Cap. 17 - Sonhos e Visões
Argus chegou ao depósito, os guardas que sobraram não conseguiam cobrir todas as áreas do castelo, então se concentravam em proteger o Rei, o príncipe e o tesouro real. Ninguém se importava com um depósito "qualquer", repleto de livros de magia e ingredientes para encantamentos e poções. Nem o próprio rei.
Estavam facilitando tanto seu trabalho que tornavam aquilo tudo até um pouco chato. Por sorte Argus era muito paciente, esperaria o Rei Antony tomar os reinos de seus irmãos e só então o mataria, tomando assim o seu lugar. Seria o feiticeiro mais rico e poderoso da dimensão.
Era ridículo que uma pessoa tão ignorante e ingênua quanto Antony tivesse conseguido assumir a coroa de um reino por tanto tempo. Talvez sua crueldade e loucura compensassem sua falta de inteligência.
"Mas isso lá eram fatores compensáveis?"
Não importava, tudo de que Argus precisava agora eram dos ingredientes certos e de um livro de magia negra em especial. Esses eram os elementos que faltavam para completar seu plano brilhante. E, é claro, precisava garantir a vitória do Rei Porco perante seus irmãos.
A batalha seria dura, mas Scarlet e Gordon cairíam aos seus pés, e logo em seguida Antony também sucumbiria ao seu enorme poder.
...
Kadi havia saído da cabana de Lisandra completamente atordoado. Não estava contente com seu desempenho e sabia que seria difícil conseguir o perdão da garota, mas sua teimosia insistia que a culpa era toda dela. Afinal, foi ela quem agiu feito uma louca atacando Mallya daquele jeito. Ele não podia fazer nada.
A imagem de Ivy sendo maltratada pelos guardas passou pela sua mente e no mesmo instante sentiu o fogo dentro dele se agitar. Seu poder queria informar que estava errado e que a culpa por ela ter sido ferida daquele jeito era toda dele.
Kadi sempre foi muito orgulhoso, acreditava piamente que tudo o que fazia estava correto e tudo o que dizia era a verdade mais pura. O fogo se agitou novamente e ele sentiu seu peito queimar por dentro. Soltou um grunhido de dor e se recostou numa árvore próxima.
"O que estava acontecendo? Por que seu próprio poder estava machucando-o? Isso não estava certo. Era ele o mestre do fogo, não o contrário!"
— Está sentindo os efeitos colaterais de sua arrogância, Alteza.
A voz de Lisandra ganhou seus ouvidos, mas ele não conseguiu identificar de onde estava vindo. A ardência em seu peito aumentava e estava começando a ficar assustado, mesmo que não quisesse admitir. Precisou sentar-se um pouco, apoiando as costas e a cabeça no tronco da árvore.
— Lisandra... do que está falando? O que está havendo comigo?
— Seu poder, o Fogo, está consumindo-o por dentro por conta de sua arrogância.
— Mas por que agora? Isso nunca havia acontecido antes!
— Há algo de diferente com você, Príncipe de Fogo, e seu poder conseguiu notar a sutil mudança.
— Mudança? Que mudança é essa? – A dor aumentou ainda mais, ele fechou os olhos e deixou um gemido escapar. — Argh! Faça isso parar, Lisandra! Por favor!
— Tem certeza de que não consegue perceber a mudança? Preste atenção, Príncipe Kadi. Só você pode salvar a si mesmo agora.
— Pare de joguinhos, Lisandra! Aargh! Está ardendo! Fogo estúpido!
— Ah, Alteza... – Lisandra soltou um suspiro triste. — Eu posso apenas adiar o inevitável, mas se o senhor não aceitar a mudança, seu poder vai sugar toda a energia vital se sua alma. Apenas queimar florestas não será mais suficiente e quando a areia desta ampulheta acabar... você estará acabado também.
— Lisandra...! Faça parar!
Suas palavras saíram num grunhido. Ele percebeu alguém se aproximando e sentiu quando algo frio foi pendurado em seu pescoço. A dor passou em alguns segundos.
Seu poder estava controlado de novo, mas o que era aquilo que Lisandra usou? Kadi levantou-se devagar e puxou uma correntinha de prata que estava escondida debaixo de sua camisa. A correntinha possuía uma pequena ampulheta na ponta e uma fina areia vermelha escorria bem devagar para a parte de baixo.
