Cap. 14 - O Poder de Ivy
O Rei Porco estava com uma expressão de cobiça assustadora levando em consideração toda a cena de luta e mortes que se desenrolava. Não havia sinal de Argus. Os guardas que não estavam mortos lutavam contra os ladrões.
Quando Ivy desceu do cavalo preto que pegou escondido do acampamento dos ladrões e entrou num rompante no salão de bailes do castelo, vários rostos se viraram para ela. Ela mesma não fazia ideia da aparência que tinha. Lisandra tinha dito que seria uma mulher mais velha, mas seria bonita? Feia? Ela não sabia.
Tinha sido extremamente fácil entrar no castelo com toda a confusão armada lá dentro e toda a guarda concentrada num só lugar. Assim que chegou onde queria, percorreu a cena com o olhar e seu coração quase parou.
Não.
Não era possível.
Aquilo não estava acontecendo!
No chão, em meio a pilha de corpos sem vida, estava sua ama. A pessoa que mais amava, que sempre esteve ao seu lado, que cuidou dela quando sua família a abandonou... estava ali. Sem vida.
Suas pernas ficaram bambas e sua visão se turvou pelas lágrimas. Ajoelhou em meio ao sangue que tingia o chão e soltou um grito alto de pura dor e de puro ódio.
Nesse instante todos, sem exceção, pararam suas lutas.
Todos os rostos se viraram para ela.
Ivy estava caída de joelhos, o rosto molhado pelo choro, as roupas sujas de sangue... e um olhar que faria qualquer um sair correndo. Sua aura, e ela podia sentir isso, havia se expandido. Nesse momento provavelmente tremulava ao seu redor como se fosse as labaredas de uma fogueira.
Ela sentia o poder.
Era algo que nunca havia sentido antes. Nem quando sua família a abandonou, nem quando viu os pobres passando fome, nem quando o rei a castigou, nem quando a beijou a força.
O que ela sentia naquele momento era amargo e quente. O que ela sentia naquele momento era um sentimento tão forte e perigoso que sua explosão fez com que quase todos os demais feitiços ali presentes fossem desfeitos.
Kadi perdeu seu disfarce.
Ivy perdeu seu disfarce.
Argus também acabou sendo revelado, escondido atrás do trono do rei com um feitiço de invisibilidade.
— TRAIDOR! – O rei berrou a plenos pulmões ao ver Kadi onde antes estava o líder dos ladrões.
— Eu vou MATAR você, Rei Porco!! - A voz da garota se sobrepôs, ecoando pelas paredes do salão, repleta de uma força anormal.
Antony mal havia se recuperado do choque de ver seu filho preferido como um traidor e já mandou seus guardas atrás da garota, que de alguma forma conseguiu derrotar todos eles com a ajuda dos ladrões.
Então o Rei Porco ordenou que Adrian a atacasse e congelasse seu coração. O soberano estava com tanto medo que havia até molhado as calças e enquanto o príncipe lutava, aproveitou para fugir dali junto com Argus.
Quando notou que Aron investia contra Ivy, o príncipe de fogo se apressou em transformar seu corpo em labaredas e atacou o irmão pelas costas.
Ivy finalmente havia se livrado dos guardas que a atacavam. Olhou ao seu redor e não havia qualquer sinal do soberano. Seu sangue, que antes fervia de raiva, estava começando a esfriar e logo ela sentiria suas forças deixarem-na também.
Mas ainda havia luta. Ainda havia pessoas morrendo. E os dois príncipes ainda lutavam entre si.
Ivy estava começando a se sentir tonta e sabia que precisava pensar rápido. Apesar de seu orgulho gritar para que fosse atrás do rei e arrancasse seu coração, sua consciência insistia que precisavam bater em retirada e poupar as poucas vidas que ainda restavam.
Não havia sido educada para matar. Marilyn não aprovaria isso. E ela só havia ido até ali com o propósito de salvar a vida de Kadi. O Príncipe de Fogo estava muito ferido e estava perdendo a luta. Por algum motivo suas labaredas diminuíam a cada segundo enquanto o gelo de Adrian só ganhava força.
— Kadi! – Sua voz ecoou novamente por todo o salão. — Temos que ir!
Mas não havia como ele fugir na frente. Tinha que segurar o irmão para que os demais fugissem. Ele conseguiu segurar a batalha até que todos os ladrões fossem embora e Ivy derrubou todos os guardas restantes, mas sem tirar suas vidas.
Agora eram apenas Adrian, Kadi e Ivy.
O príncipe de gelo estava em desvantagem, mas não parecia querer recuar e quando a garota correu para o lado do irmão, só fez com que tivesse ainda mais vontade de atacar. Aquilo era ciúmes. Ou talvez fosse desespero.
