Cap. 18 - Os Três Reinos

Alguns dias haviam se passado desde que Ivy foi atacada na prisão dos ladrões. Agora ela já estava se sentindo bem melhor e participava das reuniões e das tarefas no acampamento. Ao saber que Jefferson estava vivo, seu coração tornou a se encher de esperança e mesmo que a dor da tristeza por ter perdido Marylin a assombrasse, ainda era capaz de sorrir e de lutar.

Kadi ainda não havia pedido desculpas pelo que ele tinha feito e continuava culpando os outros, o que a impedia de perdoá-lo totalmente. E apesar disso a amizade entre os dois estava bem mais forte do que antes. Andavam quase sempre juntos e cumpriam missões juntos. Quem não estava gostando nada disso era Mallya.

A garota insistia em dizer que Lady Ivy não era confiável e que ter ela nas missões com eles era apenas um empecilho, mas infelizmente a feiticeira estava se mostrando muito útil frente ao campo de batalha. Seus feitiços eram poderosos e vez ou outra ela tinha visões que os ajudavam a antecipar coisas que viriam a acontecer.

Em pouco tempo ganhou a confiança dos ladrões e agora podia andar entre eles como se tivesse nascido ali. Ivy estava passando muito tempo com Lisandra e isso estava sendo muito útil para o crescimento de seus poderes de mediadora. E foi em uma dessas tardes ajudando Lisandra que a velha curandeira teve uma de suas visões.

— Lisandra? Fale comigo! Já passou o véu da confusão? – Ivy havia ajudado ela a se sentar e também já tinha mandado alguém chamar o Kadi.

— Sim, querida. Obrigada. – A curandeira pegou o copo com água que a menina oferecia e bebeu devagar, refrescando sua garganta.

— Você teve uma visão, não foi? O que você viu? – Ivy encarou os olhos da mulher, preocupada com sua expressão.

— Tenha calma. – Um sorriso triste tomou conta dos lábios da curandeira. — Espere Kadi chegar. Contarei o que vi e também o que vocês dois precisarão fazer.

...

Argus estava em seu laboratório, que havia ganho do rei após fortalecer os poderes dele sobre o filho. Mal sabia o pobre e tolo Antony que aquilo tudo era apenas uma fachada para o real plano do feiticeiro: roubar o trono de Eville e conquistar toda a dimensão de Mistic Herz.

Em breve o Príncipe de Gelo se voltaria contra o próprio pai e o mataria sem piedade. Dessa forma, ele poderia assumir o trono por hereditariedade e, como Argus o controlaria, finalmente conquistaria todo o poder e riqueza que estava destinado a ter.

Era certo que havia planejado roubar o trono e matar o rei quando o idiota já tivesse conquistado Malibur e Guênas, mas sua paciência havia se esgotado e o próprio rei estava mandando suas tropas em direção ao território vizinho.

E é claro que essas tropas não eram comuns. Argus havia inventado todo o tipo de artilharia e usado feitiços de magia negra que havia encontrado no arquivo do castelo para fortalecer esse exército, que logo estaria em seu domínio. Antony também havia recrutado mais soldados após as perdas do desastroso dia do baile, em que descobriu sobre a traição de Kadi.

Conquistariam primeiro Malibur e em seguida partiriam para Guênas. A única dúvida que pairava na mente esperta e cruel de Argus era se deveria ou não mandar o Príncipe de Gelo nas frentes de batalha. Como ainda estava indeciso, veria primeiro como o exército se sairia na conquista de Malibur e só então decidiria se usaria ou não o poder de Adrian.

Após dias e mais dias de pesquisas e testes, finalmente conseguiu o feitiço que estava procurando. Esse feitiço em especial serviria para quebrar o controle do rei sobre Adrian e assim fazer com que Argus controlasse o rapaz. E ele não teria qualquer piedade.

...

Kadi estava em sua tenda terminando de se vestir após ter se lavado. Um jovem entrou correndo pela porta sem qualquer educação e passou a ele a informação de que Lady Ivy mandou chamá-lo. O príncipe terminou de se ajeitar e seguiu com o garoto até a cabana de Lisandra, onde ela e Ivy aguardavam sua chegada.

— Kadi, Lisandra teve uma visão. Ela pediu para chamá-lo. – Ivy dispensou o garoto que havia mandado atrás do príncipe e fechou a porta da cabana.

— E sobre o que foi essa visão? – Ele perguntou ansioso, sentando-se ao lado de Ivy e de frente para a curandeira.