Aquilo era magia negra!
Kadi reconhecia magia negra, pois o rei mandou usar tantas vezes que se tornou familiar, mas nunca havia sido vítima daquilo. Seria controlado como o irmão? Não. A magia de Lisandra era diferente, ela jamais faria isso com ele. Quando a areia acabasse... será que daria para...?
Tentou virar a ampulheta ao contrário, mas nada aconteceu. A areia continuava a cair em seu curso normal e seu tempo estava começando a acabar. De que mudança a curandeira estaria falando? O que havia de tão diferente assim nele? Não conseguia pensar em nada.
— Príncipe Kadi? – Um de seus homens o chamou e foi obrigado a esconder a corrente. — Lady Ivy está pedindo para falar com você.
— Não precisa me chamar de príncipe, Hugo. Eu já disse que ainda sou o mesmo de antes. Dispense essas formalidades.
Assim que o homem assentiu, seguiram ambos em direção à cabana de Lisandra, onde Ivy o aguardava para uma conversa. Pelo menos agora teriam uma conversa.
...
Adrian havia conseguido contatar o Espanta Pombos, mas o pobre velho tremia tanto que o príncipe sentiu até pena dele. O homem veio mancando até os aposentos do príncipe, mas só se arriscou dessa maneira porque lhe foi prometida uma grande recompensa.
Não havia guardas para assegurar que Adrian não fugisse e não era necessário que tivesse, já que era o rei quem controlava o corpo do rapaz. O velho bateu com a bengala na porta e entrou em seguida ao notar que a tranca estava do lado de fora.
— Você demorou. – Adrian resmungou, impaciente.
— Sinto muito, Alteza. Fui obrigado a procurar pelo Steve por todo o jardim. – E assim mostrou o pombo branco que havia trazido consigo numa pequena bolsa.
— Steve!?! Você deu nome de gente para essa coisa?
O príncipe não sabia ao certo se o controle que o pai exercia sobre ele estava começando a afetar sua educação. Jamais falaria assim com alguém.
— Ele não é uma coisa! – Os olhos do velho quase saltaram das órbitas e usou sua mão livre para proteger o bichinho do olhar de nojo do príncipe.
— Que seja! – Adrian deu de ombros para acabar logo com isso. Estava com pressa. — Preciso que o... Steve, leve uma mensagem ao meu irmão.
— Ao Príncipe dos Ladrões? – Os olhos do Espanta Pombos se estreitaram pela desconfiança. Seria apenas uma armadilha para ver de que lado ele estava?
— Príncipe dos Ladrões? Então é assim que estão chamando ele agora? Que ironia!
Ele não pode deixar de rir de leve com a novidade. Só de imaginar a raiva de seu pai ao ouvir essas mesmas palavras fazia um sorriso nascer em seu rosto.
— Sim, Alteza. – E assentiu como que para confirmar a informação.
— Certo, certo. – Adrian não estava em pé até esse momento, mas agora sentiu a necessidade de se erguer. O assunto estava ficando sério. — Preste atenção, Espanta Pombos, não vou repetir. Você vai rasgar a primeira folha em branco que achar naquele livro e vai escrever.
— Não sei escrever muita coisa, Alteza. – O homem rapidamente acrescentou, pensando assim que se livraria da tarefa.
— Conhece o alfabeto, pelo menos?
— Sim, Senhor.
— Ótimo. Vou ditar as letras para você.
— Desculpa a pergunta, mas por que o senhor mesmo não escreve?
— É arriscado demais. O Rei está me controlando através de magia negra e ele pode acabar lendo o que estou escrevendo.
— Mas então ele não vai acabar ouvindo nossa conversa também?
— Não. Aparentemente ele não pode controlar minhas palavras, apenas minhas ações e, algumas vezes, meus pensamentos.
— Eu acho melhor o Senhor deixar isso para lá...
— Está com medo? – Adrian estava começando a se irritar e isso não era nada bom. — Já se esqueceu da recompensa que lhe prometi?
O velho pensou por alguns minutos, mas sua ganância falou mais alto do que o amor à própria vida e acabou por aceitar a tarefa que Adrian lhe propôs. Seguiu até o livro de capa vermelha e arrancou uma das folhas sem muito cuidado, pegou uma caneta tinteiro e começou a escrever o que Adrian lhe ditava.