Ivy sabia que precisaria tentar uma manobra arriscada. Nunca havia executado esse tipo de feitiço antes e sabia que esgotaria todas as suas energias. Kadi já não era mais uma tocha humana, por isso segurou sua mão e pronunciou o feitiço fazendo com que os dois sumissem no ar e reaparecessem novamente só na Floresta do Norte, próximo ao acampamento.
— Apparyat Elvanescyam!
Só que essa magia acabou com o que ainda restava de sua energia, mal haviam reaparecido e seu corpo deixou de se sustentar sozinho. Sua consciência passou para o mundo dos sonhos. Kadi a segurou antes que caísse e passou a caminhar com ela até o esconderijo.
...
Antony estava finalmente em seu quarto, cansado, assustado e muito, muito irado. Não conseguia acreditar que seu filho de ouro era o líder dos ladrões. Não conseguia acreditar como tinha sido tão tolo a ponto de não perceber.
Estava completamente fora de si por ter sido enganado por todo esse tempo. A imagem do sorriso maldoso que Kadi apresentava perante as injustiças que Antony cometia passou por sua mente e sua ira só aumentou.
Não haveria mais qualquer perdão. Seu filho pagaria caro pelo que fez. A mente enlouquecida do Rei Porco passou a planejar o que faria quando capturasse o príncipe. E não seria nada agradável.
Sua cólera impediu que se lembrasse do príncipe de gelo e da bagunça no castelo, então Argus se aproveitou disso e ordenou ao príncipe que fosse se deitar. Enquanto isso, ele e os empregados do castelo arrumariam a bagunça e fariam as contas do que foi roubado.
Mas é claro que Argus também pegaria algumas das coisas restantes para si. "Ninguém trabalha de graça." Pensou ele enquanto furtava alguns dos talheres de ouro usados na festa e que agora jaziam sujos e maltratados pelo chão.
...
Quando Ivy abriu os olhos novamente e olhou ao redor, percebeu que estava outra vez deitada na cama de Kadi no acampamento dos ladrões.
— Cassian! – Gritou e tentou sentar-se na cama, mas duas mãos a impediram de fazer isso. Sentiu-se tonta e se recostou nos travesseiros.
— Fique quietinha aí, menina. – A voz de Lisandra soou logo ao seu lado e finalmente ela percebeu que a mulher estava ali. — O príncipe Kadi está bem. Acordou há dois dias.
— Dois dias? Quanto tempo fiquei desacordada?
— Hum... Quatro dias, contando com o dia em que desmaiou.
— Fiquei quatro dias dormindo?
— Sim. – Lisandra sorria por algum motivo. — E isso é perfeitamente normal depois de toda a energia que gastou.
— Ah. É verdade. – Ivy ficou pensativa por um tempo. — Eu quero vê-lo.
— Kadi está vindo para cá agora mesmo. – Lisandra levantou da cama e seguiu até a saída da tenda. Assim que passou pela porta, o príncipe entrou.
— Lady Ivy? – E seguiu até a cama com relutância. — Já acordou?
— Sim. – E achou melhor acrescentar algo. — Se eu estivesse dormindo não conseguiria responder.
— Engraçadinha. – Kadi revirou os olhos e fingiu uma risada. — Não vou perguntar se está melhor. Imagino como deve estar se sentindo.
Ivy não conseguiu responder. As imagens de Marilyn sorrindo para ela e logo em seguida as imagens de seu corpo caído sem vida no chão fizeram com que um nó se formasse em sua garganta. Desviou o olhar, mordendo o lábio inferior numa tentativa de conter as lágrimas que queriam sair.
O príncipe chegou ao lado da cama e de uma maneira muito desajeitada a abraçou, mas foi um abraço tão rápido que ela mal teve tempo de sentir o calor de sua presença. Alguém o chamou lá de fora e ele teve que sair depressa.
Novamente sozinha, ela se permitiu chorar, mas embora as lágrimas e os soluços de alguma forma ajudassem a transbordar sua tristeza, bem lá no fundo a ferida que estava aberta não mostrava sinais de que iria cicatrizar.
Ivy estava cansada de ficar ali deitada, sentia a necessidade de esticar as pernas. Desceu da cama com cuidado e saiu pela parte de trás da tenda, sem se importar com os olhares que eram lançados em sua direção.
Caminhou um pouco pelo acampamento, queria chegar até a cabana de Lisandra, mas não se lembrava muito bem do caminho. Acabou ouvindo a voz de Kadi ali perto e resolveu ir até ele para lhe perguntar sobre Lisandra.
Só que Kadi estava discutindo com alguém e Ivy não gostou nem um pouco do que ouviu. Sentiu-se péssima. Sentiu-se idiota por ter sequer se preocupado com ele.