— Ela não me contou. Pediu para chamar você primeiro.

— Muito bem. – Lisandra pousou a caneca de água sobre o colo e segurou as mãos dos dois jovens com os olhos cerrados. — Minha visão mostrou os reinos de Malibur e Guênas caindo perante o Príncipe de Gelo com a morte de seus líderes.

— Malibur e Guênas? – Ivy encarou a mulher, confusa.

— Já ouvi falar desses reinos. São os reinos vizinhos a Eville. Seus líderes são tão cruéis quanto o Rei Porco. – Kadi explicou dando de ombros. Nunca havia se importado em pesquisar mais sobre esses lugares.

— Há muito mais sobre esses reinos do que o sabe, Alteza. – Lisandra sorriu como se soubesse um segredo, e realmente sabia. — Você sabe que foi adotado pelo Rei Antony, mas não sabe suas origens.

O rosto de Kadi empalideceu. Sentiu como se dessem um soco em seu estômago e tudo pareceu girar ao seu redor. Ivy segurou sua mão e a apertou de leve. Esse gesto fez com que voltasse a si.

— Eu não quero saber minhas origens. Se meus progenitores me abandonaram é porque não queriam saber de mim e eu também não quero saber deles!

— E quem lhe disse que eles te abandonaram? – Lisandra tocou o rosto dele e o obrigou a virar em sua direção. Abriu os olhos, mesmo sem enxergar, e acariciou as maçãs do rosto dele. — Foi isso que Antony lhes contou?

— Ele contou para nós a mesma mentira que contou ao povo, mas Adrian e eu ouvimos uma conversa dele e acabamos arrancando a verdade. – Kadi fitava o rosto da mulher com uma expressão sombria de tristeza e raiva.

— Então está na hora de conhecerem a verdadeira história dos três reinos de Mistic Herz.

Lisandra se levantou da cadeira e seguiu até seu caldeirão, pegou um pote com um pó dourado e o jogou lá dentro enquanto recitava um encantamento.

Uma fumaça branca começou a sair de dentro do caldeirão e se espalhou pela cabana até cobrir tudo. Kadi queria se levantar e sair rápido dali, mas sua curiosidade era maior. A fumaça estava tão espessa que até a imagem de Ivy ao seu lado estava difícil de ver.

O silêncio já durava alguns minutos quando a voz de Lisandra tornou a falar num tom sério e quase etéreo. Ao mesmo passo em que sua voz narrava as cenas, imagens apareciam em meio à fumaça.

Quando a dimensão de Mistic Herz foi criada pelos espíritos ancestrais chamados por nós de Vida e Morte, foram designados quatro guardiões para essa dimensão: Fogo, Água, Terra e Ar.

Os criadores dividiram a dimensão em 3 reinos e diversos sub-reinos, alguns desconhecidos e inexplorados até os dias de hoje. Os três principais Reinos foram chamados de Malibur, Eville e Guênas.

Malibur é o reino das criaturas capazes de mudar sua forma física, como metamorfos, wendigos e lobisomens.

Guênas é o reino das criaturas que possuem sangue gelado e se alimentam da morte, como vampiros, demônios e aswangs.

Eville é o reino das criaturas capazes de usar magia, mas ficou mais conhecido por acabar abrigando quase todo o tipo de criaturas. Em Eville é possível encontrar fadas, elfos, feiticeiros, trolls, duendes, anões e até demônios, mesmo que estes tenham sido banidos daqui há muito tempo. Outras criaturas que também não são aceitas em Eville são os vampiros, os aswangs, os metamorfos, lobisomens e wendigos.

— Tudo bem Lisandra, mas o que eu tenho a ver com tudo isso? Até agora você só deu uma aula de história antiga. – Kadi estava impaciente. Estar a ponto de saber suas origens o deixava muito aflito. Ivy também parecia ansiosa.

— Tenha paciência, príncipe Kadi. Ela é uma virtude. – Lisandra riu de leve e continuou sua história.

Muitos e muitos anos se passaram, os reis de Malibur e Guênas, gananciosos e fartos do ideal pacífico de Eville, queriam se tornar ainda mais poderosos e acabar de vez com a paz entre os reinos. Eles gostavam de brigar, de guerrear, de testar sempre quem seria o mais forte, mas o atual governo do reino da magia estava atrapalhando tudo.