Assim que terminou já lacraram a carta com um fitilho e a prenderam na pata de Steve. O Pombo ensaiou algumas vezes seu vôo dentro do quarto, quando estava satisfeito, pousou novamente no braço de seu dono e aguardou suas ordens.
O Espanta Pombos sussurrou um antigo feitiço que havia aprendido com alguns duendes em uma de suas missões como mensageiro antes de machucar a perna e acabar ficando manco. Steve abriu suas asas e saiu voando pela janela rumo ao acampamento dos ladrões, ou o mais perto de Lady Ivy que conseguisse chegar.
Adrian não podia falar que estava enviando a carta para Ivy, mas havia escrito isso e confiava que o irmão fosse entregá-la para a garota. Também tinha plena certeza de que estavam juntos, pois tinha uma vaga lembrança de tê-los visto no baile. Sua memória de quando estava sendo controlado era muito vaga, parecia que uma névoa encobria seus pensamentos. Era difícil até tentar se lembrar de algo.
Suas esperanças eram muito poucas, mas se havia alguém nesse mundo capaz de quebrar o encantamento que o prendia, esse alguém era Lady Ivy. A chama que brilhava nos olhos dela era diferente de tudo o que ele já havia visto. Ela tinha uma força de vontade que, combinada com seus incríveis poderes, poderiam fazê-la conquistar toda a dimensão. Era por isso que Antony e Argus estavam atrás dela também.
E era também por isso que ele tinha que fazer até o impossível para protegê-la das garras deles.
...
Quando Kadi entrou na tenda Ivy sentiu aquele mesmo calor de antes tomar conta de seu peito e sua teimosia insistiu que isso era fruto do calor que emanava naturalmente do Príncipe de Fogo. Ele possuía aquela mesma expressão de indiferença de sempre, mas sua aura não era capaz de mentir tão bem e ela soube imediatamente que havia algo errado. Uma sombra escura de preocupação tingia sua aura de roxo.
— Olá, Alteza. – Ela tentou ao máximo controlar o nível de ironia em sua voz.
— Como vai, Lady Ivy? – E fez uma curta mesura para demonstrar respeito.
— Ora, vocês vão ou não parar com essas frescurinhas regidas pelo orgulho de vocês? – Lisandra adentrou o cômodo em que estavam, vindo do que seria a cozinha. Os dois jovens desviaram o olhar, envergonhados. — Vou deixá-los sozinhos, mas quero que conversem como adultos. Não como duas crianças mimadas.
— Não sou uma criança mimada! – Ambos falaram em uníssono, o que provocou o riso da curandeira.
Ela saiu da cabana sem dizer mais nada e deixou que os dois se entendessem sozinhos. Ivy foi a primeira a quebrar o silêncio que se seguiu após a saída de Lisandra.
— Sinto muito por ter ignorado você mais cedo. – Ainda assim ela não conseguia encará-lo por mais que alguns segundos. — Só não espere que eu vá pedir desculpas pelo que fiz com aquela garota. Ela mereceu e você sabe disso.
— Mallya. – E ao notar o olhar questionador de Ivy, completou. — O nome dela é Mallya.
— Não me interessa o nome dela! – Ivy se sentiu mal por falar desse jeito, mas não estava conseguindo se controlar muito bem. Era como se a presença dele a abalasse de uma forma estranha. — Desculpa. Vamos começar de novo?
— Claro. – Kadi sorriu e se aproximou da cama, pegou a mão dela e num gesto elegante a beijou. — Eu sou o Príncipe Kadi de Eville e a Senhorita, quem seria?
— O que está fazendo? – Ela puxou a mão com força como se ele a tivesse machucado, mas seu coração batia forte no peito. Bem lá no fundo não sabia se queria rir ou dar um tapa na cara dele.
— Você pediu para começarmos de novo e é o que estou fazendo. – Ele deu de ombros e sorriu de canto. — Não era isso que queria?
— Não! E você sabe disso. – Tornou a fechar a cara e fez bico, cruzando os braços com cuidado em frente ao corpo. — Algumas coisas são fáceis de esquecer, mas outras simplesmente não conseguimos fingir que não aconteceram.
