy tinha conseguido esse poder? Quando conquistou o Cetro?
— Ufa! Isso foi... aterrorizante. – Ivy correu até onde o Rei Gordon e seus homens estavam reunidos, ainda tentando entender o que houve. — Majestade! O senhor e seus homens estão bem? O povo está salvo?
— Sim, estamos todos bem. O povo está a salvo, Lady Ivy, graças a você. – A expressão do rei era indecifrável por conta da máscara, mas todas as pessoas ali estavam em choque.
Cada rosto ali presente estava observando Ivy com admiração, surpresa, respeito e até um pouco de medo. O que ela havia feito por eles era algo que jamais poderiam pagar. Ela havia salvo o povo de Malibur. Ivy, a garota que ele havia chamado de nobrezinha mimada, havia salvo todo o reino do homem que o criou. Consequentemente, todo o reino que deveria pertencer a ele.
Sua chama havia se apagado. Kadi se aproximou de onde Ivy estava e notou que todos os cavaleiros de Gordon estavam ajoelhados em sinal de respeito a ela. O Rei anunciou um grande banquete no castelo para comemorar essa vitória e prometeu ajudar a reconstruir tudo que havia sido destruído pela batalha.
— Lady Ivy, acredito que esteja exausta. Todos estamos. Vamos voltar ao castelo. Hoje à noite teremos uma grande festa em sua homenagem. – O Rei ofereceu o braço para ela e seguiram juntos para o castelo.
Kadi foi o último a ir. Ainda não havia conseguido compreender a enorme burrada que havia cometido.
...
A festa tinha sido maravilhosa, mas eles estavam correndo contra o tempo, então foram obrigados a se despedir de Gordon. Antes de partirem, Ivy contou como havia encontrado o Cetro e que provavelmente era um tesouro que pertencia a Malibur.
— Não, Lady Ivy. A senhorita foi escolhida para achá-lo e ele pertence a você agora. Encare como um presente por ter salvo meu reino. – Gordon fez uma curta mesura e se despediu deles.
— Muito obrigada. Infelizmente a batalha está longe de acabar. Espero que tenhamos sorte em Guênas e... Tome cuidado com possíveis novos ataques. – Ivy acenou para Margot, que os observava de longe, e finalmente entrou no portal que os levaria a Aquarium.
Eu juro que tentei achar uma imagem para o Rei Gordon numa armadura dourada, mas as pesquisas só me levavam aos Cavaleiros do Zodíaco, então tive que deixar essa mesmo.
Espero que estejam gostando!
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