Dessa forma, os reis dos dois reinos se uniram para desenvolverem juntos um encantamento capaz de criar a criatura mais poderosa já vista. Essa criatura os ajudaria a conquistar toda a dimensão e até mesmo outras dimensões.

O plano estava correndo quase perfeitamente, mas um desentendimento entre os dois reis fez com que brigassem entre si. Cada um pegou sua parte na pesquisa e guardou à sete chaves em seu próprio reino.

Aparentemente, tudo estava bem, até Scarlet, Antony e Gordon assumirem os tronos de Guênas, Eville e Malibur. Os três descobriram, por sorte, a antiga fórmula do encantamento e recomeçaram o trabalho que havia sido feito. Eles completaram a fórmula e fizeram o encantamento.

Criaram três criaturas perfeitas, mas cada uma delas seguia as preferências de seus criadores:

Scarlet criou um rapaz nos moldes de um vampiro: com super força, super velocidade, poder de manipulação, capacidade de ler mentes e um coração de gelo. O rapaz poderia também controlar o gelo, pois este seria seu poder mais especial.

Gordon criou outro rapaz, este nos moldes de um metamorfo: com capacidade de mudar de forma, força sobre-humana, agilidade acima do normal e com um coração de fogo. Esta seria uma criatura capaz de controlar o fogo.

Já Antony criou uma garota. A moça foi criada nos moldes de uma feiticeira: era capaz de realizar feitiços com rapidez e eficiência, também era muito inteligente e tinha um conhecimento avançado sobre poções. Seu poder especial era o perfeito controle sobre todos os tipos de magia: branca, negra e verde.

Dizem que os espíritos da Vida e da Morte não gostaram dessa ideia dos três reis e por isso lançaram uma maldição nas três criações dos soberanos.

O que controlava o fogo seria também por ele consumido e a única maneira de amenizar isso era queimando o que estivesse ao seu redor.

O que controlava o gelo teria seu coração completamente congelado e para isso não acontecer, teria que congelar outras vidas para poupar a sua.

Mas como os espíritos não são malvados, criaram uma exceção com a terceira criação: ela seria a única criatura capaz de libertar os outros dois de suas maldições. Para isso, teria que fazer com que superassem seu maior defeito e se por acaso não conseguissem, seriam consumidos de vez por seus poderes e morreriam.

Tudo ainda parecia fácil demais, então os criadores arrumaram uma maneira de sumir com a garota da vista dos três soberanos e a abandonaram em algum lugar dessa dimensão. E para castigar ainda mais os três soberanos, colocaram na cabeça de Antony que ele havia roubado as criações de Scarlet e Gordon e inventado uma boa mentira para se salvar.

Com o poder dos criadores, Scarlet e Gordon aceitaram que haviam perdido suas criações, que eram como seus filhos, para sempre. Antony inventou outra mentira para seu povo, arrumou uma esposa falsa e prendeu seus dois filhos no castelo, nunca revelando suas identidades a ninguém. Os dois príncipes cresceram como crianças normais até seus sete anos, a partir dessa idade seus poderes começaram a se manifestar e...

— Espera! Pare, Lisandra! Chega! – Kadi levantou-se depressa, empurrou o caldeirão no chão e saiu da cabana atordoado.

Seguiu a esmo, sem saber muito bem para onde estava indo. Parou na beira de um lago que ficava mais afastado do acampamento e deixou que suas emoções fluíssem sem controle. Gritou o mais alto que conseguiu, deixou as lágrimas saírem e atirou suas labaredas no lago.

Em seu peito queimava a dor de saber que era apenas uma criação. Era como se fosse apenas uma máquina criada por alguém para servir às suas necessidades. Era uma coisa. Um objeto.

— Kadi? – Ouviu a voz de Ivy chamando-o um pouco hesitante, mas não quis se virar. — Kadi, posso chegar perto de você? Não vai me atacar?

Ao perceber que ele não respondia a garota se aproximou. Ele podia sentir sua aproximação. Tentou controlar a respiração acelerada, mas não adiantou muito. Pelo menos havia conseguido parar de soltar chamas no lago. Embora estivesse muito mais quente que o natural, Ivy se aproximou dele e, para sua maior surpresa, ela o abraçou por trás.

Com esse abraço tudo o que parecia explodir dentro dele se acalmou como num passe de mágica. Sua respiração desacelerou, sua mente pareceu se acalmar e até o fogo dentro dele pareceu diminuir sua ardência.

Agora apenas seu coração batia como um louco por causa do toque carinhoso dela.

...

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