Ivy sentiu a tensão tomar conta do ar ao redor deles novamente. A sensação quente que Kadi trazia sempre consigo pareceu amenizar-se um pouco e ela o ouviu suspirar. Um longo tempo se passou enquanto ela fitava a janela do outro lado e Kadi simplesmente observava as próprias mãos. Ela sentiu as mãos quentes dele segurarem as suas e dessa vez não conseguiu evitar olhá-lo.
— Lady Ivy Delevigne, eu, Príncipe Kadi de Eville, quero pedir-lhe as mais sinceras desculpas por tudo o que eu e minha família causamos a você e aos seus criados...
— Não são apenas meus criados. São minha família.
— Sinto muito. – Ele não parava de fitar os olhos dela nem por um segundo. — Peço desculpas pelo que causamos a você e a sua família, mas acima de tudo quero pedir o seu perdão pelo que Mallya e meus homens fizeram a você. Você tem toda a razão sobre ser incapaz de esquecer certas coisas que aconteceram. Eu não devia ter deixado que a prendessem, nem devia ter deixado que Mallya dissesse aquelas coisas sobre você.
— Não precisa se desculpar pelas ações dos outros, Alteza. Desculpe-se pelo que você fez!
Ivy não queria chorar, mas sentiu os olhos lacrimejarem. Muitas coisas haviam acontecido de repente e por isso sentia-se tão sensível. De tudo o que havia acontecido o que mais havia magoado seu coração quanto à Kadi fora o fato dele ter concordado com Mallya quando a chamou de nobre metidinha e mimada.
— Do que está falando? Não fui eu quem ofendeu você ou te machucou quando estava presa. Já castiguei os homens que fizeram isso e Mallya também passou por uma longa conversa comigo e com os demais líderes...
— Não é disso que estou falando. Já chega, Alteza. Estou cansada e preciso dormir. As poções de cura estão me dando muito sono. – Ivy virou de costas para ele com um pouco de dificuldade e se cobriu até a cabeça.
— Então você me perdoa?
— Sim.
— Pode parar de me chamar de Alteza, então. Eu tenho um nome. – E assim, saiu da cabana de Lisandra achando que seu dever estava cumprido e que tinha um problema a menos para resolver.
Ela concordou apenas da boca para fora. Não conseguiria perdoá-lo até que admitisse a culpa que tinha naquilo tudo. O pior era ver nos olhos dele que acreditava mesmo não ter culpa. Não era como se estivesse simplesmente mentindo ou se fazendo de idiota. Ivy esperou que ele saísse para deixar as lágrimas que estavam contidas escaparem e chorou em silêncio até adormecer.
Sua mente estava agitada e seu corpo, ainda fragilizado, mas naquela noite teve um sonho estranho. No sonho uma criatura diferente e bonita voava por entre as árvores rindo e jogando um pó dourado no chão por onde passava, fazendo flores crescerem imediatamente. Que criatura era aquela? Um duende? Não, eles não voam. Uma borboleta? Não, tinha forma humana. Sua mente pareceu dar um estalo e ela se lembrou que criatura era aquela.
"Fada!"
Era uma fada. Quando ela pousou na grama verdinha ao lado de um bonito lago de águas cristalinas, Ivy pôde ver seu rosto e entrou em choque. Aquele rosto era o dela! Ela estava sonhando ser uma fada? Que tipo de sonho era aquele?
De repente uma sombra encobriu o sol, o lago tornou-se escuro e quando tentou voar para fugir ao pressentir o perigo, sentiu que suas pernas estavam presas. A grama a impedia de fugir. O desespero tomou conta e ela ouviu uma risada maligna ecoar por toda a floresta.
E então simplesmente tudo voltou a ficar preto e o sonho desapareceu.
...
Meus amores muito obrigada do fundo do coração por estarem acompanhando Mistic Herz comigo!
Ivy, Kadi e Adrian estão muito felizes pela companhia de vocês e querem fazer um agradecimento especial para as maravilhosas leitoras AndyR_Lopes e IrisGlaet por votarem em cada capítulo e comentarem cada linha!
Um agradecimento mais que especial para a divosa Nykke_Monte, que me encorajou a continuar quando pensei em excluir o livro.
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