— Então quer dizer que seu pai já sabe sobre você? – Era uma voz feminina que estava conversando com o príncipe.
— Sim. – Ele não parecia muito contente.
— E foi tudo culpa da garota? Daquela nobre que você trouxe outro dia? Aquela metidinha que roubou meu cavalo e seguiu igual uma vaca louca atrás de você no castelo?
— Sim. Exatamente.
— E mesmo assim você ainda vai deixar ela ficar aqui? E ainda por cima na sua tenda?
— Sim.
— Mas é tudo culpa dela! Por culpa dela você perdeu vários homens e mulheres! Foi por causa dela que você foi descoberto! Ela só está nos trazendo problemas! É uma azarada! Mediadores são criaturas que só trazem azar!
— Lisandra é uma mediadora.
— Mas ela é diferente. Ela é especial. Ela dá sorte porque sabe controlar seus poderes. Porque sabe como é o nosso sofrimento. Porque não foi mimada! – A voz feminina parecia muito irritada. — Aquela garota é uma mimadinha inútil, Kadi!
— De certa forma.
Ivy não conseguiu ouvir mais nada. Entrou na tenda quase rasgando o tecido da porta e olhou com raiva para a garota loira sentada ao lado de Kadi. Lançou um olhar ainda mais furioso para o príncipe, que estava tão surpreso quanto a garota.
— Então é assim que você me vê? Uma mimadinha inútil? Eu devo ser muito idiota mesmo por ter ido atrás de você! – Suas palavras saíam sem que percebesse o que estava dizendo. — Essa mimadinha inútil foi amaldiçoada com essa maldita mediunidade! Essa mimadinha inútil foi abandonada pela própria família e perdeu a pessoa que cuidou dela como uma mãe simplesmente porque tentou proteger o reino, coisa que você, como príncipe, deveria ter feito!
— Pare de gritar, sua maluca!
A loira tentou empurrar Ivy, mas ela estava tão furiosa que simplesmente por estender a mão na direção da garota fez com a mesma voasse para fora da tenda e caísse desacordada no chão.
— Lady Ivy, você...! – Kadi se levantou e tentou chegar perto dela.
— Você, vossa alteza, cale a boca e escute o que eu acho de você! Você tem essa pose toda de valentão, mas estava tão vulnerável perante ao seu querido irmão que não conseguia nem notar o que estava acontecendo! Eu só fui atrás de você "estragar tudo" porque a Lisandra me pediu para fazer isso, do contrário, você estaria morto! Então, meu querido, se não fosse por essa mimadinha inútil você não estaria aqui agora! Não! Não se preocupe! Nunca mais vai precisar me ver, porque eu vou embora daqui! Não quero mais a sua ajuda!
Com isso Ivy deu as costas para ele e saiu marchando da tenda, mas assim que deu três passos para fora dois homens a agarraram pelos braços e prenderam algemas em seus pulsos. A garota se debateu, mas isso só piorou a situação, pois os dois a seguraram mais forte, machucando seus braços.
— Me soltem! Estão me machucando! Parem! – Ela gritava e se debatia. Várias pessoas se aglomeraram ao redor deles e Lisandra tentou abrir caminho pela multidão.
— Podem levar ela para a nossa prisão.
A garota loira havia acordado e estava com o lado direito da cabeça sangrando. Tinha um olhar irritado. Kadi saiu da cabana e tentou entender a situação.
— Prisão? Quem está sendo preso? – Lisandra perguntou mesmo que soubesse a resposta. Ela queria a confirmação pela boca de Kadi.
— Essa garota, Lisandra. A nobrezinha que Kadi trouxe com ele e que estragou tudo para nós no dia da festa do castelo. – A loira respondeu.
— E ela está sendo acusada pelo que, Mallya? – Lisandra rebateu.
— Ela é uma conspiradora! Estava ajudando o Rei Porco! E ela me atacou! Xingou nosso líder e....!
— Isso é verdade, Kadi? – Lisandra tocou o braço do príncipe, que se manteve quieto até o momento.
— Vamos, Kadi! Diga! Diga outra mentira! Tanto faz mesmo, você é um mentiroso! – Ivy disparou sem pensar e a multidão que se formara explodiu em burburinhos. Logo, quase todos pediam o castigo e a prisão dela.
— Levem a garota. – Foi tudo o que o príncipe disse antes de sair andando em direção à floresta. Precisava fazer umas queimadas e tinha que encontrar um bom lugar.
Ivy foi levada para as cavernas onde prendiam seus prisioneiros, jogaram-na em uma das celas de pedra e a trancaram usando uma enorme rocha cinza que tapava quase toda a luz. Antes de irem embora ainda foi obrigada a ouvir insultos e ameaças de que quando voltassem "dariam um jeito nela".
...
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